Pesquisa qualitativa “Bolsonarismo no Brasil”, realizada pelo IREE e pelo Laboratório de Estudos de Mídia e Esfera Pública do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Uerj (LEMEP), estuda perfil da base de apoio de Bolsonaro e aponta que posicionamentos extremistas, como a defesa de uma ditadura militar, são minoritários.
Confira aqui a pesquisa na íntegra: Pesquisa Qualitativa Bolsonarismo no Brasil
“Os bolsonaristas não apoiam, de forma majoritária, a intervenção militar, apesar de terem simpatia pelos militares e uma visão benigna do que foi a ditadura no país”, diz João Feres, coordenador do LEMEP e coautor da pesquisa, com Carolina de Paula (LEMEP), Walfrido Warde, Presidente do IREE, e Rafael Valim, Diretor do IREE.
A pesquisa ouviu 24 grupos focais no Rio de Janeiro, em São Paulo, Goiânia, Curitiba, Belém e no Recife, com eleitores de Bolsonaro arrependidos e fiéis, evangélicos e não evangélicos, de 15 a 30 de maio deste ano.
A iniciativa foi pioneira por ser a primeira pesquisa qualitativa a explorar em âmbito nacional as motivações, valores, crenças e interesses que movem os apoiadores de Bolsonaro. Na pesquisa qualitativa não há intenção em mensurar frequências percentuais. A técnica permite que os participantes conversem entre si, além de responder às questões do moderador do grupo. O objetivo final é capturar a diversidade de opiniões e pontos de vista sobre os temas de interesse.
Repercussão
Confira as matérias sobre a pesquisa na mídia:
Estudo aponta que maioria dos bolsonaristas não defende intervenção militar – Folha de S.Paulo
Maioria dos bolsonaristas não defende intervenção militar, diz estudo – Poder 360
Maioria dos eleitores arrependidos de Bolsonaro deve votar em Lula, revela pesquisa – CartaCapital
O bolsonarismo raiz é menor do que a gente imagina, diz cientista política – CartaCapital
Principais dados da pesquisa “Bolsonarismo no Brasil”
A vida atual e o contexto da pandemia
A discussão inicial capturou as percepções sobre a vida atual e o contexto da pandemia. O sentimento dos entrevistados é de piora da situação financeira causada pela pandemia, seja relativa à própria vida – desemprego ou queda de renda – seja a de familiares e amigos. A inflação é vista no cotidiano e preocupa a todos, inclusive entre os apoiadores mais fiéis do presidente. Porém, há diferenças sobre a responsabilização do problema. Identificamos que participantes do segmento “evangélico” tendem a culpar os governadores, os prefeitos e até mesmo os empresários para abonar a responsabilidade de Bolsonaro, já os arrependidos responsabilizam o líder do governo federal;
Valores
No bloco de perguntas envolvendo “valores” a pesquisa explorou cinco assuntos centrais: (1) família e questão de gênero; (2) segurança (porte e posse de armas); (3) corrupção (Lava Jato e “rachadinha”); (4) militares no governo e na política; (5) pandemia (vacina, ciência e tratamento precoce). A estratégia foi apresentar vídeos com falas do próprio presidente para capturar as reações espontâneas dos participantes, e só depois estimulá-los com questões relacionadas aos temas.
Família e questão de gênero
Os resultados do tema “família e questão de gênero” revelam que a defesa incondicional da família tradicional – composta por homem e mulher – não é unânime. Somente os bolsonaristas sólidos, tendencialmente evangélicos e que não se arrependeram do voto, concordam com esse posicionamento. Contudo, quando se fala em “ideologia de gênero”, nota-se o aumento do consenso, por exemplo, o entendimento de que durante os governos do PT a educação pública foi orientada para “ensinar sexo” para as crianças e a naturalizar a homossexualidade, quando esse deveria ser um assunto privado, íntimo de cada família. As raras exceções se encontram no segmento dos arrependidos
Segurança (posse e porte de arma)
O tópico da segurança (porte e posse de armas) não gerou consenso nem mesmo no segmento mais fiel ao presidente. Destaca-se a concepção da “falta de cultura dos brasileiros” vis-a-vis os Estados Unidos. Esse país emerge como o grande exemplo positivo dentre os entusiastas da flexibilização das regras para o porte e posse de armas. Existe uma narrativa difundida entre o segmento favorável: de que o controle das armas pode ser pleno e eficiente, já que os pleiteantes terão que passar por diversos exames psicológicos, testes e por averiguação conduzida pelo Exército.
