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A última edição do Boletim Semanal traz a análise sobre Crescimento Econômico, Setor externo e Câmbio.
Crescimento, câmbio e setor externo
Os recentes acontecimentos no campo fiscal, marcados pela sinalização do presidente Jair Bolsonaro de que criará um novo programa de caráter emergencial – o Auxílio Brasil – com recursos extra teto de gastos – gerou uma onda de revisões de comportamento das principais variáveis macroeconômicas para 2021 e 2022, com impactos substanciais com relação às projeções de crescimento da economia brasileira.
Para diversos economistas, setores representantes dos interesses de mercados e até mesmo funcionários do Ministério da Economia que solicitaram exoneração, a acomodação do novo programa com recursos extra teto de gastos significa uma ruptura com o regime fiscal, impondo um cenário de incerteza financeira e deprimindo as expectativas dos agentes privados.
Cassiana Fernandez, economista-chefe para o Brasil do J.P Morgan, afirmou que “a incerteza em relação à condução da política fiscal aumentou muito. Chegamos, inclusive, a um ponto em que se começa a questionar outra vez a sustentabilidade da dinâmica da dívida pública e isso levou a uma significativa reprecificação dos ativos no mercado e a um aperto das condições financeiras de forma geral”
A lógica parte da seguinte percepção de funcionamento causal das variáveis macroeconômicas: flexibilizar o teto de gastos para acomodar um programa de transferência de renda vai desancorar a política fiscal, deixando de manifestar confiança e previsibilidade para os agentes privados com relação com o futuro o que desorganiza os investimentos futuros, em função das incertezas. Além disso, o aumento do gasto público tem efeitos inflacionários, que deverão ser corrigidos com mais elevações da taxa básica de juros, que além da ancoragem da inflação, também sofrerão elevação das taxas médias na curva de juros em função do aumento do prêmio de risco, uma vez que o desequilíbrio fiscal e a perda da âncora que era a rigidez do teto sugere que os agentes privados cobrem mais do Estado para seguir financiando-o no mercado de títulos.
Portanto, frente a esses eventos e o comportamento derrapante pregresso da economia brasileira, houve uma sistemática revisão das projeções de crescimento econômico dos principais analistas de mercado, para 2021 e 2022, algumas dessas, inclusive, jogam as estimativas para 2022 próximas de crescimento zero ou mesmo de retração, com possibilidade de recessão técnica, fenômeno caracterizado quando há dois trimestres consecutivos de queda no PIB.
A sinalização no Relatório Focus, do Banco Central (BC), que foi divulgado no dia 25 de outubro, apresenta como estimativas da mediana das projeções do mercado um crescimento de 4,97% para 2021 – ligeiramente menor que o anterior que era de 5,01%. Já para 2022 a previsão de crescimento também foi revisada para baixo. O ponto-médio das expectativas para o PIB foi reduzido de 1,50% para 1,40%.
Enquanto a deterioração das condições financeiras via quebra da âncora fiscal é o motivo mais geral, a contração da atividade econômica é decorrência dos seus “efeitos”, expressos na alta inflação que deve ser combatida com depressão da demanda agregada via elevações sistemáticas na taxa básica de juros, tal como selado no compromisso envolto na criação do “tripé macroeconômico”.
Diante, portanto, de uma Selic que deve ultrapassar os 10% ao ano, a Genoa Capital, por exemplo, cortou sua projeção de crescimento do PIB para 2022 de 1% para 0,5%. sinalizando que o saldo de maior expansão fiscal com piora das condições financeiras é sempre de caráter negativo. O Banco Safra espera um crescimento de 1,1% para 2022; o Haitong vê crescimento de 0,5% em concordância com o Itaú que também prevê o mesmo.
Podemos afirmar, em síntese, que são dois os canais principais em que a elevação da taxa Selic contamina a economia real. O primeiro deles é o encarecimento do custo do crédito. A taxa média de juros cobrada pelas instituições financeiras atingiu em setembro o maior patamar desde o início da pandemia. O encarecimento do crédito pessoal retraí o consumo e o encarecimento do crédito, via aumentos contínuos e arrojados na taxa Selic, restringe o investimento produtivo, uma vez que uma empresa não toma um crédito com a taxa básica, mas já com o juro composto, precificando o futuro, que leva em consideração curvas mais “estressadas” de juros de médio e longo prazo. O segundo canal é o encarecimento da rolagem da dívida pública, que aumenta o déficit nominal do Estado, elevando a dívida pública por motivos financeiros, e não pelo lado do gasto ou do resultado primário, substancialmente.
Frente ao agregado de expectativas elencadas acima, com inflação acima da meta, Selic bastante elevada e acima do nível neutro e baixo crescimento econômico, configura-se uma situação de provável quadro de estagflação, fenômeno que combina estagnação na atividade econômica com inflação a nível de preços.
É importante ressalvar, no entanto, que as ciências econômicas não são uma ciência natural positiva, com leis universais que se comportam tais como as ciências naturais na cadeia de causalidades e correlações. Assim, em que pese exista o fenômeno da “profecia autorrealizável”, ou seja, o mercado pode fazer valer situações de recessão pelo risco forjado por expectativas construídas que se realizam porque interferem na dinâmica real, é bom lembrar que – em que pese a flexibilização do teto de gastos – os indicadores de câmbio, juros, inflação e PIB já estavam bastante deteriorados. Portanto, embora tenham sofrido revisões na última semana, para um conjunto de economistas, a trajetória fiscal não é o único determinante da performance ruim da economia brasileira.
Além disso, olhando a atividade econômica pelo lado do gasto, ou seja, da demanda agregada, em situações de crise e semi estagnação como a que passa a economia brasileira, em que o consumo das famílias apresenta trajetória de estabilidade em baixo patamar e em que o investimento público e privado não dá sinais de soerguimento, e em que as exportações líquidas são incapazes de manter aquecida uma economia do tamanho da brasileira, o gasto público é a única variável que poderia atuar de forma anticíclica, permitindo a manutenção de um nível menos deprimido da atividade. Portanto, em que pese o aumento da dívida pública nesse momento, pela variável gasto público, a trajetória de equilíbrio fiscal poderia estar mais próxima de se normalizar no médio e longo prazo pelo poder multiplicador que o gasto público – especialmente o gasto direcionado ao consumo dos mais pobres – têm sobre o denominador, o PIB, permitindo a redução da proporção da relação dívida/PIB.
Além disso, argumentam os economistas de cunho mais heterodoxo, como Estados com soberania monetária não “quebram” quando endividados na própria moeda, o mais determinante para a confiança e retorno do investimento privado é menos o nível de equilíbrio das contas públicas e mais a expectativa de demanda futura, que é função da renda interna. Portanto, a consolidação desse programa de transferência de renda, com recursos fora do teto, não teria efeitos inflacionários – uma vez que a inflação atual não é de demanda – e ainda traria benefícios sociais e econômicos, na medida em que o gasto público torna-se renda privada e a renda dos mais pobres é complemente revertida em consumo.
O Boletim de Política Econômica do IREE é produzido pela economista-chefe Juliane Furno e pelos assistentes de pesquisa Daniel Fogo e Lígia Toneto.
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