No dia 11 de julho, o governador de São Paulo, João Dória, anunciou a antecipação do programa de vacinação da população paulista com mais de 18 anos e, consequentemente, dos menores de idade em quase um mês. Será um ganho tremendo para a saúde pública, com toda certeza, mas acredito que suas consequências para outro setor, que vem sofrendo muito desde o início da pandemia, serão ainda maiores: o da educação.
Com o adiantamento das vacinações, agilizaremos não só a imunização dos professores e funcionários escolares, mas também das crianças, o que permitirá a volta das escolas privadas e públicas na capacidade total. É claro que esse efeito positivo será restrito aos Estados que conseguirem, como São Paulo, acelerar o calendário de imunização. Para outros, a solução ainda está longe.
A educação brasileira não escapou do vírus da falta de administração pandêmica e o EAD (ensino à distância) se mostra uma realidade reservada aos alunos com recursos para manterem computadores, internet etc. As consequências desses quase 2 anos de desordem na educação brasileira serão sentidas nas taxas de alfabetização e índices de desenvolvimento no curto e no longo prazo. Sendo o acúmulo de capital humano um dos principais fatores determinantes do crescimento econômico, essa estagnação na formação dos estudantes é extremamente preocupante.
Muitos jovens e crianças deixaram de ir à escola durante esse período de retorno parcial das aulas presenciais, com medo de levarem o vírus para casa. Com a falta de um suporte bem estruturado pelo Estado que garantisse um aprendizado pela via virtual adequado para todos, muitos não tiveram sequer meios para acompanhar as aulas online. A UNICEF, em parceria com a Cenpec Educação, divulgou dados assustadores: em novembro de 2020, mais de 5 milhões de crianças não tiveram acesso à educação, sendo 40% dessas entre 6 e 10 anos, ou seja, no período da formação primária. Neste, a educação estava basicamente universalizada antes da pandemia.
A alfabetização brasileira, dessa forma, apesar de haver melhorado na última década, sofreu demasiado na conjuntura pandêmica, dado que é extremamente dependente da interação professor-aluno. Como um pilar da educação primária, esse fato é alarmante. A falta de investimento direcionado para reverter a situação da educação é um grande desserviço para a população em formação e também para a sociedade como um todo. Sabe-se que o investimento na educação da primeira infância é o mais inteligente do ponto de vista econômico e social.
A curva de Heckman, desenvolvida pelo economista James Heckman (ganhador do prêmio Nobel de 2000), compara o retorno em capital humano aproveitado pelo investimento em diferentes níveis educacionais. Sua principal tese, amplamente utilizada nos estudos sobre políticas públicas em educação, é que os programas com maiores taxas de retorno social (considerando o curto e longo prazo) são aqueles focados nos primeiros anos de desenvolvimento infantil, ou seja, na pré-escola e na educação primária (além do pré-natal).
Nesse período pandêmico, tal fato foi claramente botado de lado. Certamente a crise na saúde pública e na economia demandaram (e ainda demandam) muita atenção das autoridades. Contudo, a educação foi largada à deriva. Os estudantes estão esquecidos e sua formação negada pela completa falta de organização ou qualquer mínimo planejamento para o apoio ao EAD, de forma que, hoje, a educação depende em grande parte da vacinação de professores, funcionários e alunos para se reerguer.
Esse processo não só abriu portas para um atraso estimado em quase 2 décadas para a escolarização brasileira, mas também evidenciou ainda mais as discrepantes desigualdades observadas no setor. Conforme o estudo da UNICEF, as regiões Norte e Nordeste, consideradas as mais pobres do país, foram responsáveis por, respectivamente, 28.4% e 18.3% das crianças entre 6 e 17 anos sem acesso à educação no final do ano passado. Em qualquer que seja a região, ainda, ficaram evidentes as diferenças de oportunidade de aprendizado entre a parcela mais rica e a mais pobre. A primeira contou com todos os meios para comprar e manter computadores, internet e um ambiente adequado para os jovens e crianças estudarem, enquanto a segunda ficou praticamente todo 2020 e o começo de 2021 sem conseguir acessar a qualquer conteúdo.
A maior parte das teorias sobre crescimento econômico aceitas hoje consideram a acumulação de capital humano como um forte determinante do desenvolvimento no longo prazo. Nele será sentido o atraso da educação, enfermidade essa provocada pela má gestão pandêmica e pela insultante omissão estatal no desenvolvimento de políticas voltadas à educação.
A situação lamentável da escolarização de crianças e adolescentes e a consequente estagnação do acesso ao conhecimento ainda serão muito mais sentidos pela população menos abastada, que não teve meios para se adaptar à realidade do EAD e hoje depende do calendário de vacinação. Descaso e desigualdade, então, são os sinônimos da educação no interlúdio “covídico” da sociedade brasileira. Com uma agravante: sofrem nesse processo todos os estudantes em formação, o que comprometerá o desenvolvimento brasileiro das próximas décadas.
Os artigos de autoria dos colunistas não representam necessariamente a opinião do IREE.
Loreta Guerra
É graduanda em Economia na Escola de Economia de São Paulo (EESP) da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e em Ciências Sociais na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP. Participou em 2020 de um estudo sobre os impactos da Lei Maria da Penha com o grupo de Jurimetria da USP e é redatora da revista estudantil da FGV Gazeta Vargas desde 2019.
Leia também

IREE Webinar: Getúlio Vargas, ontem e hoje
Continue lendo...
Apresentação do mestrado Lobby, Corrupção e Ética Pública
Continue lendo...