Confira aqui a análise sobre Política Monetária e Política Fiscal produzida pelo Centro de Estudos de Economia do IREE, na edição semanal do Boletim Econômico de fevereiro de 2022!
Política Monetária
Em janeiro de 2022, o IPCA subiu em 0,54%, desacelerando se comparado ao resultado de 0,73% observado em dezembro de 2021. Porém, se levarmos em conta que o resultado de agora foi o pior para o mês de janeiro desde 2016, temos que a inflação acumulada em 12 meses subiu na margem de 10,06% para 10,38%. Dentre os nove grupos que compõem a pesquisa, o grupo de maior impacto foi o de “Alimentação e Bebidas”, tendo crescido em 1,1% e impactando o índice geral em 0,23%.
Ao mesmo tempo, o indicador de inflação por faixas de renda calculado pelo Ipea aponta para uma desaceleração da inflação para todas as faixas, mas com impacto menor sobre os grupos de renda mais baixa. Neste sentido é interessante observar que dado que o índice geral cresceu em 0,54%, dos seis grupos de faixa de renda que compõem o indicador do Ipea, as três faixas de renda mais baixas foram impactadas pela inflação com valores acima dos observados no índice geral, o que indica um maior aperto no orçamento familiar para as famílias que já possuem baixa margem de manobra frente às intempéries econômicas.
No acumulado de 12 meses, as faixas de renda muito baixa e baixa sofreram o impacto de 10,54%, enquanto que para as faixas de renda média alta e alta a inflação foi de 9,94% e 9,6%, respectivamente. Já para as faixas de renda média baixa e média, a inflação acumulada em 12 meses foi de 10,78% e 10,55%. No gráfico 1, podemos observar, por um lado, uma desaceleração quando comparados os resultados em janeiro aos resultados em dezembro e novembro passados e, por outro, os resultados de janeiro de 2022 estão acima das médias para o mês calculadas desde 2016 para todas as faixas de renda, exceto a faixa de renda alta.
Gráfico 1: Indicador de Inflação por faixas de Renda – Ipea.
Fonte: IpeaData. Elaboração: CEE/IREE
Outrossim, as perspectivas que a política monetária apresenta para a atividade econômica não são boas. No início do mês corrente, ocorreu a 244ª Reunião do Copom. O comitê, para além de decidir por nova alta de 1,5%, levando a taxa básica de juros ao nível de 10,75% ao ano, fez importantes sinalizações no sentido de que o aperto monetário, isto é, a elevação dos juros, deverá ser maior do que o que era antes esperado.
Segundo a ata da reunião, em meio a um cenário básico em que a conjuntura externa aponta para maiores dificuldades, em particular com a possível elevação dos juros norteamericanos; em que “a inflação ao consumidor segue elevada, com alta disseminada entre vários componentes (…)” e em que “as diversas medidas de inflação subjacente apresentam-se acima do intervalo compatível com a meta para a inflação”, bem como com a avaliação pelo comitê de que os riscos altistas para a inflação sinalizam um peso maior sobretudo a partir “da incerteza em relação ao futuro do arcabouço fiscal atual”, “(…) conclui-se que um novo ajuste de 1,50 ponto percentual, seguido de ajustes adicionais em ritmo menor nas próximas reuniões, é a estratégia mais adequada para atingir o aperto monetário suficiente e garantir a convergência da inflação ao longo do horizonte relevante (…), ou seja, como aponta a própria ata, “(…) O Copom considera que, diante do aumento de suas projeções e do risco de desancoragem das expectativas para prazos mais longos, é apropriado que o ciclo de aperto monetário avance significativamente em território contracionista”.
Assim, se por um lado a sinalização de que o aperto monetário deve continuar, por outro, se aponta para uma redução da magnitude das elevações subsequentes. Segundo Livio Ribeiro, o Copom presenteou a si mesmo maiores graus de liberdade ao trocar a expressão “cumprimento da meta” por “convergência à meta” ainda na ata da reunião de Dezembro, o que pode ser interpretado como uma maior complacência com o cumprimento da meta em 2022 e, de forma semelhante, se aponta também para a possibilidade de maiores surpresas a depender da evolução do cenário geral quanto a atuação da política monetária ao longo do ano corrente. Segundo Alex Ribeiro, já era esperado pelo mercado uma sinalização da redução no ritmo dos aumentos da taxa básica, mas a ata de fevereiro ainda deixou em aberto a possibilidade de que o aperto monetário maior venha ou numa elevação do nível terminal da taxa ou ainda numa maior duração do ciclo de alta. Em pronunciamento subsequente a divulgação da ata da reunião, porém, Bruno Serra, um dos membros do Copom, clareou mais o cenário, sinalizando que o comitê buscará juros terminais mais altos ao mirar sobretudo a meta para 2023.
