Cronista Burro, Terceira Via e Mocinhos – IREE

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Cronista Burro, Terceira Via e Mocinhos

Ricardo Dias

Ricardo Dias
É luthier, escritor e músico



Sempre me julgaram uma pessoa razoavelmente inteligente, mas tenho sérias dúvidas. Costumo entender as coisas errado, confundo tudo…

Era criança. Uma tia e o marido estavam começando a participar de um negócio na igreja que me parecia MUITO chato, Encontro de Casais com Cristo. E ela andava tentando convencer minha mãe, para meu desgosto. Um belo dia, meus pais fora, o telefone toca. Escrevo da forma como ouvi:

-Boa noite, gostaríamos de falar com o sr Sergio (meu pai).

-Não está, quer deixar recado?

-Por favor, peça para ele entrar em contato com a Aliança de Corações.

Pronto! Minha tia tinha conseguido! Iam frequentar essas coisas chatas. Resolvi não dar o recado, até que uns dias depois meu pai me consultou a respeito. Assumo meus pepinos.

-Sim, não dei o recado!

-Mas eu podia ter um cheque devolvido por causa disso!

Gelei! Havia dinheiro envolvido, ainda por cima? Ele seguiu:

-A sorte é que a loja é perto, falaram comigo!

-Loja? Que loja?

-A Aliança Decorações, onde comprei a estante da sala!

E não foi só essa vez. Tirei fotos num estúdio (nos anos 60 era assim, a gente ia num profissional tirar foto). Depois meus pais me disseram que o fotógrafo gostou tanto das fotos que ia deixar na exposição – querendo dizer que iriam ficar na vitrine, na entrada do estúdio.

O diabo é que havia uma loja grande no Rio, um magazine, tipo Mesbla ou Mappin, chamado A Exposição. Na minha cabeça de criança confusa – e tímida! – essa carinha fofa iria estar pendurada nas lojas da marca, para desfrute de milhares de pessoas. Sofri semanas com isso, até o mal entendido ser desfeito numa, confesso, decepcionante visita fortuita à tal loja, onde expus para meus pais minhas questões. Eles estão rindo até hoje.

Isso tudo para dizer que sou lento, demoro a entender as coisas. Demorei para perceber o que de fato é Moro, por exemplo. Mas fui ajudado pelos seus asseclas, quando exibiram o powerpoint. Acabei de rever, e minha impressão não estava errada: sim, um deles dizia que o fato de não haver NENHUM documento em nome de Lula demonstrava que ele era dono do triplex. Ora, por esse raciocínio EU poderia ser dono! Asseguro que não há nenhum documento com meu nome me associando ao imóvel do Guarujá – então sou suspeito.

Igualmente no caso da Dilma. Num primeiro momento achei que estavam achando uma desculpa para se livrar dela, afinal seu governo não foi dos mais eficientes. Quando descobri que Temer não iria junto – apesar de ele próprio ter assinado, em ausências da titular, decretos que foram desculpa para derrubá-la – tive uma levíssima desconfiança de que sim, fora golpe. Como não tenho medo de me desdizer, gente que tinha me bloqueado me saudou como paladino da democracia; gente que me achava o máximo, passou a me bloquear. Me senti como o comediante Rafinha Bastos, que um dia se viu fazendo show para uma galera meio com jeito de neonazista, graças ao humor ácido dele – que é judeu. Era hora de repensar algumas coisas. Me dei conta que a maioria dos que me aplaudiam não era gente com quem gostaria de almoçar. Hora, pois, de repensar tudo.

Meu ídolo máximo, Millôr, dizia: imprensa é oposição, o resto é armazém de secos e molhados. Para quem tem menos idade, esse tipo de armazém era o comércio de bairro, do quarteirão, onde se vendia miudezas diversas. Na frase, significa que o jornalista que não é opositor tem em sua coluna um balcão – barato – de negócios. Se o profissional declara seu voto, sua filiação ideológica, ok, é algo honesto. Mas tem a obrigação de primeiro ser crítico, não aceitar o que vier. Digo isso tudo pois, em nome de uma pretensa isenção, muitos coleguinhas deram voz ao indigitado. Para disfarçar sua rejeição ao PT, davam mais voz que o devido a uma criatura repulsiva. Fingiram ser democratas e acabaram dando suporte a isso que está aí. E temos visto isso demais por aí, isentões desesperados atrás de uma terceira via. E se a terceira via não vingar – o que evidentemente não vai rolar mesmo – em quem eles vão votar? Esses jornalistas estão para a imprensa assim como os que receitam cloroquina estão para a medicina. A ideologia fala mais alto.

E termino com saudades do tempo em que eu brincava de soldadinho. Meus bonecos estavam sempre do lado certo. Meus soldados da cavalaria americana (fui uma criança com brinquedos de colonizado) invariavelmente perdiam para os índios (eu li Winnetou. É um livro que muda vidas e cabeças), e nos bonecos de guerra não havia dúvida nas minhas batalhas sobre quem tinha razão, eram meus soldados contra as forças de Hitler, uma tranquilidade. Os mocinhos eram diferentes dos bandidos.
Hoje temos uma guerra em que o presidente do país invadido não é um político, é um bobalhão que navegou na antipolítica que andou fazendo sucesso. Ele teria sido beneficiário de um golpe que derrubou o governo anterior (pró-Rússia); apesar de judeu, os grupos neonazistas se multiplicaram e se fortaleceram em seu governo. Mas pendeu para o lado da OTAN, deixando Putin com a pulga atrás da orelha, não queria mais mísseis na sua fronteira. Putin está certo? Não, de jeito nenhum. Nem Zelensky. Nem a OTAN. Nem ninguém.

Invadir um outro país, seja a Rússia, seja a OTAN, sejam os EUA, é inaceitável, sempre. Putin tenta justificar a invasão de várias formas, mas a que mais me assusta é dizer que está combatendo os neonazistas, aqueles tais que se multiplicaram por lá.

Como moramos num país onde os grupos nazistas cresceram mais de 270% no atual “governo”, melhor botar nossas barbas de molho e não sair apoiando invasão do país dos outros…



Os artigos de autoria dos colunistas não representam necessariamente a opinião do IREE.

Ricardo Dias

Tem formação de Violonista Clássico e é luthier há mais de 30 anos, além de ser escritor, compositor e músico. É moderador do maior fórum de violão clássico em língua portuguesa (violao.org), um dos maiores do mundo no tema e também autor do livro “Sérgio Abreu – uma biografia”.

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