Por Samantha Maia
Em entrevista para o IREE, o cientista político Cláudio Couto falou sobre o cenário eleitoral para este ano e sobre as repercussões da saída do ex-Governador de São Paulo João Dória (PSDB) da disputa para a Presidência da República. Para ele, o fato recente não altera o jogo eleitoral, e dificilmente alguma candidatura conseguirá mudar a tendência de polarização entre o Presidente Jair Bolsonaro (PL) e o ex-Presidente Lula da Silva (PT).
“Pode até haver um reforço da polarização à medida que se aproximar a eleição e as pessoas começarem a ver o desfecho inevitável. E isso afeta as candidaturas de terceira via que, sendo vistas como inviáveis, não vão receber tantos votos quanto poderiam”, diz Couto.
Cláudio Couto é cientista político e professor adjunto do Departamento de Gestão Pública da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV EAESP), onde coordena o Mestrado Profissional em Gestão e Políticas Públicas (MPGPP).
Confira a entrevista
Como a saída de João Dória da disputa impacta o cenário eleitoral?
Cláudio Couto: Eu acho que impacta pouco porque o Dória não tinha uma grande intenção de votos, nós estamos falando de algo como 4%. Tem um dado da Quaest Pesquisas, que mostra que o Dória deve transferir votos primeiro para o Ciro Gomes (PDT), para o Lula e em último para Bolsonaro. É um dado que me chama atenção, pois eu imaginaria que ele transmitisse mais votos para o Bolsonaro por uma questão de posicionamento ideológico. Mas é bem provável que esses votos que o Dória poderia perder para o Bolsonaro já tenham sido perdidos antes, e agora o que vai mesmo é para alternativas antibolsonaristas. Mas isso no curtíssimo prazo. A médio prazo, na medida em que a candidatura da Simone Tebet (MDB) se coloque, ela também pode pegar um pouco desses votos.
Como vê a alternativa da candidatura de Simone Tebet?
Cláudio Couto: Eu acredito que ela vá crescer, pois é uma candidatura que se distingue das demais, a única candidata mulher dentre as candidaturas de partidos relevantes, isso chama atenção, dá a ela um diferencial. Ela não tem aquela imagem que o Dória acabou criando de muito marqueteiro, que acaba fazendo com que as pessoas já não simpatizem com ele a despeito de avaliações que possam fazer de seus governos. E acho que aqui em São Paulo é muito emblemático isso, entendo que ele é mal avaliado muito mais pela sua figura do que pelo funcionamento efetivo que o governo tenha tido. Então acho que a Simone Tebet deve não só herdar votos, como crescer um pouquinho.
Acredita que a candidatura de Simone Tebet tenha mais força como terceira via?
Cláudio Couto: Não acho que isso vai alterar o cenário. Entendo que a polarização entre Lula e Bolsonaro já está muito consolidada. Você pode ver isso no número que aponta que 80% dos eleitores, tanto do Lula quanto do Bolsonaro, afirmam que não vão mudar seus votos. Se pegar um candidato com uma pontuação melhor, 60% dos eleitores do Ciro Gomes afirmam que podem mudar o seu voto. Pode até haver um reforço dessa bipolarização com o passar do tempo, à medida que se aproximar a eleição e as pessoas começarem a ver o desfecho inevitável. E claro que isso afeta também essas candidaturas de terceira via que, sendo vistas como inviáveis, também não vão receber tantos votos quanto poderiam.
Acho que a saída do Dória é mais importante para o PSDB, que sai da condição de refém dessa candidatura, e abre mais espaço para uma candidatura unificada desse campo político do PSDB, MDB e Cidadania. É uma desobstrução que tem consequências para esse campo, mas não para o jogo eleitoral como um todo.
Como analisa o papel da terceira via nessas eleições? E a candidatura de Ciro Gomes?
Cláudio Couto: Eu acho que a terceira via se define para negação das outras duas vias. Ela é muito mais uma negação do que uma afirmação. Agora, falta conteúdo, o que ela propõe efetivamente? Isso não está claro ainda. O Dória sinalizava com um programa econômico liberal, mas não muito mais do que isso, não se sabia direito o que ele propunha. Eu acho que a Simone Tebet vai numa linha muito parecida com essa que o Dória pretendia trilhar.
Já o Ciro Gomes tem um projeto muito mais claro, que foi colocado em outras eleições e ele faz questão de repetir o tempo inteiro, mas não sei se ele pode ser classificado como terceira via, ele faz questão de não se classificar assim. Se a gente considera que a rigor a terceira via é tudo o que não é nem Lula, nem Bolsonaro, que lideram as pesquisas, então o Ciro cabe aí também. A terceira via é um continente vazio, não define nada. Só define o que não é.
Alguma candidatura ainda pode impactar as posições consolidadas de votos em Lula e Bolsonaro?
Cláudio Couto: Se a gente volta para julho do ano passado, as pesquisas mostravam que existia um terço do eleitorado que tinha vontade de votar em alguém que não fosse nem o Lula, nem o Bolsonaro. Esse número foi caindo, caiu pela metade mais ou menos. Então, isso mostra que na medida em que vai se confirmando a bipolarização e ficando claro que outras alternativas não são viáveis, as pessoas começam a ir para as suas segundas opções. A ponto de nem querer mais tanto o que queriam há um ano. E aí reforça a tendência.
Até a avaliação positiva do Bolsonaro, que melhorou um pouco nos últimos tempos, eu acredito que tenha um pouco a ver com isso. Não é necessariamente a melhora da avaliação que leva à melhora da votação, mas você pode ter também a melhora da votação que acaba influenciando a percepção subjetiva que uma parcela do eleitorado tem sobre aquele governo. Para se justificar, para si próprio até, do porque vai acabar fazendo aquela opção. Isso tem muito mais a ver com a dinâmica da disputa do que com uma avaliação substantiva. E tudo isso deixa pouco espaço para alternativas crescerem, e aumenta a probabilidade — não estou afirmando que isso vai acontecer, mas acho que é bem possível que aconteça — de ter uma eleição resolvida no primeiro turno, porque se os votos se concentram em dois candidatos, a possibilidade de um deles ter mais da metade dos votos válidos já no primeiro turno é bem maior. E eu acho que o cenário caminha nessa direção. Se vai chegar lá, aí já é outra história.
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