Seria o fim da diplomacia de Estado convencional? – IREE

Colunistas

Seria o fim da diplomacia de Estado convencional?

Maria Antonia De’Carli

Maria Antonia De’Carli
Correspondente do IREE em Londres



Existe um conceito nos estudos de política internacional conhecido como Diplomacia de Cúpula (ou Diplomacia Presidencial) – esse conceito é aplicado num contexto onde o Líder de Estado (Presidente) de um determinado país (Estado) resolve fazer “diplomacia com as próprias mãos”. Em tese, nos conceitos clássicos da diplomacia, o responsável por garantir as relações exteriores de um determinado Estado é o seu corpo diplomático – no caso do Brasil, esse corpo é o Itamaraty.

Nessa última semana, vimos a aplicação da teoria na prática de uma maneira extraordinária. E mesmo os que não estão familiarizados com esse contexto dificilmente conseguirão esquecê-lo.

Os presidentes dos dois países mais poderosos do mundo (sim, a Guerra Fria não acabou) – Rússia e Estados Unidos – apertaram as mãos e discutiram assuntos que acima de tudo abalaram as instituições políticas americanas e colocaram em cheque a estrutura de segurança eleitoral do país. Trump fez comentários que desmoralizaram a força policial mais importante dos Estados Unidos, e quiçá do mundo, o FBI. Ele ainda alfinetou a União Europeia, e exaltou a inocência de um líder estrangeiro no que se diz referente as interferências nas eleições americanas de 2016.

Realmente, Trump é a prova de que não se dá para fazer justiça (ops, diplomacia) com as próprias mãos.

Em linhas gerais, quando um presidente decide tomar a frente dos assuntos diplomáticos do seu país, o resultado quase sempre é desastroso. Por aqui, durante um período da história democrática brasileira, a diplomacia de Cúpula pareceu ser a regra de conduta diplomática. O auge desse período foi ilustrado pelo aperto de mão entre Lula e o presidente Ahmadinejad (na época presidente do Irã, com posições bastante radicais contra os Direitos Humanos) – um evento que muitos apontam como desmoralizante para o corpo diplomático brasileiro.

A grande questão aqui parece ser: até onde e quando o corpo diplomático de um país possui autonomia em relação ao governo que serve?

Num mundo cada vez mais multilateral – onde órgãos independentes como empresas e organizações internacionais possuem mais autonomia – os tradicionais corpos diplomáticos parecem estar entrando no ostracismo e perdendo parte do destaque que tinham na época do nosso ilustre Barão do Rio Branco, cuja a principal função era garantir a soberania das nossas fronteiras e incorporar novos territórios.

Pois bem, chego a um ponto de reflexão onde me pergunto – onde estão os corpos diplomáticos durante crises como Trump/Putin para garantir o resguardo das instituições dos países aos quais eles servem? Seriam eles ainda necessários para a garantia das boas relações de conduta entre os países?

O Itamaraty, infelizmente, parece se enquadrar no cenário de coadjuvante diplomático. Somos apontados como um dos serviços mais respeitados do mundo, porém, desde os governos Dilma e agora Temer, os nossos diplomatas estão sem espaço e apoio para atuarem mundo afora defendendo os interesses políticos e comerciais brasileiros. O Itamaraty é engessado pela burocracia e isso atrapalha a desenvoltura de um corpo diplomático mais independenete e pró-ativo. O Brasil está em recessão econômica e crise existencial, não existe uma estratégia politica consistente e muito menos internacional. Isso impacta diretamente o Itamaraty, que também viu seus fundos serem cortados pela metade desde 2011.

O conceito de diplomacia clássico está em crise, porém, não podemos esquecer que a base para o mundo global que vivemos veio de diplomatas esforçados que atuavam em prol da soberania de seus países garantindo a legitimidade de seus governantes – é importante lembrar e enfatizar que para um país se consagrar como potência mundial ele precisa de um corpo diplomático estruturado, profissional e com certa autonomia para poder dizer não a politicas tolas e bobas que ridicularizam suas composições políticas.



Os artigos de autoria dos colunistas não representam necessariamente a opinião do IREE.

Maria Antonia De’Carli

Leia também