Os meses de outubro e novembro de 2021 marcam positivamente a história pandêmica que o Brasil vem construindo desde 2020. Com a vacinação em alta, alguns Estados começaram a liberar algo que, no mesmo período do ano passado, ninguém imaginava voltar a presenciar tão cedo: grandes eventos. Desde setembro, jogos de futebol em estádio já aconteciam com restrições de lotação e distanciamento, dentre outras. Em outubro, inovando no aspecto das liberações, o prefeito do RJ Eduardo Paes permitiu a realização de eventos-teste pequenos sem uso obrigatório de máscara. Já no começo de novembro, Interlagos recebeu mais de 150 mil pessoas para o GP São Paulo da Fórmula 1. Com protocolos de segurança, controle por parte das autoridades e, acima de tudo, com ciência, os eventos progressivamente voltam a ocorrer. Seu impacto não é só de animar o dia a dia do brasileiro isolado há tanto tempo, mas também aquecer um setor que perdeu muito na quarentena, retomando empregos e renda para milhares de famílias e estimulando a economia como um todo.
O cotidiano brasileiro sofreu demasiado com as restrições impostas pelas autoridades de saúde no plano de contenção da Covid-19. Não há dúvidas sobre a sua necessidade no contexto pandêmico. No mundo inteiro observamos as curvas de infecção e morte pela doença desacelerando drasticamente a partir da tomada das medidas de distanciamento social. Apesar da brilhante atuação no campo da saúde, contudo, a quarentena dificultou a sobrevivência dos setores que envolvem contato humano. Alguns tentaram se adaptar ao contexto e obtiveram relativo sucesso com os recursos que dispunham, como a educação via EAD ou o comércio online. O setor de eventos, contudo, contraria o cerne das políticas de combate à pandemia, pois se baseia exatamente naquilo que o mundo virtual não consegue suprir: relacionamentos presenciais. Assim, esse segmento, bem como todos os seus trabalhadores, foram alguns dos mais atingidos.
Em 2013 o Dimensionamento Econômico da Indústria de Eventos no Brasil registrou que o setor de eventos representava cerca de 4,3% do PIB brasileiro. Com estimativas de um crescimento médio anual de 6,5% ao ano até 2019, podemos dizer que sempre foi muito significativo para a economia brasileira até, é claro, a pandemia [3]. No ano passado, esse segmento acumulou um prejuízo de aproximadamente 270 bilhões de reais além da perda de 3 milhões de empregos. Seu adoecimento não gerou perdas somente para os agentes envolvidos diretamente com os serviços e produtos, nem foi sentido por nós meramente no enfado de “ter que ficar em casa”, mas impactou a geração de riqueza nacional. A situação piorou tanto que, em julho de 2021, o Governo Federal lançou o Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse). Com adesão aberta até dezembro de 2021, está baseado na negociação de dívidas ativas com a União por parte das pessoas jurídicas que exercem atividades ligadas ao setor, contando com redução e parcelamento dos débitos conforme a capacidade de pagamento do beneficiário.
Amenizar essas dificuldades é o desafio real do momento. Exemplo espetacular é a Fórmula 1 em São Paulo: não só foi um marco repleto de publicações felizes nas redes sociais comemorando o resgate da “vida normal”, como também levantou cerca de R$ 810 milhões e gerou aproximadamente 8,5 mil empregos temporários. Os eventos são também rentáveis na movimentação de outros setores, como comércio, hotelaria e turismo, ao atrair um grande público consumidor ao local do acontecimento. É claro que, no contexto atual, apesar dos benefícios trazidos pela retomada dos eventos, existem custos que nunca foram tão significativos. Os protocolos de saúde ainda precisam ser respeitados, pois a pandemia não acabou e o perigo de uma nova onda é real. Defender a recuperação desse segmento, logo, deve acompanhar uma minuciosa avaliação do modo como ela se instituirá.
Balancear as probabilidades de contágio, estabelecer critérios para a realização dos eventos e, principalmente, acompanhar cuidadosamente seus efeitos na contenção do vírus, evitando situações nas quais a propagação seja potencializada, nunca foram medidas tão importantes. No dia 22/11, após um balanço das repercussões positivas e negativas, 72 cidades do interior de São Paulo anunciaram o cancelamento do carnaval de rua em 2022. Reconhecendo a importância da cautela nesse momento, a própria Associação Brasileira dos Promotores de Eventos (Abrape) construiu uma ferramenta online que pode ser utilizada para avaliar a segurança do retorno dos eventos. O “Radar de Eventos do Brasil” conta com informações atualizadas sobre a vacinação, casos e óbitos em todo o país, bem como relata as medidas econômicas tomadas por cada Estado em apoio ao setor de eventos. Ademais, faz previsões sobre a data ideal de retorno de cada evento e explora possíveis critérios de segurança, com o objetivo de auxiliar governadores e prefeitos a decidirem sobre o futuro de suas iniciativas.
É estranho pensar que depois de tanto tempo defendendo a segurança de ficar em casa, agora devemos começar a pensar sobre a necessidade de sair dela. A quarentena se mostrou, paradoxalmente, uma heroína e uma vilã para a realidade brasileira. O distanciamento social foi, sem sombra de dúvidas, uma medida imprescindível para o combate do Covid-19 e, sem ele, os números assustadores que assolam os jornais e redes sociais seriam exponencialmente piores. Contudo, com a vacinação, absoluta heroína que nada tem de paradoxal, não só podemos como devemos começar a pensar na “vida pós-pandêmica”, incluindo aquela que há tanto era sinônimo de pavor na mentalidade da maioria: a aglomeração. Voltar a viver fora das telas continua sendo uma questão de paz de espírito e saúde mental da população ativa, que precisa, sim, de interação e socialização para se formar. Contudo, isso também se tornou uma demanda econômica. O setor de eventos foi um dos mais prejudicados durante a pandemia e os custos desse prejuízo foram sentidos nos bolsos de milhares de famílias e na economia como um todo. Com a progressiva volta à realidade, fora do isolamento, temos a oportunidade e o dever de, com segurança e cuidado, retomar nossa necessidade social, humana e econômica de reunião ao vivo.
Os artigos de autoria dos colunistas não representam necessariamente a opinião do IREE.
Loreta Guerra
É graduanda em Economia na Escola de Economia de São Paulo (EESP) da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e em Ciências Sociais na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP. Participou em 2020 de um estudo sobre os impactos da Lei Maria da Penha com o grupo de Jurimetria da USP e é redatora da revista estudantil da FGV Gazeta Vargas desde 2019.
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