Insider trading na Resolução CVM n° 44/21 – IREE

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Insider trading na Resolução CVM n° 44/21

Henrique Machado

Henrique Machado
Presidente do IREE Mercado



Norma recém-editada, Resolução CVM n° 44/21 consagra o regime de presunções em desfavor dos acusados

Este artigo foi publicado originalmente na Capital Aberto.

Os casos de insider trading costumam ser os mais tormentosos dentre os julgados pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Tormento, diga-se, não apenas para os membros do colegiado da autarquia, mas também para advogados e acusados.

O insider trading é uma infração administrativa de natureza grave, também capitulada como crime pela Lei 6.385/76, com grande repercussão sobre a reputação dos envolvidos. Ao mesmo tempo, é uma das apontadas mazelas do mercado brasileiro sobre a qual os números do enforcement são, no máximo, modestos. Ambas as circunstâncias criam ambiente para o debate reducionista sobre “garantismo” e “punitivismo”. O fato é que não se conhece um dito punitivista que pretenda a punição de inocentes e um dito garantista que pretenda garantir a inocência de culpados.

A par desse debate, importa constatar que raramente as dificuldades suscitadas pelos casos de insider trading estão relacionadas à hermenêutica jurídica, à interpretação do texto da norma, apesar de a disciplina da matéria em âmbito legal e infralegal ter minúcias e contornos importantes. Os pontos sobre os quais os diversos atores arduamente se debruçam e que continuamente geram divergências acirradas são a produção e a valoração da prova.

Desfavor dos acusados

É nesse contexto que a nova Resolução CVM n° 44/21 consagra o regime de presunções em desfavor dos acusados. Afinal, como convivem essas presunções e a presunção de inocência?

Tais presunções têm natureza completamente distinta. As presunções constantes da resolução representam o reconhecimento normativo da operação lógico-dedutiva que liga um fato provado (indício) e outro probando. É uma presunção simples, nome jurídico dado à relação que se estabelece entre uma circunstância conhecida e outra que dela decorre em uma relação de causalidade ordinária. Como exemplo, um motorista que colide seu veículo com a traseira de outro em um acidente de trânsito é presumido culpado, pois trata-se do que ordinariamente se verifica, considerando as leis da física e de trânsito. A presunção de inocência, por sua vez, não é o reconhecimento de uma realidade fática, não é um processo mental fundado em relação de causalidade ou um instrumento processual de produção probatória. É um valor de uma determinada sociedade que se exprime pelo direito a ser considerado inocente até que se prove o contrário e o trânsito em julgado da decisão.



Os artigos de autoria dos colunistas não representam necessariamente a opinião do IREE.

Henrique Machado

É sócio do Warde Advogados e Presidente do IREE Mercado. É ex-procurador do Banco Central do Brasil. Foi chefe de gabinete do Ministro Presidente do BC entre 2009 e 2010, secretário do Conselho Monetário Nacional (CMN), secretário-executivo adjunto do BC e secretário-executivo do Comitê de Regulação e Fiscalização dos Mercados Financeiro, de Capitais, de Seguros, de Previdência e Capitalização (Coremec), entre 2010 e 2016. Foi diretor da CVM de julho de 2016 a dezembro de 2020. Formado em Direito pelo UniCEUB, é Pós-graduado em Direito Público, pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), e em Direito Econômico da Regulação Financeira, pela Universidade de Brasília (UnB). É professor convidado da FGV-Rio, OAB/DF, IDP e KOPE.

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