Por Samantha Maia
Os resultados das eleições de 2022 manterão o PL, partido do Presidente Jair Bolsonaro, na posição de maior bancada da Câmara dos Deputados, com 99 parlamentares, e a federação PT-PCdoB-PV em segundo lugar com 80. Os dois grupos cresceram em números de eleitos, repetindo a correlação de forças existente na atual legislatura.
Já o número de partidos representados na Câmara Federal foi reduzido para 19. Em 2018, foram eleitos parlamentares de 30 legendas diferentes, número que caiu para 23 na composição atual. A diminuição é resultado da PEC aprovada em 2017 que proíbe coligações nas eleições para o Legislativo e institui a cláusula de desempenho, que estabelece percentual mínimo de votos e de deputados eleitos para manter o acesso à propaganda partidária e ao fundo eleitoral.
Outro fato que chama atenção na nova legislatura é o aumento da representatividade. Pela primeira vez na história o Congresso terá duas deputadas transexuais, Erika Hilton (PSol-SP) e Duda Salabert (PDT-MG). O número de deputados autodeclarados indígenas eleitos também é o maior da história. São cinco: Sonia Guajajara (Psol-SP), Célia Xakriabá (Psol-MG), Juliana Cardoso (PT-SP), Sílvia Waiãpi (PL-AP) e Paulo Guedes (PT-MG).
O número de deputados e senadores negros cresceu 8,5%. Já as mulheres irão representar 17,7% das cadeiras do Congresso a partir de janeiro de 2023, contra 15% atualmente.
Para a cientista política Carolina de Paula, Diretora Executiva do DataIESP e consultora da UNESCO, não houve grandes alterações na correlação de forças no Congresso e a diminuição da fragmentação partidária é positiva por facilitar a governabilidade.
“Esse rearranjo em menos partidos facilita as negociações com os líderes. Mas a negociação individual, que tanto se reclama, vai continuar existindo porque a maioria dos partidos no Brasil não tem uma unidade”, diz Carolina de Paula.
Confira abaixo os principais trechos da entrevista do IREE com a especialista sobre a nova composição do Congresso a partir de 2023 e a polêmica em torno da diferença das pesquisas com os resultados das urnas.
Como avalia o perfil do novo Congresso formado nas eleições de 2022?
Carolina de Paula: Um crescimento que chamou muita atenção foi do número de eleitos pelo PL, partido de Jair Bolsonaro. Mas nós não temos uma novidade de crescimento da bancada conservadora. O que aconteceu é que ela se concentrou mais em um único partido, devido também à nova regra de cláusula de barreira. Se olharmos para o PP, para o Republicanos, que são apêndices do bolsonarismo, são partidos que perderam deputados nesta legislatura comparado a 2018, e que tiveram deputados que migraram para o PL.
Apesar do PL não ter feito uma federação, ele conseguiu atrair deputados que ficaram com medo da nova regra de cláusula de barreira. Essa regra dificulta que os partidos que não tenham uma representação mínima consigam acesso a recursos financeiros e espaço na Câmara. Isso forçou os partidos a se concentrarem. Muitos parlamentares mudaram de legenda e alguns partidos fizeram a opção pela federação.
Então temos uma diminuição da fragmentação partidária, algo que de certa forma é positivo, na teoria da ciência política, porque facilita a governabilidade, mas vamos ver como isso vai ser na prática. Para além disso, não acho que tivemos uma alteração significativa, ou que teremos uma Câmara muito mais conservadora. Talvez um pequeno acréscimo, não tão expressivo em relação ao que tivemos em 2018.
O que vemos é que quem está com Bolsonaro continua forte no Legislativo, e quem descolou do Bolsonaro depois de se eleger na esteira dele em 2018, como o Alexandre Frota, Joice Hasselmann e Janaina Paschoal, foram os maiores prejudicados porque ficaram sem base.
E no campo progressista?
Carolina de Paula: O avanço do lado conservador ganhou muito foco, mas também tivemos avanços do lado progressista. O PT também teve um crescimento forte com a federação formada com o PCdoB e o PV, com 80 deputados eleitos.
Temos também um aumento de pretos e pardos eleitos muito estimulado pelas mudanças nas regras de financiamento, assim como das mulheres eleitas, ainda longe da paridade, mas um aumento. Especialmente se olharmos o recorte de mulheres negras, foi um aumento de 123%, que é significativo. Também teve uma representação maior de pessoas autodeclaradas indígenas e a novidade de pela primeira vez haver duas deputadas trans eleitas, que é um marco histórico, e vemos isso acontecer também nos estados, com deputadas trans eleitas em Assembleias Estaduais. É algo importante.
Não quer dizer que esse aumento ocorreu todo em partidos progressistas, que tendencialmente são legendas mais atraentes para representação, mas é importante conseguir maior representatividade independente de qualquer legenda.
O ex-presidente Lula da Silva destacou na campanha a necessidade de eleger uma bancada que o apoia. Em caso de vitória, ele terá dificuldade para governar com esse novo Congresso?
Carolina de Paula: Percebo que os eleitores têm se preocupado mais em fazer uma votação casada, no sentido de escolher um presidente, um governador e parlamentares dentro do mesmo espectro ideológico, e as campanhas têm batido bastante nisso, com razão, no sentido de facilitar a governabilidade.
