O Primeiro de Maio se aproxima e celebra os trabalhadores ao redor do mundo. Num paradoxo profundamente triste, entretanto, o mercado de trabalho sofre com a crise provocada pela COVID-19 desde 2020. O desemprego cresceu e a renda diminuiu na realidade do distanciamento social e da quarentena. O Brasil não foi diferente, impondo-se a infeliz colocação de líder nos números da tragédia.
A gestão brasileira da crise pandêmica – e das suas consequências socioeconômicas – está notadamente dentre as mais desqualificadas. A crise da saúde pública ficou escancarada e, em paralelo, a economia e a sociedade implodem. Os trabalhadores sofrem com as ondas de demissões decorrentes da redução da atividade econômica.
A taxa de desocupação brasileira bateu seu recorde desde 2012 no terceiro trimestre do ano passado e alcançou terríveis 14.6. Sua última medição (no final de 2020 e começo de 2021) deu um pequeno alento, ficando em 14.2. De acordo com o Banco Mundial, esse número está entre os piores da América do Sul e dos BRICs (o conjunto de países “emergentes”) e corresponde a quase 14 milhões de brasileiros e brasileiras desempregados.
A falta de um planejamento bem estruturado no combate ao desemprego pelo atual governo somente deteriora a situação. Uma das poucas atitudes tomadas foi a criação do Benefício Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda – BEm. Instaurado em julho de 2020, o benefício é destinado a trabalhadores que, durante o período da pandemia, firmaram acordos de suspensão do contrato trabalhista ou de redução da carga horária laboral e da remuneração com seus empregadores. Essa abordagem de reposição salarial para os trabalhadores afetados pela crise foi sustentada em muitos países além do Brasil. Outros, diferentemente, optaram por políticas de retenção do emprego, fornecendo subsídios salariais e determinando restrições no processo de demissão.

Foto: Marcello Casal / Agência Brasil
Ambas as estratégias se mostram efetivas para diferentes objetivos, de acordo com o “World Economic Forum”. A reposição salarial afeta o curto prazo, promovendo a realocação dos trabalhadores entre os setores e os atraindo para os que sobrevivem melhor à crise. Já as políticas de retenção do emprego criam uma estabilidade do vínculo trabalhista mantida pelo subsídio. Fazem sentido num cenário de recuperação, dado que o empregador não precisará recorrer a novas contratações, mas não são sustentáveis caso a crise persista, pois o subsídio é finito.
É difícil determinar qual abordagem é a mais correta, não há uma concordância universal de que algum desses mecanismos funcione para todos os países em qualquer situação. Entretanto, nenhum deles combate efetivamente a desocupação sem políticas proativas de criação de empregos e possibilidades para os grupos mais vulneráveis de trabalhadores, muito importantes para o longo prazo.
Essas políticas dependem de algo muito necessário e pragmático, mas que também vem sendo posto de lado pelo atual governo brasileiro: dados e pesquisas. O Orçamento para 2021 foi recentemente sancionado pelo Presidente da República e nele se confirmou a impossibilidade financeira de realizar o Censo demográfico.
Esse importante evento, realizado a cada 10 anos, deveria ter ocorrido ano passado, mas foi impedido pela pandemia. Foi postergado para 2021, mas, com o corte instaurado pelo planejamento orçamentário, ficou temporariamente suspenso, sem previsão para ocorrer.
Anteriormente, previam-se 2 bilhões de reais para a realização do Censo, mas, já nas tramitações no Congresso, esse valor caiu para R$ 71 milhões e inviabilizou a própria contratação de recenseadores. A situação se agravou de tal forma que o Ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal, deferiu liminar “para determinar a adoção de medidas voltadas à realização do censo”, em clara demonstração da preocupação do Poder Judiciário com a essencialidade do trabalho do IBGE.
O censo demográfico é a única forma de se traçar com clareza e objetividade um perfil socioeconômico brasileiro, necessário para o desenho e manutenção de diversas políticas públicas. Outras pesquisas, como a PNAD contínua, apesar de muito relevantes, trabalham com amostras populacionais que formam um retrato nacional incompleto.
O levantamento censitário, sendo uma pesquisa domiciliar, engloba todos os municípios de todas as regiões e estabelece, dentre outras coisas, o rendimento médio e a situação trabalhista das mais diversas comunidades do país. Seria impossível compreender a extensão da crise do emprego e quais são os grupos mais vulneráveis a ela sem esses dados, o que minaria toda a formulação de ações de combate à desocupação nos próximos tempos.
Sem planejamento, dados ou pesquisas, mesmo com a pandemia controlada, a crise do emprego não vai desaparecer tão rápido. São necessárias ações governamentais determinantes para o combate à desocupação tanto no curto quanto no longo prazo, e, para o último, é imprescindível delinear os perfis laborais mais abalados durante a crise.
Novamente, é a ciência que tem o poder de salvar o Brasil e o governo parece fechar os olhos para tal fato, num ato de irresponsabilidade e desconsideração descomunais que transferem a sensatez para o controle do Judiciário sobre as omissões do Executivo.
Para 2021, a esperança esvaece, mas que o Dia Mundial do Trabalhador de 2022 possa ser realmente comemorado, com pelo menos alguma certeza sobre a realidade social e econômica brasileira.
Os artigos de autoria dos colunistas não representam necessariamente a opinião do IREE.
Loreta Guerra
É graduanda em Economia na Escola de Economia de São Paulo (EESP) da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e em Ciências Sociais na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP. Participou em 2020 de um estudo sobre os impactos da Lei Maria da Penha com o grupo de Jurimetria da USP e é redatora da revista estudantil da FGV Gazeta Vargas desde 2019.
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