Bolsonaro e a (falta de) articulação com o Congresso – IREE

Análises e Editorial

Bolsonaro e a (falta de) articulação com o Congresso

Levar a crítica ao presidencialismo de coalizão do discurso para a prática não tem se mostrado tarefa fácil para Jair Bolsonaro.

Nos primeiros três meses de mandato, o governo federal mostrou grande dificuldade em construir uma articulação alternativa eficaz com o Congresso.

A crise ganhou visibilidade com a troca pública de farpas entre Bolsonaro e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e foi necessária uma força tarefa para apaziguar os ânimos.

Segundo a cientista política Carolina de Paula, do Núcleo de Estudos sobre o Congresso (NECON) do IESP-UERJ, Bolsonaro se encontra em uma encruzilhada entre a promessa feita aos eleitores de não entrar no que ele chama de “toma lá, dá cá” da velha política e a necessidade de dialogar com os partidos.

“Bolsonaro fez uma campanha crítica ao presidencialismo de coalizão, mas o funcionamento do Congresso se dá pela conversa com os partidos. Não vejo muita saída para o governo deixar a paralisia sem frustrar o seu eleitor”, diz a pesquisadora.

Presidencialismo de coalizão

É um erro relacionar diretamente o presidencialismo de coalizão com a corrupção, explica Carolina de Paula. Segundo ela, o modelo seria apenas a forma que se mostrou mais possível de governar em um cenário com tantos partidos.

A representação dos partidos no ministério é uma prática que costuma facilitar e agilizar a tramitação de projetos no Congresso.

Ao montar o seu grupo de ministros, Bolsonaro preferiu não contemplar a sua base de apoio e apostar no que chamou de “escolhas técnicas”, além de fazer alguma articulação com as bancadas temáticas.

“Hoje não temos os partidos no ministério, nem um diálogo afetivo do governo. E o MDB, que era historicamente um partido organizador da base, perdeu o seu peso. Como o governo vai articular?”, questiona a cientista política.

O que é articulação?

Faz parte do papel de liderança de um Presidente da República articular politicamente para convencer o legislativo da necessidade de se votar a sua agenda.

Essa articulação se dá pela defesa dos seus projetos e por negociações políticas que podem envolver compartilhamento de poder de forma lícita e republicana.

Neste começo de governo Bolsonaro, mesmo sem uma boa articulação, a agenda legislativa foi deixada de lado para assumir os dois projetos prioritários do governo: a Reforma da Previdência e o pacote anticrime apresentado pelo ministro Sergio Moro.

“Ao mesmo tempo, os deputados precisam mostrar trabalhos aos seus Estados, e se eles não apresentam esses projetos, seus mandatos enfraquecem”, diz Carolina de Paula.

A pesquisadora acredita que a Reforma da Previdência tem força para passar pelo Congresso, mesmo que com alterações, por ser uma pauta prioritária também para muitos parlamentares. Mas isso não significa que a vida do governo será simples.

A escolha do momento de colocar o Orçamento Impositivo em votação foi um recado da Câmara a Bolsonaro, assim como segurar a tramitação do pacote anticrime.

“Timing” político

O início do mandato costuma ser um bom momento para articulação política, quando o governo ainda carrega consigo a popularidade da eleição. Mas a gestão Bolsonaro corre o risco ver essa janela de oportunidade se fechar.

Além da crise prematura do Planalto com o Congresso, a popularidade de Bolsonaro caiu 15 pontos percentuais no primeiro trimestre, e a taxa de confiança da população no presidente passou de 62% em janeiro para 49% em março.

Segundo Bolsonaro, os atritos com Rodrigo Maia foram “chuva de verão”, e a partir de agora ele se compromete a intensificar seus encontros com dirigentes partidários. O desafio promete ser grande.

Candidato x Presidente

O resultado das eleições em 2018 contrariou a lógica, que se sustentou desde a redemocratização, de que quanto maior a coligação, mais chance o candidato tinha de vencer a eleição para a Presidência da República.

A candidatura de Bolsonaro foi vitoriosa a despeito da falta de alianças. O único partido a fazer coligação com o PSL foi o PRTB, do vice Hamilton Mourão, nos momentos finais para registro.

A campanha de Bolsonaro buscou, sem sucesso, mais apoios. Quem conseguiu formar a maior frente foi o candidato do PSDB, Geraldo Alckmin, que terminou o pleito em quarto lugar, com 4,76% dos votos.

A despeito da fraca articulação política, a candidatura de Bolsonaro contou com apoio popular e conseguir se conectar com o sentimento de insatisfação da sociedade com o sistema político.

O discurso “contra tudo o que está aí” caminhou bem com a temática anticorrupção na campanha eleitoral. A questão é saber como a negação da articulação política funciona agora na hora de governar.



Por Samantha Maia

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