Em verdade, ao se raciocinar dentro do modelo com o qual se opera a política monetária no Brasil, é possível criticar a condução da política monetária a partir da ideia de que a Autoridade Monetária reduziu os juros em demasia e que agora estão sendo pagos os custos desta atitude em termos de altas de juros e inflação. Por outro lado, não é difícil observar que a atividade econômica está estagnada há um bom tempo, que o número de moradores de rua nas grandes capitais aumentou muito nos últimos anos e que a situação no mercado de trabalho e no custo de vida das famílias tem se deteriorado. Assim, a busca por alongar o período de convergência da inflação para a meta estabelecida, priorizando um horizonte mais amplo, é bem-vinda em termos de redução de custos a atividade econômica, mas aponta também para os limites da política monetária que deve focar precipuamente na estabilidade da moeda.
Se o aumento no custo de vida das pessoas pode ser autorreferenciado a complacência do BCB em combater a inflação, pode-se também apontar para o desmonte de políticas não monetárias que visavam isolar ou diminuir o grau de dependência dos preços internos aos preços internacionais. Estas políticas – sobretudo a manutenção de estoques reguladores de commodities agrícolas e uma política de preços de derivados do petróleo desatrelada aos preços internacionais – embora estejam sujeitas a críticas quanto a distorções alocativas que elas possam causar, em verdade, aumentavam o grau de autonomia da política econômica interna frente a choques externos.
Ademais, e voltando a ata de fevereiro, o aumento da margem de manobra do Copom pode ser interpretado também como um maior cuidado com a situação externa. Segundo a ata da última reunião do FOMC (o Copom dos EUA), uma alta de juros “em breve” está contratada. Os juros norteamericanos nos afetam aqui sobretudo a partir do canal cambial. Quando os juros lá sobem, mantendo-se os juros aqui inalterados, o caminho natural de capitais de curto prazo é a saída do país, o que pressiona a taxa cambial e eleva custos no país, esbarrando nos índices inflacionários. Assim, caso os juros aumentem por lá, não haverá outra solução para a política monetária aqui que não seja um aumento no grau de restrição.
Em suma, a política monetária não será, como já ficou claro ao longo de 2021, a responsável por uma retomada do crescimento econômico. A aposta para o próximo governo deverá ser feita na política fiscal, dentro de um novo arcabouço fiscal que inspire credibilidade no mercado ao mesmo tempo que permita ao governo realizar investimentos públicos que sejam capazes de gerar empregos e demanda.
Política Fiscal
Em nosso Boletim de fevereiro de 2022 sobre a Política Fiscal, vamos tratar de uma questão mais ampla que felizmente tem sido levantada no debate público brasileiro. Entre duas grandes vertentes do pensamento econômico brasileiro, desenvolvimentistas e liberais, a agenda de uma Reforma Tributária progressiva deve ser ponto de convergência, em função da construção de Estado justo e legítimo frente à sociedade. Sobre este tema, em particular, discutiremos um texto recente de Samuel Pessoa.
Em seu texto no Ibre, Samuel se utiliza de uma entrevista concedida por Rubens Ricupero à jornalista do Valor Econômico Maria Cristina Fernandes. Nesta entrevista, Ricupero afirma que enxerga o bicentenário de nossa independência como um momento dúbio em que o país está permeado por uma aura de baixa autoestima decorrente da crise econômica e da morte de mais de 600 mil brasileiros devido a pandemia da Covid-19, mas ao mesmo tempo as eleições trazem a possibilidade de que a sociedade possa votar pela mudança. Na esteira desse raciocínio, Ricupero ainda afirma que os sistemas políticos brasileiros dificilmente duram mais do que 40 anos. Segundo ele, “Não sei como vai ser, mas sei que será inevitável. É uma lição de história. Um sistema nasce, vive e morre. Só não morre quando se autorreforma. Há sistemas que têm essa capacidade. Sem querer dar a isso um caráter fetichista. Os regimes brasileiros não duram mais do que 40 anos”.
