Uma onda de protestos massivos, em geral reprimidos com extrema violência pelas forças de segurança, se espraia pelo mundo. Embora algumas das manifestações tenham relação com disputas seculares, caso da Catalunha e de Hong Kong, há uma conexão clara entre eles.
Em grande medida, a revoltas populares refletem a crise interminável iniciada em 2008 e que se estendeu dos países desenvolvidos para a periferia do planeta. De outra parte, expressam a angústia de uma maioria que se sente excluída da tomada de decisões, a exemplo do Reino Unido, e prejudicada pela “soberba” das elites políticas e econômicas.
Os protestos de outubro seriam o ápice dessa indignação? É pouco provável. Organismos internacionais como o Fundo Monetário Internacional e a Organização para a Cooperação do Desenvolvimento Econômico, a famosa OCDE, têm captado uma tendência de forte desaceleração da economia mundial, com riscos de uma nova fase de estagnação ou recessão. Isso significa menos margem para os governos nacionais e mais sacrifícios para aqueles que sempre pagam a conta das crises.
A seguir, um panorama dos principais protestos e suas motivações.
Chile: não é só por 30 pesos
A convulsão social no Chile é a mais violenta em curso no mundo e não tem data para acabar. Com tanques nas ruas, agentes infiltrados e soldados armados de metralhadoras, as Forças Armadas do país abusam da violência para conter os protestos.
Até agora, os confrontos deixaram um saldo de 18 mortos e mais de 2 mil presos. O Congresso montou uma comissão para investigar a ação dos militares nas ruas, mais uma dor de cabeça para o presidente Sebastián Piñera. Apesar do forte aparato de segurança e do pacote de medidas de cunho social anunciado pelo governo, os manifestantes não arredaram o pé das ruas. Pedem a renúncia do presidente e a convocação de uma Assembleia Constituinte.
Como todo país dependente de exportações de produtos primários ou de baixo valor agregado, o Chile sofre com a queda das cotações internacionais de minério e bens agrícolas.
O estopim da revolta foi o reajuste das tarifas do metrô, mas a alta de 30 pesos não explica a fúria. Idosos, por causa das minguadas aposentadorias, fruto do sistema de capitalização puro, e os jovens, espremidos pelos impagáveis financiamentos estudantis em um sistema de ensino privado e caro, são os mais afetados.
Ao tentar aplacar a revolta, Piñera suspendeu o aumento da tarifa do transporte público e ofereceu um aumento de 20% nas aposentadorias básicas e subsídios ao transporte e à energia.
Seu gesto acabou, porém, ofuscado pelo vazamento de um áudio na qual a primeira-dama, Cecilia Morel, chama os manifestantes, seus compatriotas, de “alienígenas” e qualifica os protestos de “invasão estrangeira”.
Honduras: não à privatização
Milhares de hondurenhos tomaram as ruas da capital Tegucigalpa em protesto contra um projeto do governo que pretende privatizar os sistemas saúde e educação. Os manifestantes queimaram prédios públicos e promoveram quebra-quebras na cidade.
Acuado, o governo disse ter sido mal interpretado e negou qualquer intenção de privatizar os serviços básicos.
Líbano: Não mexa no meu WhatsApp
Os protestos no Líbano têm sido chamados de a “revolta do Whatsapp”. O governo propôs um imposto sobre as ligações via internet, mas parece ter desistido da ideia depois de milhares ocuparem as ruas.
O imposto é, como no caso do Chile, a cereja do bolo. Um quarto dos libaneses vivem abaixo da linha da pobreza e se mostram cansados com o constante aumento do custo de vida.
Ao ver as multidões, o primeiro-ministro, Saad Hariri, sugeriu a convocação de novas eleições e anunciou medidas populistas e inócuas, entre elas a redução pela metade dos salários dos ministros. Os protestos continuam.
Equador: Vanguarda indígena contra o “traidor”
As intensas e violentas manifestações no Equador no início de outubro parecem servir de inspiração para chilenos e hondurenhos.
Liderados pelos índios locais, que representam 25% da população, os protestos obrigaram o presidente Lenín Moreno a suspender a liberalização dos preços dos combustíveis, exigência do FMI em troca de um empréstimo de 10 bilhões de dólares.
A alta do diesel e da gasolina passou de 100% e os equatorianos temiam um efeito em cascata na inflação.
Moreno é considerado pelos mais pobres como um “traidor”. Eleito por uma frente de esquerda que governou o país por mais de uma década, o presidente rompeu com o antigo grupo, aproximou-se dos Estados Unidos e abraçou uma agenda de austeridade.
O Equador sofre ainda os efeitos colaterais da Operação Lava Jato. Lá também, escândalos a envolver governantes e a empreiteira Odebrecht causaram profundos estragos na política e na economia.
Catalunha: Independência ou morte
A prisão dos líderes independentistas por insurreição reavivou a fúria dos catalães, que ocupam as ruas da região há duas semanas.
O governo espanhol abriu mão do diálogo e optou por uma dura repressão, o que atiçou ainda mais a indignação popular.
As principais forças políticas entraram em acordo em favor da manutenção de um Parlamento regional e da autodeterminação. É uma tentativa de acalmar os ânimos. Talvez as medidas consigam deter os protestos, mas o debate sobre a independência da Catalunha continuará a ser um barril de pólvora prestes a explodir.
Reino Unido: Brexit? Não
Enganados por uma campanha suja e subterrânea que contou com a força das redes sociais, cada vez mais britânicos querem impedir a saída do Reino Unido da União Europeia, o chamado Brexit.
No domingo 20, uma multidão estimada em 1 milhão de manifestantes marchou pelas ruas de Londres para pedir que o Parlamento rejeite o acordo. Foram ouvidos por ora. Os deputados rejeitaram o acerto entre representantes da UE e o primeiro-ministro, Boris Johnson, que passou a defender a convocação de novas eleições.
Foram os maiores protestos na capital desde 2003, quando 1,5 milhão de britânicos reclamaram da adesão do país à Guerra do Iraque. A saída do Reino Unido da União Europeia, planejada pelo populismo de direita, irá provocar prejuízos bilionários à economia local.
Hong Kong: protestos com guarda-chuvas
Inicialmente pacíficos (os manifestantes saíam às ruas com guarda-chuvas), os protestos em Hong Kong aumentaram de intensidade e violência. Tudo tem a ver com o desejo dos moradores de garantir a autonomia administrativa em relação ao governo da China.
O motivo inicial foi superado: uma lei que facilitava a extradição de dissidentes políticos acabou revogada.
Mesmo assim, a maioria teme que a proposta não passe de um primeiro passo para que Pequim aumenta sua ingerência e transforme Hong Kong em mais uma grande cidade chinesa, subordinada às decisões do Partido Comunista.
Por Equipe IREE
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