Corrupção (Lava Jato e rachadinha)
O tema da “corrupção” deixa claro que esse é um assunto importante para todos os entrevistados. Os bolsonaristas mais fiéis acreditam que o presidente é um homem honesto e de fato acabou com a corrupção em seu governo. Quando confrontados com as denúncias de “rachadinhas” envolvendo Flávio Bolsonaro não raro apelam para a banalização do “fenômeno”, pois elas seriam praticadas por políticos de todo o país. Já os participantes arrependidos lamentam o fim da Lava Jato e são críticos às suspeitas que pesam sobre o filho do presidente, considerando um caso de alta gravidade.
Militares no governo e na política
Sobre o assunto dos “militares no governo e na política” constata- -se que há um sentimento predominante de rechaço a uma eventual volta da ditadura militar, mesmo entre os mais apaixonados defensores do presidente. Porém, a imagem do período ditatorial brasileiro é amena para esse segmento, emerge a percepção de que os militares eram mais honestos que os políticos tradicionais e promoviam a segurança da população. Pode-se afirmar que tal imagem repercute positivamente na atual visão que fazem sobre o alto número de cargos ocupados por militares. Entretanto, há desconfiança e críticas sobre escolha para alguns cargos, o exemplo mais recorrente é a do General Eduardo Pazzuello no Ministério da Saúde, sua incompetência incomoda até os mais fiéis bolsonaristas.
Pandemia (vacina, ciência e tratamento precoce)
O último vídeo apresentado trazia o assunto da “pandemia (vacina, ciência e tratamento precoce)”. De modo majoritário, os participantes pretendem se vacinar. Quanto à demora na contratação das compra dos imunizantes, os apoiadores mais sólidos argumentam que o presidente foi cauteloso, diante das dúvidas científicas sobre a segurança da vacina. De modo radicalmente distinto, os eleitores arrependidos do voto ficam indignados com a postura omissa de Bolsonaro frente à pandemia, sendo esse um forte motivo para o arrependimento da escolha eleitoral de 2018. Já o tópico do tratamento preventivo, revela que a flexibilização de postura crítica por parte da comunidade médica favoreceu uma margem de dúvidas, logo, valeria a pena a tentativa. Para ampla maioria dos entrevistados esses medicamentos sequer são considerados perigosos à saúde.
A política e o voto em 2018 e 2022
A exploração retrospectiva do voto em 2018 revelou que o antipetismo dominou as motivações para a escolha do nome de Bolsonaro. Não identificamos forte apego a “valores conservadores” como justificativa para a escolha da extrema direita, com exceção dos evangélicos, entre os quais esse sentimento emerge, mas mesmo aí ele vem aliado ao antipetismo. Também identificamos uma “nostalgia da era PT” entre os participantes arrependidos do voto, provocados em grande medida pelo forte rechaço a Bolsonaro na condução da maior crise sanitária da história recente e pela lembrança das conquistas e pelo bem-estar alcançado na era petista.
Hábitos de informação
Os grupos focais revelaram que o jornalismo da televisão aberta ainda possui penetração, com menor aderência entre os mais jovens, que preferem obter conteúdo em portais da internet de jornalismo (G1, UOL e feed do google notícias) e nas redes sociais. Aqueles que emprestam maior apoio ao presidente são altamente refratários à Rede Globo. Avaliam que a emissora persegue Bolsonaro e distorce os fatos. O Jornal Nacional é chamado por alguns de “Jornal Covid”. Esse segmento prefere acompanhar o jornalismo da Record e do SBT. A CNN também é uma das preferências desse eleitorado, alguns acompanham o conteúdo do canal via a plataforma Youtube. Os entrevistados arrependidos costumam consumir mais o jornalismo da Rede Globo, porém, também identificam a emissora carioca como tendenciosa.
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