Economia brasileira em 2020: um balanço crítico – IREE

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Economia brasileira em 2020: um balanço crítico

Juliane Furno

Juliane Furno
Economista-Chefe do IREE



Findado o ano de 2020, faz-se necessário um profundo esforço de reflexão para elaboração de um balanço desse período que elevou ao paroxismo a crise econômica e sanitária brasileira. Ainda correndo de risco de uma visão parcelar – uma vez que o conjunto dos dados como o agregado do PIB ainda estão sendo calculados – vale a pena um primeiro esforço de análise não só para sistematizar e apreender os elementos pregressos senão que, sobretudo, ensejar medidas de política econômica para o futuro.

Em primeiro lugar é importante lembrar que a crise econômica brasileira não é caudatária da crise do Novo Coronavírus, somente. Diferentemente de outras economias que viviam um período de relativa normalidade, a economia brasileira ainda não havia sequer se recuperado da última grande crise de 2015/2016.

Se por um lado essa não foi a maior crise econômica – medida pela queda total do Produto Interno – ela foi, por outro lado, a recuperação mais lenta da nossa história. Desde o retorno as taxas positivas de crescimento, expressas no crescimento ao redor de 1% nos anos seguintes, a economia brasileira ainda operava em menor capacidade daquela verificada no ano de 2014, configurando um estado de semi-estagnação econômica em um nível de atividade extremamente deprimido.

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As crises econômicas, seguidas de período de relativa estagnação, são – por natureza – concentradoras de renda, na medida em que reina uma profunda incerteza que leva ao adiamento das decisões de investimento, comprometendo o nível de emprego e, por consequência, a renda.

A manutenção de uma elevada e estável taxa de desemprego, com aumento sistemático das desigualdades medidas pelo índice de Gini coroava esse processo em que não somente “o bolo não cresce”, quanto as fatias – para os mais pobres – reduzem-se cada vez mais.

Frente a esse cenário pretérito, a chegada do Novo Coronavírus fez-se deveras preocupante. O Brasil não fez uso do “benefício do atraso”. O Governo federal poderia ter se antecipado nas medidas de manutenção do emprego e da renda, sabendo da necessidade científica do isolamento social e a redução do fluxo da atividade econômica.

A forma negacionista e dicotômica com que foi tratada as consignas “salvar vidas” e “salvar a economia” nos logrou um cenário em que não salvamos nenhuma delas.

Ainda que o Banco Central do Brasil e a política monetária devam ser reconhecidas – redução da taxa básica de juros, dos spreads no crédito livre e da liberação do compulsório e linhas de crédito – a política monetária tem pouco poder de reanimar a economia em período de crise, diferentemente da política fiscal.

O Auxílio Emergencial foi, sem dúvida, a melhor política pública ensejada nesse período, e sua necessidade se faz candente pela abrangência de pessoas que o solicitaram: em torno de 65 milhões de brasileiros. Esse estímulo fiscal foi o motor que permitiu que o tombo não fosse mais dramático. O fato dos trabalhadores beneficiados terem, em geral, gasto todo o benefício em consumo, foi decisivo para as taxas mensais de recuperação do comércio e da indústria, sobretudo.

No entanto, a ausência de coordenador e a frouxidão das medidas de isolamento social nos mantém em uma situação delicada, principalmente do ponto de vista da atividade de serviços, a principal no cômputo do PIB e a maior geradora de emprego, principalmente nos setores da base da pirâmide social.

Assim, pela forma descoordenada das medidas e pela própria natureza da crise, as atividades no setor de serviços – prioritariamente as que demandam mais interação social – foram as mais impactadas. Isso vai nos deixar de herança ainda mais desigualdade social, na medida em que a destruição desses empregos afetou sobretudo os mais pobres e, dentre esses, as mulheres e os negros. As maiores contrações que foram verificadas nos “serviços pessoais”, “alojamento e alimentação”, “construção civil” e “serviços domésticos” atestam esse quadro de perda de trabalho e renda, sobretudo, dos mais pobres.

Em síntese, o saldo da crise e da ausência de medidas mais enérgicas de manutenção do emprego e da renda fica expresso na queda do nível de ocupação – ou seja, apenas 47,1% das pessoas em idade para trabalhar estão ocupadas -, na taxa de desemprego que teve um aumento de 20% e do contingente expressivo, mais de 7 milhões, de pessoas que estão fora da força de trabalho, que significa aqueles que estão desempregados, querem trabalhar, mas não procuraram emprego na semana da pesquisa.

Nível de ocupação, taxa de desocupação e pessoas fora da força de trabalho

Por fim, ainda que alguns setores como o comércio e a indústria já tenham recuperado o nível de atividade pré-crise, o fizeram poupando trabalhadores, ensejando desafios específicos para o mercado de trabalho.

População ocupada no comércio (milhares) (eixo esquerdo) x Volume do comércio (eixo direito)

 

População ocupada na indústria (milhares) (eixo esquerdo) x Produção Industrial (eixo direito)

Dessa forma, levando em consideração que os efeitos da crise do Novo Coronavírus – somado aos desafios próprios de uma economia semi-estagnada com elevação sistemática da desigualdade – ensejam a necessidade de medidas mais enérgicas, as quais não podem prescindir da atuação do Estado e da sua capacidade de endividamento e de constituição de políticas anticíclicas.

Frente a esse quadro faz-se essencial um plano de curto e médio prazo de retomada do crescimento econômico, apostando no dinamismo do mercado interno e na utilização integral da força de trabalho ociosa.



Os artigos de autoria dos colunistas não representam necessariamente a opinião do IREE.

Juliane Furno

É Economista-Chefe do IREE. Cientista social, mestre e doutora em Desenvolvimento Econômico no Instituto de Economia da Unicamp. Especialista em mercado de trabalho, desenvolvimento econômico e política industrial no setor de Petróleo e Gás.

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