As estatais representam um importante instrumento de intervenção estatal no domínio econômico. O projeto desenvolvimentista do regime militar teve as estatais como protagonistas e, após o esgotamento do modelo pelas crises fiscais, a agenda neoliberal e as privatizações trouxeram a promessa do Estado regulador.
Contudo, o limite da intervenção estatal nunca ficou claro, a despeito do princípio constitucional da subsidiariedade, autorizando a exploração direta da atividade econômica do Estado apenas quando necessária a imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo.
Quando “combater a corrupção” se torna uma agenda de governo, os holofotes se voltam aos grandes contratos públicos e às estatais. Nesse contexto, enquanto se discute a independência do Banco Central do Brasil, temos a oportunidade de examinar (novamente) os requisitos de independência dos administradores das estatais trazidos na Lei nº 13.303/2016.
Ainda, no caso específico das sociedades de economia mista, a presença de investidores privados gera algumas perplexidades, sendo a principal o dilema entre a criação de valor para os acionistas e a satisfação do interesse público presente na lei que autorizou a sua criação.
A Lei das S.A. (Lei nº 6.404/1976), em seu art. 238, autoriza o ente público que controla a sociedade de economia mista a orientar suas atividades para atender ao interesse público que justificou a sua criação e, ao mesmo tempo, lhe atribui os deveres e responsabilidades do acionista controlador.
Em análises de companhias, é comum encontrarmos referências a preocupações e riscos envolvendo investimentos em estatais, pela possibilidade de que dividendos sejam reduzidos para que outros interesses sejam privilegiados que não o lucro dos acionistas.
De um lado, a obsessão pelo lucro pode levar a decisões imediatistas e gerar pressões para fraudes em demonstrações financeiras ou mesmo comprometer empregos, direitos do consumidor e o meio ambiente. As necessidades públicas parecem não caber na tela de um terminal Bloomberg.
De outro lado, se determinada companhia deseja captar recursos junto ao mercado, é preciso que haja algum nível aceitável de segurança jurídica e informações necessárias para que sejam avaliados os riscos em face dos retornos esperados. Nesse sentido, deveria o Estado explorar atividade econômica apenas por meio de empresas públicas? Como endereçar essa questão diante da agenda de privatizações de governantes que buscam o aplauso do mercado?
Ao fim e ao cabo, há uma guerra entre interesses públicos e privados ou, na verdade, há uma dança que ainda carece de uma coreografia? Nesta dança, há alguém que deva sempre guiar ou é possível encontrar um ritmo no qual os parceiros se adaptam e encontram um ritmo? Ou um meio-termo é impossível?
Em tempos de proeminência de considerações ambientais, sociais e de governança em torno da atuação das companhias, o pêndulo parece se mover no sentido de intensificar o discurso em prol da responsabilidade social das empresas e, no caso das estatais, na sua compreensão não apenas como fonte de receitas patrimoniais para o Estado, mas também como instrumento poderoso para prestar serviços públicos, induzir comportamentos nos agentes econômicos, fomentar a concorrência em determinados setores e, com alguma sorte (ou esperança), inovar.
O estudo crítico das relações entre Estado e Empresa é um traço genético do IREE. Nos próximos meses, procuraremos fomentar o debate sobre o papel das estatais no desenvolvimento econômico do Brasil e na implementação de políticas públicas.
Para isso, é preciso estabelecer um diálogo entre economia, direito societário, direito econômico e direito administrativo, uma abordagem dificultada pelo isolamento do Direito em relação aos demais saberes e, ainda, pela divisão estanque dos “ramos” do Direito, refletida nos departamentos fossilizados de tantas Universidades.
As respostas às questões formuladas passam pelo Direito: o Estado dá a forma ao mercado (Natalino Irti) e o contrato é a veste jurídica de uma operação econômica (Enzo Roppo). Nesse sentido, não há nada de “natural” no mercado, mas sim aspectos sociais que podem (e devem ser) orientados pela norma jurídica.
A Lei das Estatais (Lei nº 10.303/2016) precisa ser criteriosamente analisada para que se torne eficaz e nos permita encontrar uma solução para o impasse entre interesses públicos e privados. A preocupação com governança não pode permanecer no campo retórico e os requisitos de independência precisam ser avaliados e se necessários, atualizados.
Não podemos evitar problemas difíceis ou deixar que soluções “simples” mascarem sua verdadeira complexidade.
Junte-se a nós nesse importante debate!
Por Equipe IREE
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