Samuel empresta de Ricupero a visão de que nossa República Nova necessita se autorreformar. Segundo Pessoa, o sistema atual deu mostras de esgarçamento do contrato social de 1988 a partir das jornadas de Junho de 2013. A tentativa de construção de um Estado de bem-estar social ao estilo europeu continental “gerou forte aumento da carga tributária e baixo crescimento da economia”. Mais além, o esgotamento da capacidade fiscal do Estado é o sinal mais claro do esgotamento de um sistema politico”. E para justificar essa visão, Pessoa cita trechos de um texto escrito por Celso Furtado no calor de 1962. Vale a pena reproduzirmos o trecho citado inteiro:
Nada de concreto, no entanto, foi realizado nessa direção. Surgiu, assim, essa óbvia contradição que vivemos nos dias de hoje: exige a opinião pública do Estado o desempenho de importantes funções ligadas ao desenvolvimento econômico e social do país, mas através de seus representantes, no Parlamento, essa mesma opinião pública nega os meios de que necessita o Estado para cumprir tal missão. A consequência prática, conhecemo-la todos: são os déficits do setor público e o seu financiamento com simples emissões de papel moeda.
O fato de que o Parlamento não capacite a administração para coletar os impostos de que necessita e ao mesmo tempo amplie todos os dias os gastos do governo em funções do desenvolvimento, traduz claramente a grande contradição que existe presentemente na vida política nacional.¹
E mais a frente:
Por outro lado, na ausência de uma política consciente que preservasse à ação do Estado o seu caráter social, improvisou-se, em nome do desenvolvimento, uma estrutura de subsídios que muitas vezes premiou de preferência os investimentos supérfluos, ou aqueles que vinham a permitir, dada a sua tendência monopolista, uma concentração ainda maior da riqueza em mãos de grupos privilegiados. Através de simples doações de capital, os subsídios cambiais e creditícios transferiram para umas poucas mãos grandes riquezas sociais.2
Samuel conclui da seguinte forma:
O caminho adotado pela sociedade e pelos políticos no atual esgotamento do sistema não está claro. Oxalá a história seja diferente e, sem rupturas políticas, o sistema consiga se reformar. Se o próximo presidente conseguir arbitrar um ajuste fiscal e se, em alguns anos, conseguirmos construir um superávit primário estrutural de 2-2,5% do PIB, com inflação na meta, será sinal de que avançamos, mais do que hoje se imagina, aos dois séculos de história independente.
Celso Furtado, um grande economista brasileiro, pode ser considerado um dos poucos em nossa profissão que encontrou o equilíbrio necessário tanto por enxergar as insuficiências do mercado e do sistema de preços do capitalismo subdesenvolvido brasileiro, sistema diferente daqueles que servem de base para os modelos econômicos produzidos em países desenvolvidos, quanto por sublinhar os mecanismos perversos que a estrutura política, social e econômica geram em termos de concentração de renda, dos quais, um deles, o patrimonialismo.
Há um grande mal-estar entre a intelectualidade brasileira, em especial entre os economistas. Nossa profissão parece dividida por um muro que separa dois núcleos duros irreconciliáveis. Por um lado, a tradição desenvolvimentista que encontrou em Furtado seu maior expoente, mira com desconfiança qualquer discurso que não dê o devido espaço à atuação estatal como indutor do desenvolvimento. Por outro, a tradição liberal enxerga com desconfiança igual ou maior qualquer tentativa de atuação estatal que não parta da ontologia de que o “mercado” é sempre eficiente.
A tradição liberal no pensamento econômico brasileiro sublinha o colosso estatal dos tempos do desenvolvimentismo, foca sua crítica nas distorções patrimonialistas geradas no bojo da cena política brasileira, reivindica maior integração econômica aos mercados internacionais e clama pela primazia do setor privado que através do sistema de preços deve liderar o processo alocativo do crescimento.
Assim, tem-se uma diferença fundamental entre estes dois campos. Para uns, o sistema de preços e o setor privado tem limites claros dada a situação subdesenvolvida. Para outros, é o patrimonialismo, a herança portuguesa, o excesso de burocracia, a intervenção estatal e, mais recentemente, a má qualidade da educação, os culpados pela debacle econômica brasileira. E no pano de fundo dessa questão desde os anos 1990 está o desmonte do Estado desenvolvimentista e a construção de um Estado liberal.
