Evento trata do impacto da Reforma da Previdência para população mais vulnerável – IREE

Cobertura

Evento trata do impacto da Reforma da Previdência para população mais vulnerável

Por Samantha Maia

O idoso e o portador de deficiência em situação de miséria que recebem o benefício assistencial de um salário mínimo mesmo sem ter contribuído com o INSS.

As mulheres que, por conta de gravidez e cuidados com a família, trabalham a vida toda de forma intermitente, não conseguem contribuir com o tempo mínimo para a Previdência e aposentam por idade.

O jovem que entra agora no mercado de trabalho sem conseguir ter carteira assinada.

Essas são algumas faces de quem depende do sistema de seguridade social no Brasil mas que está ausente no debate pautado por representantes do projeto do governo federal sobre a Reforma da Previdência.

Os especialistas presentes no segundo e último dia do seminário “A Previdência precisa de Reforma?”, organizado pelo Instituto Democratize com apoio do IREE, buscaram dar visibilidade aos cidadãos ignorados pelo governo federal, congressistas e por grande parte da mídia: as mulheres, a população negra e os pobres.  

O evento realizado no dia 19 de junho contou com a participação das economistas Marilane Teixeira e Camila de Caso, dos economistas Paulo Kliass e Guilherme Mello, e do presidente do IREE, Walfrido Warde.

Confira também a cobertura do primeiro dia do evento.

Apesar de alguns pontos terem sido derrubados no relatório apresentado pelo deputado Samuel Moreira (PSDB-SP), como a redução do Benefício de Prestação Continuada (BCP) e o aumento do tempo mínimo de contribuição para as mulheres, os palestrantes fizeram um alerta.  O relatório autoriza que essas garantias e regras possam ser alteradas no futuro por lei complementar.

“Se para aprovar a PEC da Reforma da Previdência o governo precisa de 308 votos, uma lei complementar requer maioria simples, o que torna mais fácil aprovar essas mudanças no futuro”, explicou Warde.

A Previdência e as mulheres

Marilane Teixeira, professora do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (Cesit), explicou porque ainda é justo para as mulheres contarem com tempo de contribuição e idade mínima menores para se aposentar.

“Mesmo que as mulheres tenham ampliado a participação no mercado de trabalho e muitas já consigam competir com homens em condições mais equânimes, ainda hoje a intermitência no emprego por conta da dupla jornada e da falta de assistência como creches traz para as mulheres mais dificuldade para cumprir o tempo mínimo de contribuição”, disse Marilane.

“A Previdência é um instrumento que busca corrigir parte dessas desigualdades de oportunidades no trabalho”, disse Camila do Caso, assessora econômica do Psol na Câmara dos Deputados.

Segundo a economista, só 30% das mulheres conseguem aposentar dentro dos 15 anos de contribuição mínima. Se contabilizada a jornada total de trabalho remunerado e não-remunerado, as mulheres trabalham em média 5 horas semanais a mais que os homens.

Camila resgatou a história de lutas das mulheres para conquistar o reconhecimento das diferenças e alertou que esses direitos ainda estão ameaçados por conta da permissão de alterações por lei complementar.

“O que está na proposta de Reforma da Previdência é a desconstitucionalização das conquistas da classe trabalhadora.”

Como lembrou Marilane, a Previdência vai além da aposentadoria, com influência durante toda a vida das mulheres. “Desde a decisão sobre ter ou não filhos, até a condição de cuidar dos idosos da família, o sistema de seguridade social tem um grande impacto principalmente na vida das mulheres negras mais pobres”, disse Marilane.

A Previdência é um problema fiscal?

Para os especialistas, a Reforma da Previdência não resolve nem o problema fiscal do país, nem garante a retomada dos investimentos privados. O único setor que deve sair fortalecido é o de fundos abertos de Previdência.

“O argumento de que o país está com uma crise fiscal profunda e de que a Reforma da Previdência é necessária, senão o Brasil quebra, não se sustenta”, disse Paulo Kliass, especialista de carreira em Políticas Públicas e Gestão Governamental do governo federal.

O economista lembrou que este argumento tem sido repetido desde o início do segundo mandato de Dilma Rousseff, e até o momento, apesar de todas as soluções terem sido adotadas, não tivemos sinal de retomada do crescimento.

“Primeiro era preciso tirar a Dilma, depois aprovar o teto de gastos, então flexibilizar as leis trabalhistas, e agora o trilhão do Paulo Guedes. E o desemprego só aumenta, e a economia anda de lado”, afirmou Kliass.

Para Guilherme Mello, diretor do Instituto de Economia da Unicamp, a discussão fiscal é estéril pois, na prática, o déficit da Previdência é o gasto do Estado no sistema de seguridade social. O verdadeiro debate, segundo ele, seria sobre quanto a sociedade e o Estado estão dispostos a gastar por esse sistema e quais serão as formas de financiamento.

“Vale a pena ter esse sistema? Claro que vale, é só ver o impacto nos níveis de pobreza dos idosos. Mas o modelo de financiamento atual, baseado na arrecadação sobre a folha de salário, não se sustenta”, disse Mello.

A capitalização e seus riscos

Se o sistema atual não se sustenta, é a capitalização, com contribuição apenas do trabalhador, que será a solução? Para Walfrido Warde, as pessoas mais pobres não têm como arcar com os riscos da capitalização.

“O sistema de capitalização submete a população a riscos que ela não é capaz de monitorar. Esse caminho mostra uma crise de solidariedade que estamos vivendo”, disse o presidente do IREE.

Warde detalhou o funcionamento de um sistema de capitalização, em que o trabalhador deposita seu dinheiro numa conta que será administrada por agentes que aplicam no mercado financeiro. Ele destacou, porém, que até o momento o governo não esclareceu o seu projeto.

“A PEC é obscura, mas a capitalização é o centro da proposta. Mesmo que a capitalização da PEC saia do projeto na tramitação no Congresso, ela deve voltar por meio de lei complementar”, alertou Warde.



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