Mas o que saiu das urnas não é tão diferente do que Lula teve quando entrou em 2002, quando se tinha uma fragmentação muito maior de partidos. O que Lula precisará fazer, caso eleito, é conversar com o chamado Centrão e com as legendas que não estão totalmente fechadas com o Bolsonaro. No PL, sabemos que tem integrantes que não são fiéis a Bolsonaro, que estão surfando na onda do momento. O União Brasil, outro partido que cresceu bem nessa eleição, é uma legenda também bastante dividida, formada pelo antigo DEM, que especialmente no Nordeste acompanhou a esquerda em muitas eleições, ou seja, existe espaço para diálogo.
Esse rearranjo em menos partidos facilita as negociações com os líderes. Mas a negociação individual, que tanto se reclama, vai continuar existindo porque a maioria dos partidos no Brasil não tem uma unidade, é difícil fechar um acordo com a liderança e todo mundo seguir. Sem o Bolsonaro no jogo, eu acredito que essa grande bancada do PL vai acabar se fragmentando, inclusive com alguns parlamentares mudando de partido para buscar negociações mais próximas ao governo federal.
Em caso de reeleição de Jair Bolsonaro, como vê a relação com o novo Congresso eleito?
Carolina de Paula: O que vale para o Lula também vale para o Bolsonaro. Precisamos avaliar com mais profundidade, mas o PL não é um partido com grande fidelidade partidária. É uma legenda que mudou muito de perfil, atraiu antigos deputados do PSL, tem uma nova configuração. Teoricamente Bolsonaro teria uma maior facilidade com o apoio de seu partido, e outras legendas devem fazer o que já têm feito hoje, Republicanos, Progressistas, Patriotas, esse apêndice que o governo precisou fazer a partir do momento em que viu que devia governar e conversar com o Centrão.
Já o PL vai ter espaço maior nas posições de liderança, nas comissões e relatorias, o que sempre facilita o processo de usar das brechas do regimento interno do
legislativo para conseguir passar algumas medidas sem tanto esforço. Mas lembrando que Bolsonaro nunca foi acostumado a conversar com os partidos, sempre dependendo muito das lideranças de governo dentro da Casa. Nesse sentido, se reeleito, ele deve manter na liderança o deputado Arthur Lira (PP-AL), que é fiel a ele, e que conseguiu fazer uma série de alterações no processo legislativo, ruins para o processo democrático, como o orçamento secreto, mas eficientes para a governabilidade.
O ex-presidente Lula pode encontrar um ambiente favorável a golpe ou a boicote a seu governo?
Carolina de Paula: Vi essa preocupação por parte de alguns eleitores de Lula e até alguns bolsonaristas falando que agora têm um Congresso do lado deles. A gente fica com a imagem do impeachment da ex-Presidente Dilma Rousseff, mas o Lula tem um perfil muito mais de negociação e conciliação com esses deputados, digamos, do baixo clero. Ele gosta de falar e fazer negociação também no individual, e mesmo de se aproximar de partidos mais distantes ideologicamente da esquerda.
Eu acho bem pouco provável, se Lula for eleito, que ele sofra um impeachment pelo Congresso como foi feito com a Dilma. Por conta também de que parte desses congressistas, como falei no início, devem acabar migrando para a base de apoio do governo. Um apoio mais custoso, mas possível.
Como pesquisadora, que vai a campo falar com o público, como vê esse momento de questionamento às pesquisas eleitorais?
Carolina de Paula: Um problema nessa eleição foi a concentração muito grande da cobertura da imprensa nos números de pesquisa. A gente teve até um prejuízo no debate de propostas na cobertura da mídia por essa concentração excessiva nos números. Lembrando que as pesquisas são só um instrumento de diagnóstico, não de prognóstico.
Um grande problema é a divulgação dos votos válidos, porque a gente não sabe o tamanho da abstenção de antemão. Quando se divulga a pesquisa de votos válidos, toma-se de partida que a abstenção vai se distribuir igualmente para todos os candidatos, o que não é verdade. Muitas vezes ela acaba prejudicando alguns candidatos, que é o que os institutos têm alegado agora, que a abstenção prejudicou mais o Lula, porque a abstenção tende a ser mais alta na base da pirâmide. Outro argumento é que teve voto útil para Bolsonaro. Eu acho bem difícil identificar qual foi o erro.
Acho que os institutos precisam reavaliar também seu trabalho de campo, existe muitas vezes uma terceirização desse trabalho, o que diminuiu o controle sobre ele. Temos visto também alegações de que eleitores do Bolsonaro boicotaram as entrevistas, não se sabe o quanto isso prejudicou. Sem falar do Censo que está desatualizado e existe toda uma discussão se os institutos estariam superestimando a base da pirâmide, o que levaria a uma maior concentração de respondentes na base. Então há uma série de coisas.
Mas o que temos que fazer para as próximas eleições é diversificar a análise, considerando que as pesquisas são apenas uma das ferramentas dentro das possibilidades analíticas. Além de olhar mais para pesquisas qualitativas, que são importantes para entender melhor os pensamentos dos eleitores, dar mais profundidade. Isso fica como uma lição para os institutos e para a mídia.
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