As eleições de 2022 estão em curso. Algumas disputas que acontecem agora, na transição do doloroso e conturbado ano de 2020 para 2021, antecipam a disputa no voto pela reconstrução da democracia e do Estado Democrático de Direito, que também é contínua, mas se dará oficialmente apenas no próximo ano, nas urnas eletrônicas.
A principal dessas disputas talvez seja a eleição para o comando das duas Casas Legislativas que compõem o Congresso Nacional do Brasil – onde a bifurcação ideológica que conduz a política nacional há algum tempo obriga a escolha entre o candidato do governo Jair Bolsonaro, Arthur Lira (PP), e o candidato do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, Baleia Rossi (MDB).
A candidatura do parlamentar emedebista e o bloco amplo formado para disputar com o candidato do Governo Bolsonaro representa impor ao Palácio do Planalto a força de uma frente que envolve de setores da direita aos partidos de esquerda e que será cada vez mais necessária, para não dizer essencial, na construção de uma saída política para o Brasil – que, ao meu ver, só existirá de forma negociada.
Falamos aqui, portanto, de uma disputa que terá influência decisiva sobre a correlação de forças e a conjuntura vigente na próxima disputa eleitoral. Derrotar o autoritarismo, a incompetência de gestão, os delírios da ala ideológica do bolsonarismo e os ataques à democracia e aos direitos conquistados pelo povo e instituições brasileiros ao longo dos anos é prioridade para o próximo período.
Um dos condutores do golpe de 2016, que tirou ilegalmente do poder a presidenta Dilma Rousseff, Baleia Rossi não pode ser empecilho para esse objetivo. Trata-se, ele, de apenas uma peça do jogo de xadrez que envolve interesses maiores. No meio do caminho, também elemento que influenciará no pleito de 2022, estará, por exemplo, as discussões sobre o Teto de Gastos.
O mesmo limite de gastos que foi implementado por meio de PEC incensada pelo mercado financeiro, pelos operadores econômicos nacionais e por uma elite e intelectualidade de direita, mas que agora interessa ao bolsonarismo descumprir ou revogar por interesses eleitorais disfarçados de interesses populares – manter o auxílio emergencial conquistado com luta pela esquerda durante a pandemia é um deles.
Cabe à esquerda liderar o processo de discussões parlamentares e a construção da política que girará no entorno dessas disputas. Para fazê-lo, é indispensável entender a importância de uma aliança ampla com setores que em outros momentos estiveram do outro lado e que ideologicamente não estão no mesmo campo progressista. Isso não significa jogar fora as posições de enfrentamento.
Muito ao contrário, é preciso não arrefecer a luta por um país profundamente democrático, menos desigual, por uma política econômica inclusiva e por uma gestão que tenha como centralidade o combate às complexas desigualdades sociais.
Entender a importância da aliança parlamentar que derrotará o bolsonarismo tampouco significa que automaticamente os progressistas estarão eleitoralmente ao lado dessa mesma frente ampla do Congresso Nacional – embora alguns defendam que a composição parlamentar se estenda para as urnas, o que poderá ocorrer ou não.
Somente será possível chegar a 2022 com uma conjuntura favorável para a eleição de um candidato de esquerda ou centro-esquerda e para a derrota da extrema direita caso o campo democrático e popular consiga compreender as complexidades conjunturais e a importância de construir tática e estratégia – mesmo que pareçam contraditórias – para avançar nas disputas sociais.
A invasão do Capitólio por militantes da extrema direita trumpista nos coloca ainda mais em alerta para os efeitos colaterais que poderemos ter em um futuro próximo fruto do bolsonarismo. O presidente da República do Brasil também não faz questão de esconder sua sanha golpista ao comentar o episódio, que gerou até a morte de pessoas nos Estados Unidos.
É contra isso, penso, que devemos lutar de forma concentrada, e não contra a política e, menos ainda, contra o fazer político que pode nos ajudar no processo de emersão de um buraco em que se enfiou a política e a democracia brasileiras.
Os artigos de autoria dos colunistas não representam necessariamente a opinião do IREE.
Yuri Silva
É Diretor de Políticas de Combate e Superação do Racismo, no Ministério da Igualdade Racial. Foi Coordenador de Direitos Humanos do IREE. Jornalista formado pelo Centro Universitário Jorge Amado, é coordenador nacional licenciado do Coletivo de Entidades Negras (CEN), editor-chefe do portal Mídia 4P – Carta Capital, e consultor na área de comunicação, política e eleições. Colaborou com veículos como o jornal Estadão, o site The Intercept Brasil, a revista Piauí e jornal A Tarde, de Salvador. Especializou-se na cobertura dos poderes Executivo e Legislativo e em pautas relacionadas à questão racial na sociedade de forma geral e na política. É Membro do Diretório Estadual do PSOL de São Paulo.
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