Quando falamos em segurança pública, normalmente o primeiro pensamento que passa pela nossa cabeça é o fato de nos sentirmos inseguros. E não é para menos. Hoje, no Brasil, temos uma taxa de 27,5 homicídios para cada 100 mil habitantes, ou seja, só em 2018, mais de 57 mil pessoas foram vítimas de mortes intencionais violentas em nosso País.
Essa taxa, contudo, é a média registrada no País. Oscilamos de taxas de 9,5 mortes a cada 100 mil habitantes em São Paulo, para 66,6 em Roraima. Temos, em um país de dimensões continentais como o nosso, taxas de homicídio equivalentes às dinamarquesas e às de países em guerra civil, tudo ao mesmo tempo.
Ultimamente temos visto uma queda no número de homicídios no Brasil. De janeiro a setembro de 2018 tivemos um total de 39.527 mortes, enquanto no mesmo período de 2019, o número foi de 30.864, uma queda de 22%. Ainda que a taxa continue muito alta, paradoxalmente, temos o que comemorar: menos pessoas morreram no nosso país em 2019.
Essa queda no número de homicídios ainda não pode ser explicada na sua integralidade. Os especialistas têm indicado que ela ocorre a partir de políticas integradas de segurança pública estaduais e municipais, e também em razão da alteração nas dinâmicas dos grupos criminais organizados.
Ocorre que, ao falarmos de homicídios, tratamos de uma realidade muito desigual. Nem todas as pessoas são afetadas por esse fenômeno da mesma forma. Para explicar isso, escolho olhar para o estado de São Paulo, onde essa mudança de realidade ocorre há mais tempo.
São Paulo tem conseguido reduzir a taxa de homicídios da população em geral. De 2008 a 2017, a taxa de homicídios por 100 mil habitantes caiu de 15,3 para 10,6 – sendo, inclusive, a menor do País. Nesse mesmo período, entretanto, a taxa de homicídios de adolescentes de 15 a 19 anos por 100 mil habitantes oscilou de 19,1 para 19,6. Isso significa dizer que mais de 6.800 adolescentes entre 15 e 19 anos foram vítimas de homicídios entre 2008 a 2017. E, apenas no ano de 2017, 623 adolescentes e jovens de 15 a 19 anos foram assassinados no estado.
Hoje, no estado de São Paulo, adolescentes correm mais risco de serem assassinados do que adultos em uma probabilidade 85% maior. Ainda que a maior parte das mortes, em número absoluto, seja de jovens entre 20 e 29 anos, as taxas de homicídios nessa faixa etária caíram mais de 36% entre 2008 e 2017.
Entre os adolescentes, contudo, não caiu, e desde 2015 a taxa de homicídios de adolescentes de 15 a 19 anos é maior do que a taxa de homicídios de jovens entre 20 e 29 anos (dados compilados a partir da Fundação SEADE e do DATASUS).
Ainda entre os adolescentes e jovens, o risco de ser assassinado aumenta entre os adolescentes pretos e pardos. A taxa de homicídios de adolescentes negros era de 23,5 mortes por 100 mil, enquanto a taxa de homicídios de adolescentes brancos era de 13,4 mortes por 100 mil. Isso significa que a probabilidade de um adolescente negro ser vítima de homicídio era 75% maior do que a de um adolescente branco em 2017.
Mesmo que comemorando pequenas vitórias no combate às mortes violentas no nosso país, é necessário um esforço conjunto para a criação de políticas intersetoriais de prevenção aos homicídios, especialmente voltada aos adolescentes e jovens e, principalmente, aos jovens e adolescentes pretos e pardos.
Mas, para criar políticas públicas efetivas é necessário diagnosticar, estudar e, acima de tudo, entender o que tem ocorrido para que essa população específica seja vitimada dessa forma.
Nesse contexto, propostas oportunistas e frases de impacto comumente proferidas, do Congresso Nacional à padaria da esquina de casa, não contribuem em nada para mudar a realidade violenta. Ao contrário, apenas aumentam nossa sensação de insegurança e contribuem para seguirmos ignorando o aniquilamento do futuro do nosso país.
Os artigos de autoria dos colunistas não representam necessariamente a opinião do IREE.
Mariana Chies
É socióloga e advogada. Pesquisadora de pós-doutorado do Núcleo de Estudos de Violência da Universidade de São Paulo (NEV-USP), é coordenadora-chefe do Departamento de Infância e Juventude do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM).
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