Por Marina Rodriguez
Em um mundo em que, por um lado, o individualismo e o consumismo são incentivados e, por outro, as atividades produtivas se utilizaram por décadas dos recursos naturais sem restrições, como construir um caminho de sustentabilidade?
A questão foi levantada por Pascal Petit, professor da Universidade Paris XIII, na palestra de abertura do segundo dia do 16º Fórum de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
O evento foi realizado nos dias 9 e 10 de setembro de 2019, em São Paulo, com apoio do IREE.
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Petit expôs a reflexão sob o viés da estagnação secular – tema do fórum –, fenômeno que acomete muitos países em desenvolvimento em um cenário no qual ainda há diversas necessidades básicas por suprir.
O professor da UFABC Guilherme Magacho levou as ideias de Petit para o contexto da América Latina e agregou conceitos de Celso Furtado. Com alusão ao Fordismo, Magacho defendeu a teoria de que o apogeu do capitalismo chegou ao fim.
O ex-ministro Ciro Gomes, candidato à presidência em 2018 pelo PDT, comentou a fala do professor Petit e desenvolveu a ideia de “uma agricultura de alta linhagem, com alto valor agregado”. Para ele, o Brasil tem questões das agendas do século XIX e XX a retomar, “ainda com muita infraestrutura por construir”.
A depreciação da taxa de câmbio
O evento da FGV dedicou uma mesa para debater as razões pelas quais a taxa de câmbio não voltou a se apreciar depois da crise financeira de 2014.
“Segundo o Novo Desenvolvimentismo, a taxa de câmbio voltaria a se apreciar, o que não aconteceu”, ponderou Luiz Carlos Bresser-Pereira, coordenador do Fórum. “A previsão de que as empresas voltariam a investir não se confirmou, e gostaríamos de saber o motivo.”
Como destacado por André Roncaglia, professor da Unifesp, a apreciação do dólar é um fenômeno global.
Para José Luiz Oreiro, professor da UnB, o problema não é que a taxa de câmbio não tenha voltado a se apreciar, e sim o fato de ela continuar subvalorizada. Segundo Oreiro, uma série de contra tendências impediram que o processo de sobrevalorização crônica e cíclica do câmbio ocorresse.
Eliane Araújo, professora da UEM, analisou as situações históricas de depreciação de câmbio desde 2000, e como se comportaram suas variáveis, além de levantar hipóteses para a falta de apreciação da taxa de câmbio depois de 2014.
Marco Flávio da Cunha Resende, professor da UFMG, mostrou a importância da dimensão financeira na determinação da taxa de câmbio.
As exposições do painel foram encerradas por Paulo Rabello de Castro, ex-presidente do BNDES. Ele destacou o fato de que o Brasil caminha para o sexto ano consecutivo de déficit primário, com consequente expansão da dívida pública.
A mesa foi comentada por Daniela Prattes, professora da Unicamp, que falou sobre a relação entre taxa de câmbio real e nominal, e por Fabio Terra, professor da UFABC.
Terra mencionou a crise entre Rússia e Estados Unidos em 2014, a tensão na Síria em 2015, o Brexit em 2016 e a recente guerra comercial entre EUA e China como fatores complicadores para o cenário econômico.
Economia ultraliberal x política externa antiglobalista
É possível conciliar projeto econômico ultraliberal com política externa antiglobalista, como indicado pelo atual governo do Brasil? A questão foi tema da apresentação do ex-ministro Rubens Ricupero no 16º Forum de Economia da FGV.
O diplomata expôs a contradição entre a política externa hostil ao globalismo e um projeto econômico ultraliberal. Segundo Ricupero, o modelo, adotado atualmente pelo Brasil e inspirado no estilo do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, baseia-se em um sistema “unilateral, que confia no poder duro das sanções econômicas sem autorização da ONU e da ameaça de uso da força para aniquilar países”.
Para Ricupero, o posicionamento da política externa brasileira no governo de Jair Bolsonaro contraria os interesses do país, como nos casos da oposição à China, à Rússia, ao Irã e aos países árabes.
Ricupero também falou sobre as consequências comerciais desencadeadas pelas queimadas na Amazônia.
“Iniciativas de boicotes de produtos brasileiros estão sendo tomadas por supermercados, e fundos de pensão reexaminam investimentos no país.” Para o diplomata, “ainda que essas ações não se disseminem, a antidemocracia do governo está prestes a converter o Brasil de Bolsonaro num pária internacional”.
O professor da FGV Guilherme Casarões destacou que a atual política, de fato, se opõe aos princípios básicos praticados pelo Itamaraty no último século.
Ele avaliou que o grupo mais próximo ao presidente do Brasil é o mais reacionário e ultraconservador. “Nesse sentido, a política externa tem função eleitoral”, alertou.
Crise e paralisação dos investimentos privados
O último painel do evento na FGV foi dedicado a debater a crise financeira e a paralisação dos investimentos que o Brasil enfrenta desde 2014. Os expositores defenderam a importância dos investimentos públicos em infraestrutura como caminho para a recuperação da economia.
Segundo André Clark, CEO da Siemens, economistas e empresários começam a perceber no Brasil que sem Estado não há capitalismo.
“Infraestrutura é, antes de tudo, investimento, e nessa jornada o Estado certamente tem um papel elevado”, disse ele.
Vilma da Conceição Pinto, pesquisadora do Ibre-FGV, chamou atenção para o fato de o Brasil caminhar para o sexto ano consecutivo de déficit fiscal, com expansão das dívidas bruta e líquida, mesmo em um cenário de ajuste fiscal.
Segundo a especialista, o impacto do ajuste fiscal aparece nos investimentos públicos, com o país “no menor nível de investimento do setor público desde 1947 em porcentagem do PIB”.
O ex-presidente do BNDES André Lara Resende defendeu que a importância do equilíbrio fiscal, mas não a qualquer custo. “É a moeda quem cria o mercado”, destacou.
Fábio de Freitas, professor da UFRJ, por sua vez, ponderou que a imposição da regra do teto pela emenda constitucional dos gastos públicos gera um limite político à recuperação da economia.
“Sem uma política fiscal expansionista será muito difícil a economia brasileira sair do estado de semi-estagnação em que se encontra”, afirmou Freitas. A perda de bem-estar da sociedade é um dos impactos permanentes da retomada lenta, segundo o pesquisador do Ibre-FGV Manoel Pires.
Participaram também da mesa Gabriel Galípolo, presidente do Banco Fator, Igor Rocha, diretor da ABDIB, e Marco Antônio Lima, secretário-executivo da ABDE.
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