Enquanto escrevo esse texto, o Brasil já conquistou oito medalhas olímpicas em várias modalidades. E parece certo que outras virão. A transmissão das Olimpíadas, mesmo ocorrendo do fim da noite até o meio da manhã, tem entusiasmado brasileiros e brasileiras de todas as idades. Conquistas como as de Rayssa Leal, no skate, Ítalo Ferreira, no surf, ou Rebeca Andrade, na ginástica artística, emocionam e revelam histórias de vida de superação.
Imaginemos agora se, no lugar de uma tampa de isopor, outros Ítalos pudessem ter o apoio necessário para frequentar uma escola de surf e usar uma prancha adequada para desenvolver suas habilidades. Imaginemos se nossas ginastas não tivessem que conviver com o racismo e o machismo que marcam esse esporte. Imaginemos que o investimento do Estado fosse suficiente para que todo jovem pudesse explorar suas potencialidades esportivas e realizar seus sonhos olímpicos… Infelizmente, não é o que temos visto.
Dados obtidos através da Lei de Acesso à Informação (LAI) pelo jornal Estado de São Paulo revelam uma redução de 17% no orçamento federal para o esporte durante o último ciclo olímpico (2017/2021). Em 2020, o governo Bolsonaro não lançou edital para seleção de novos atletas para o programa Bolsa Atleta, justificando a medida com os gastos com a pandemia de Covid-19. O programa é responsável pelo financiamento de 80% dos competidores olímpicos brasileiros.
Segundo matéria do jornal Brasil de Fato, o Bolsa Atleta está há 10 anos sem reajuste nos benefícios pagos. Os atletas das categorias estudantil e de base, por exemplo, antes compravam ao menos uma cesta básica e pagavam o transporte do mês com os R$ 370 oferecidos pelo governo. Hoje esse valor não paga nem meia cesta básica em São Paulo.

Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil
Não chega a ser surpresa o descaso do governo Bolsonaro com as políticas de amparo ao esporte. Afinal, a extinção do Ministério dos Esportes, criado em 1995, foi uma das primeiras medidas do atual presidente. No lugar do ministério, foi criada uma Secretaria que já teve três titulares diferentes desde o início do governo.
Durante a pandemia, quando muitos atletas tiveram suas atividades interrompidas, foi proposto um Projeto de Lei para garantir um Auxílio Emergencial no valor de R$ 600 para atletas que estivessem vulneráveis. Algo semelhante à Lei Aldir Blanc, que ajudou pessoas do setor da cultura a sobreviverem enquanto os espetáculos não podem retornar. Aprovado pelo Legislativo, o PL foi vetado por Jair Bolsonaro, deixando milhares de atletas à própria sorte.
Enquanto os últimos governos atuaram para enfraquecer todas as políticas nas áreas sociais, incluindo o esporte, uma geração inteira de jovens perdeu a oportunidade de desenvolver suas habilidades esportivas e trazer alegrias para si e para o Brasil. Quantas Rebecas, Rayssas, Ítalos, Mayra ficaram para trás? Impossível saber. Mas o prejuízo é irreversível.
Para enfrentar essa situação seria preciso ampliar imediatamente os investimentos nos programas de apoio aos atletas. Também seria necessário olhar com mais responsabilidade para o papel do esporte nas escolas. Hoje, 64% das instituições de ensino básico não contam com uma quadra poliesportiva.
Além disso, seria necessário uma política específica para o incentivo da participação feminina nas diferentes modalidades esportivas. Embora nas Olimpíadas de Tóquio as mulheres sejam 49% do total de atletas, elas costumam conviver com maiores dificuldades financeiras que os homens. Segundo dados da pesquisa “A Prática de Esportes no Brasil”, 34,8% das jovens atletas abandonam o esporte até os 15 anos. Entre os meninos, no entanto, esse percentual é de apenas 19,3%.
Como podemos concluir, reconstruir o Brasil vai muito além de garantir a retomada dos empregos, o crescimento econômico, a volta dos investimentos em saúde e educação. Vai muito além de rever as maldades promovidas contra os mais pobres nos últimos anos. Precisaremos reconstruir e impulsionar uma série de políticas públicas, dentre elas, aquelas voltadas ao esporte, para que o Brasil continue sorrindo com os feitos dos nossos atletas nas Olimpíadas que virão.
Os artigos de autoria dos colunistas não representam necessariamente a opinião do IREE.
Juliano Medeiros
Historiador, mestre em História e doutor em Ciência Política pela Universidade de Brasília. Foi Diretor-Presidente da Fundação Lauro Campos (2016/2017) e desde 2018 é Presidente nacional do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL). É autor e co-organizador dos livros "Um partido necessário: 10 anos do PSOL" (FLC, 2015) e "Cinco Mil Dias: o Brasil na era do lulismo (Boitempo, 2017).
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