No início da semana que passou, a imagem do Museu Nacional ardendo em chamas chocou não apenas o Brasil, mas o mundo inteiro. Muitos choravam e se emocionavam ao ver o museu mais importante da América Latina se desintegrar diante do fogo que se alastrava pelas salas do prédio histórico.
A perda do acervo é inestimável – cerca de 20 milhões de itens (90% do acervo destruído). Perdeu-se Luzia, o mais antigo fóssil já encontrado nas Américas. Sem contar a importância e o simbolismo que o prédio representava para a história do país. Ele foi local, por exemplo, da assinatura do decreto da Independência do Brasil, assinado pela Dona Maria Leopoldina que atuava como Princesa Regente Interina no momento da finalização das negociações (sim, a declaração da independência do Brasil foi assinada por uma mulher!).
Após a destruição do museu, as pessoas e os noticiários globais questionavam: como um país com a importância do Brasil teve um dos seus principais museus incendiados? É como imaginar a “National Gallery” arder em chamas em pleno centro de Londres. Por que as equipes de resgate não conseguiram conter o fogo? Para agravar a situação, os hidrantes mais próximos ao museu estavam sem água.
Esse acontecimento reflete a falta de critérios do Brasil na escolha de suas prioridades. Mostra que o país ainda não está pronto para alçar um voo mais alto na esfera global, pois um país que não cuida do seu passado, certamente também será negligente com seu futuro.
Embora ainda se investigue as causas da tragédia, fato é que, para a vergonha nacional brasileira, o Museu estava “quebrado” e não contava com uma verba mínima para a sustentação do seu funcionamento. É possível dizer que o incêndio estava esperando para acontecer e que ele não foi surpresa para os que já sabiam das condições em que o prédio se encontrava.
A vice-diretora do Museu Nacional informou que o Museu estava em situação irregular em relação à legislação de segurança contra incêndio e pânico – e que sua administração aguardava uma verba de cerca de 21 milhões de reais vindas do BNDES para fazer as mudanças mais urgentes, essas verbas nunca chegaram.
As necessidades financeiras não param por aí. Por mais de duas décadas, o Museu Nacional pediu ajuda – e esse grito era abafado pelo governo federal. Em 2014, o Congresso brasileiro aprovou um orçamento de 20 milhões de reais para a restauração do museu – mas o governo federal nunca liberou esse fundo.
Entre 2013 e 2017, houve uma redução de cerca de 336 mil reais no orçamento anual do Museu Nacional. Em 2018, o museu tinha recebido apenas R$ 54 mil para pagar as contas e para sua manutenção, pouco mais do que os R$ 33 mil que um ministro do Supremo recebe mensalmente.
O Museu completou 200 anos em junho de 2018 e as maiores autoridades do país foram convidadas, inclusive Ministro da Cultura e Presidente. Algum deles apareceu? Essa é uma prova do descaso das principais figuras (governantes) responsáveis por assegurar a manutenção do patrimônio brasileiro. Afinal, arte e cultura não trazem resultados imediatistas e nem asseguram votos.
A falta de prioridade com o patrimônio histórico brasileiro já existe de longa data. No Brasil, 63% dos museus são públicos e sofrem com cortes orçamentários. O debate aqui não é entre publico e privado. É sobre organização orçamentária (e obviamente, a perda orçamentária que é desviada por conta da corrupção no Brasil). Na Noruega, no Reino Unido e na União Europeia, o controle e a administração de museus é, em sua maioria, público. Em 2018, o Conselho de Artes da Inglaterra e a União Europeia declararam aumento nos seus fundos públicos voltados para arte e cultura (incluindo manutenção de museus).
Entre 2018 e 2022, o orçamento anual para cultura na Inglaterra será de £622 milhões anuais (o equivalente a aproximadamente R$ 3 bilhões). Enquanto que na União Europeia, o aumento será de 27% no seu orçamento cultural para os próximos seis anos (estima-se que a UE queira chegar a um orçamento de 1.9 bilhões de euros para arte e cultura até 2022). Alguém já imaginou se em terras brasileiras fossem almejados os mesmos valores?
Os Estados Unidos é um exemplo de combinação entre administração pública e privada – o país funciona de uma maneira mais autônoma, com conselhos locais que selecionam projetos. O que funciona muito bem na política cultural estadunidense é o incentivo econômico que as empresas privadas recebem para doarem verbas a museus e projetos – superando, inclusive, incentivos tributários. Em 2013, apenas as doações tributárias para entidades culturais somaram US$ 13 bilhões (R$ 52 bilhões em valores atuais) ou cerca de 31 vezes o orçamento federal para a cultura.
No Brasil, falta o reconhecimento (e interesse) das autoridades para a importância da cultura e educação – existe falta de clareza e transparência a respeito de para onde vão as verbas destinadas à cultura. A Noruega tem um site no qual os cidadãos conseguem averiguar para onde está sendo direcionado o dinheiro de cada orçamento, inclusive o de cultura.
Acredito que um país que não valoriza seu patrimônio histórico e cultural perde a liga entre o seu passado, futuro e presente. É olhando para a história que se cria parte da sua identidade nacional – e no contexto de um país que já se encontra em crise identitária – as chamas do Museu irão aprofundar ainda mais essa crise. Apenas espero que a lição tenha sido aprendida e que o brasileiro não queime sua esperança nas chamas da política.
Os artigos de autoria dos colunistas não representam necessariamente a opinião do IREE.
Maria Antonia De’Carli
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