O fim do auxílio emergencial (AE) em 2020 é o evento econômico mais importante de 2021. Ele é o elemento central de uma política equivocada de retorno a “normalidade” defendida pelas autoridades econômicas do governo brasileiro, que incluem também o fim do programa de manutenção dos empregos formais, o retorno do teto de gastos, a retirada dos estímulos de crédito pelo Banco Central, a retomada do pagamento dos juros da dívida por parte de estados e municípios e até o provável aumento da taxa de juros.
Na contramão dos planos do governo, as primeiras informações que temos disponíveis em 2021 indicam que estamos diante de um quadro de retorno da recessão ainda no primeiro semestre. O agravamento da pandemia, que se encontra em seu pior momento, junto ao fim dos estímulos econômicos provocou um cenário que está sendo caracterizado como a “tempestade perfeita”, onde é bastante raro encontrar alguma boa notícia que desanuvie o horizonte.
Este cenário poderia ter sido evitado se o Presidente da República tivesse renovado o decreto de calamidade pública para 2021, mantendo ativo o “orçamento de guerra” aprovado em 2020 e, com isso, dando continuidade as políticas fiscais de enfrentamento a pandemia. A decisão de não prorrogar o decreto fez com que a PEC do Orçamento de Guerra perdesse efeito e os limites impostos pelas regras fiscais voltassem a ser aplicados.
Como a realidade costuma se impor ao delírio, é esperado que esse grave erro seja revertido em breve pelo Congresso Nacional. Mas as incertezas são enormes, tanto sobre o formato do auxílio, quanto sobre a maneira que ele será viabilizado dadas as regras fiscais.
Dentre as alterações legislativas necessárias para viabilizar o pagamento do auxílio emergencial em 2021, três propostas se destacam:
- Manter as atuais regras fiscais e editar créditos extraordinários (que estão fora do teto de gastos) para viabilizar o pagamento de um AE. O risco é que os créditos extraordinários só poderiam ser editados para “situações imprevisíveis”, que não é o caso da pandemia. Apesar de ser o caminho mais rápido para retomada o pagamento do AE, seria uma medida flagrantemente inconstitucional que poderia ser questionada pelo TCU e na justiça. Além disso, exigiria uma alteração na meta de resultado primário prevista na LDO.
- Aprovar uma nova PEC do Orçamento de Guerra, viabilizando não apenas o pagamento do AE, mas de outras despesas e programas relacionados a pandemia. Apesar de mais lenta que a primeira opção, ela possui a vantagem de ter mais segurança jurídica e abrir espaço para outros gastos. No entanto, o governo pretende incluir essa PEC em outras que impõe novas regras fiscais restritivas (como a PEC Emergencial e a PEC do Pacto Federativo), o que poderá prolongar as negociações e aprovação desta proposta.
- Aprovar uma PEC que altere as regras fiscais vigentes e possibilite espaço para gastos sociais fundamentais, como o AE, saúde e educação. Há propostas dessa natureza no Congresso, como é o caso da PEC 36/2020, no entanto elas sofrem resistência dos defensores da austeridade fiscal permanente, como o ministro Paulo Guedes. Uma alternativa menos estrutural seria aprovar uma PEC que afaste as regras fiscais em 2021 para efeito da contabilização do AE, deixando a discussão para mudanças nas regras fiscais para um segundo momento.
Uma vez adotada alguma das alternativas acima, resta ao governo definir o valor, a duração e o público alvo do “novo” auxílio emergencial. O caminho mais simples seria utilizar o cadastro criado para o pagamento do auxílio em 2020. No entanto, o governo dá sinais de que deseja focalizar ainda mais o benefício, sob o argumento (questionável) de que muitas pessoas já retomaram suas atividades neste período. Neste caso deverá demorar mais tempo para viabilizar o pagamento e seu impacto tenderá a ser reduzido.
Quanto ao valor e duração, tudo indica que serão três ou quatro parcelas de R$ 200 a R$ 300, apesar da oposição seguir pressionando por no mínimo seis parcelas de R$ 600, dado o atraso no plano de vacinação. O impacto econômico de três parcelas de R$ 300 reais para um público reduzido será ainda menor do que o verificado no último trimestre de 2020, quando a recuperação econômica já havia começado a arrefecer. O efeito político, de segurar a queda de popularidade do governo, tende a ser maior do que o econômico.
Já temos sólidas evidências de que o auxílio emergencial foi fundamental para evitar uma recessão ainda mais profunda em 2020, além de ter contribuído para controlar a trajetória do endividamento, distribuir/elevar a renda das famílias e reduzir a pobreza.
A demora em sua implementação e a redução de seu valor e público alvo tendem a reduzir o impacto positivo do auxílio emergencial nesse conjunto de variáveis, inclusive devido ao aumento do endividamento das famílias neste período. Se é verdade que “quem tem fome, tem pressa”, parece que Paulo Guedes está satisfeito.
Os artigos de autoria dos colunistas não representam necessariamente a opinião do IREE.
Guilherme Mello
É economista e sociólogo, com mestrado em Economia Política pela PUC-SP e doutorado em Ciências Econômicas pela Unicamp. É professor do Instituto de Economia da UNICAMP e diretor do Centro de Estudos de Conjuntura do IE/UNICAMP. Foi assessor econômico para a campanha de Fernando Haddad à Presidência da República em 2018.
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