Agora, lançamos mão de um outro texto recente também publicado no blog do Ibre para apresentarmos nosso ponto: Alexandre Manoel defende também, como Samuel, que o grande desafio brasileiro é a geração de superávits primários e a redução da dívida bruta brasileira até níveis compatíveis com pares emergentes como África do Sul e México, por exemplo. Ao analisar as propostas recentes dos presidenciáveis para a economia e, em particular, para a situação fiscal, o autor afirma que há pouco consenso em como fazer o ajuste fiscal, se pelo lado dos gastos ou da receita, com aumento de carga tributária. Mais além, Manoel aponta que nos últimos anos várias vezes foi tentado o aumento de carga tributária a partir de novos impostos ou aumento das alíquotas dos impostos vigentes, mas que em todas as oportunidades a sociedade, através do parlamento, rejeitou tais medidas. O autor aponta, então, que o caminho crível para a geração de superávits seria, pelo lado da receita, a ampliação de bases de tributação como “na exploração eficiente da loteria/jogos de aposta” ou, pelo lado dos gastos, “evitar o aumento real das [despesas] existentes”.
Ao afirmar que a sociedade através de seus representantes no Congresso rejeita a elevação da carga tributária, encontra-se o impasse atual e voltamos novamente ao trecho acima citado de Furtado:
“exige a opinião pública do Estado o desempenho de importantes funções ligadas ao desenvolvimento econômico e social do país, mas através de seus representantes, no Parlamento, essa mesma opinião pública nega os meios de que necessita o Estado para cumprir tal missão”.
Ou seja, a sociedade brasileira exige a manutenção do Estado de bem estar social, mas seus representantes não concedem ao Estado as ferramentas necessárias para tal. A legitimidade do Estado brasileiro frente a população sempre esteve prejudicada e aqui acreditamos residir a razão apontada por Ricupero para a curta duração de nossos regimes políticos. Em nossa visão, essa falta de legitimidade apenas poderá ser corrigida por uma Reforma Tributária progressiva, pelo lado das receitas. É neste ponto que os economistas devem convergir. Se por um lado, toda e qualquer forma de patrimonialismo deve ser combatida, privilégios simbólicos e pecuniários devem ser extirpados, a discussão quanto ao papel do Estado na economia e quanto ao seu tamanho podem ser ainda objeto das disputas políticas. Ao mesmo tempo, a Reforma Tributária, seja ela para manter a carga atual, seja ela para elevar a carga por alguns anos de modo a facilitar o ajuste ou ainda seja ela para elevar a capacidade de investimento do Estado deve ser feita de maneira que as parcelas da sociedade, hoje privilegiadas pelo sistema atual, paguem, como comumente se diz nos EUA, sua justa parte.
Furtado em trecho subsequente em questão escreve:
Mas, como o parlamento representa apenas uma fração da opinião pública nacional – aquela economicamente mais bem armada para vencer nas eleições, dentro do sistema eleitoral vigente, – o investimento público é financiado não com o esforço daqueles que se beneficiam dos frutos do desenvolvimento e sim com o sacrifício daqueles que não tem acesso a esses frutos.³
Não obstante o contexto em que escreve Furtado seja outro, este ainda possui paralelos com a situação atual. A última tentativa de se aprovar uma Reforma Tributária no governo atual mostrou o poder de grupos de pressão, em boa parte, defensores cínicos do liberalismo brasileiro. A autocrítica dos desenvolvimentistas têm sido pedida pela mídia e pelos adversários no debate público há algum tempo. Agora, aos liberais também deve caber a autocrítica pela agenda econômica implementada nos últimos anos. A agenda conjunta entre estas duas vertentes do pensamento econômico brasileiro deveria encontrar aderência no que tange a nossa estrutura tributária e sua progressividade necessária, pois ai reside um fator fundamental para a legitimidade do Estado. Na medida em que os grupos que possuem acesso privilegiado ao poder pagarem sua justa parte em tributos, os gastos serão melhor geridos.
Por fim, vale dizer, um Estado sem legitimidade acaba por recorrer à coerção, situação que nunca pode ser admitida por nenhum democrata.
1 FURTADO, C. A pré-revolução brasileira. Fundo de Cultura., Rio de Janeiro, 1962. páginas 42 e 43.
2 FURTADO, C. A pré-revolução brasileira. Fundo de Cultura., Rio de Janeiro, 1962. 14 e 15.
3 FURTADO, C. A pré-revolução brasileira. Fundo de Cultura., Rio de Janeiro, 1962. Página, 43
O Boletim de Política Econômica do IREE é produzido pela economista-chefe Juliane Furno e pelos assistentes de pesquisa Daniel Fogo e Lígia Toneto.
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