Findado o ano de 2020, faz-se necessário um profundo esforço de reflexão para elaboração de um balanço desse período que elevou ao paroxismo a crise econômica e sanitária brasileira. Ainda correndo de risco de uma visão parcelar – uma vez que o conjunto dos dados como o agregado do PIB ainda estão sendo calculados – vale a pena um primeiro esforço de análise não só para sistematizar e apreender os elementos pregressos senão que, sobretudo, ensejar medidas de política econômica para o futuro.
Em primeiro lugar é importante lembrar que a crise econômica brasileira não é caudatária da crise do Novo Coronavírus, somente. Diferentemente de outras economias que viviam um período de relativa normalidade, a economia brasileira ainda não havia sequer se recuperado da última grande crise de 2015/2016.
Se por um lado essa não foi a maior crise econômica – medida pela queda total do Produto Interno – ela foi, por outro lado, a recuperação mais lenta da nossa história. Desde o retorno as taxas positivas de crescimento, expressas no crescimento ao redor de 1% nos anos seguintes, a economia brasileira ainda operava em menor capacidade daquela verificada no ano de 2014, configurando um estado de semi-estagnação econômica em um nível de atividade extremamente deprimido.
As crises econômicas, seguidas de período de relativa estagnação, são – por natureza – concentradoras de renda, na medida em que reina uma profunda incerteza que leva ao adiamento das decisões de investimento, comprometendo o nível de emprego e, por consequência, a renda.
A manutenção de uma elevada e estável taxa de desemprego, com aumento sistemático das desigualdades medidas pelo índice de Gini coroava esse processo em que não somente “o bolo não cresce”, quanto as fatias – para os mais pobres – reduzem-se cada vez mais.
Frente a esse cenário pretérito, a chegada do Novo Coronavírus fez-se deveras preocupante. O Brasil não fez uso do “benefício do atraso”. O Governo federal poderia ter se antecipado nas medidas de manutenção do emprego e da renda, sabendo da necessidade científica do isolamento social e a redução do fluxo da atividade econômica.
A forma negacionista e dicotômica com que foi tratada as consignas “salvar vidas” e “salvar a economia” nos logrou um cenário em que não salvamos nenhuma delas.
Ainda que o Banco Central do Brasil e a política monetária devam ser reconhecidas – redução da taxa básica de juros, dos spreads no crédito livre e da liberação do compulsório e linhas de crédito – a política monetária tem pouco poder de reanimar a economia em período de crise, diferentemente da política fiscal.
O Auxílio Emergencial foi, sem dúvida, a melhor política pública ensejada nesse período, e sua necessidade se faz candente pela abrangência de pessoas que o solicitaram: em torno de 65 milhões de brasileiros. Esse estímulo fiscal foi o motor que permitiu que o tombo não fosse mais dramático. O fato dos trabalhadores beneficiados terem, em geral, gasto todo o benefício em consumo, foi decisivo para as taxas mensais de recuperação do comércio e da indústria, sobretudo.
No entanto, a ausência de coordenador e a frouxidão das medidas de isolamento social nos mantém em uma situação delicada, principalmente do ponto de vista da atividade de serviços, a principal no cômputo do PIB e a maior geradora de emprego, principalmente nos setores da base da pirâmide social.
Assim, pela forma descoordenada das medidas e pela própria natureza da crise, as atividades no setor de serviços – prioritariamente as que demandam mais interação social – foram as mais impactadas. Isso vai nos deixar de herança ainda mais desigualdade social, na medida em que a destruição desses empregos afetou sobretudo os mais pobres e, dentre esses, as mulheres e os negros. As maiores contrações que foram verificadas nos “serviços pessoais”, “alojamento e alimentação”, “construção civil” e “serviços domésticos” atestam esse quadro de perda de trabalho e renda, sobretudo, dos mais pobres.
Em síntese, o saldo da crise e da ausência de medidas mais enérgicas de manutenção do emprego e da renda fica expresso na queda do nível de ocupação – ou seja, apenas 47,1% das pessoas em idade para trabalhar estão ocupadas -, na taxa de desemprego que teve um aumento de 20% e do contingente expressivo, mais de 7 milhões, de pessoas que estão fora da força de trabalho, que significa aqueles que estão desempregados, querem trabalhar, mas não procuraram emprego na semana da pesquisa.
Por fim, ainda que alguns setores como o comércio e a indústria já tenham recuperado o nível de atividade pré-crise, o fizeram poupando trabalhadores, ensejando desafios específicos para o mercado de trabalho.
Dessa forma, levando em consideração que os efeitos da crise do Novo Coronavírus – somado aos desafios próprios de uma economia semi-estagnada com elevação sistemática da desigualdade – ensejam a necessidade de medidas mais enérgicas, as quais não podem prescindir da atuação do Estado e da sua capacidade de endividamento e de constituição de políticas anticíclicas.
Frente a esse quadro faz-se essencial um plano de curto e médio prazo de retomada do crescimento econômico, apostando no dinamismo do mercado interno e na utilização integral da força de trabalho ociosa.
Os artigos de autoria dos colunistas não representam necessariamente a opinião do IREE.
Juliane Furno
É Economista-Chefe do IREE. Cientista social, mestre e doutora em Desenvolvimento Econômico no Instituto de Economia da Unicamp. Especialista em mercado de trabalho, desenvolvimento econômico e política industrial no setor de Petróleo e Gás.
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