A última edição do Boletim Semanal de Política Econômica de fevereiro de 2021 produzido pela equipe do Centro de Estudos Econômicos do IREE traz as análises sobre Crescimento Econômico, Setor externo e Câmbio, e sobre Mercado de trabalho, políticas sociais e desigualdades.
O Boletim Mensal de Fevereiro com todas as análises já está disponível e pode ser acessado aqui.
Leia também:
Boletim de Política Econômica Fev/21 – A Política Monetária
Boletim de Política Econômica Fev/21 – Setores
Boletim de Política Econômica Fev/21 – Política Fiscal
Crescimento Econômico, Setor externo e Câmbio
O dado mais relevante no que tange ao desempenho da economia brasileira foi o anúncio do agregado do PIB de 2020, que recuou 4,1%.
Do ponto de vista do inicialmente esperado, a queda de 4,1% é um alento. Levando em consideração o descalabro com o controle da pandemia e as projeções iniciais, o Brasil ficou entre os países do mundo que tiverem uma menor contração. No entanto, o auxílio emergencial, política fiscal fundamental que responde por esse tombo menos significativo, foi suspenso, o que aguça as previsões mais pessimistas para o primeiro semestre de 2021.
O crescimento econômico depende hoje, fundamentalmente, do auxílio emergencial e da vacinação, no curto prazo, e no longo prazo, depende de uma ação mais energética no que tange à existência de um plano de retomada orientada do crescimento, com foco na dinamização do mercado de trabalho e na redução das desigualdades sociais.
No que tange ao PIB Per capita, a situação é mais dramática, já que os anos de baixo crescimento do PIB somam-se ao crescimento populacional.
Um ponto importante da análise desmembrada do PIB, pelo lado da demanda, é o atual nível baixo de investimento. Caso sejam retirados os gastos com a Covid-19, o investimento federal recuou mais de 20% em 2020. O investimento público é o único que consegue ter um comportamento autônomo, que depende menos no nível pregresso de receita, diferentemente do setor privado. Além disso, o investimento público é importante para ampliação da capacidade produtiva e as possibilidades de crescimento no futuro.
Falando em possibilidade, enquanto a vacinação seguir nesse ritmo estaremos com o crescimento de 2021 comprometido. Dezembro já evidenciou uma tendência de desaceleração do crescimento em vários setores, como resultado do fim do auxílio emergencial e do recrudescimento da pandemia.
Segundo projeções do Ibre/FGV, a massa de rendimentos totais, que inclui renda do trabalho e benefícios de proteção social e previdenciário, se retraiu e 4% no quarto trimestre de 2020 em relação ao mesmo período do ano anterior. A retração nos rendimentos do trabalho, em conjunto com a redução do auxílio emergencial, antecipação do 13o salário de aposentados e pensionistas do INSS e a inflação mais alta, é responsável pelo resultado.
Com o recrudescimento dos casos de contágio pelo Novo Coronavírus e a redução dos estímulos fiscais, as perspectivas para o comportamento da economia brasileira no primeiro semestre foram revistas para baixo. Embora o total nominal do endividamento público esteja deveras pressionado, é bom lembrar que mesmo se o gasto público ficar parado, a relação dívida/PI piora se a economia recua. Dessa forma, a perspectiva já delineada de recessão no primeiro semestre de 2021 é a de elevação do percentual do endividamento.
Do ponto de vista externo, o Brasil voltou a atrair capital estrangeiro, pela farta liquidez que está retornando ao mercado global. Segundo dados do IIF, no segundo semestre de 2020 o ingresso superou os US$ 29 bilhões, principalmente concentrado em ações e na dívida. O Brasil já experimentava um resultado positivo na balança comercial e uma déficit historicamente baixo nas Transações Correntes. Em novembro e dezembro de 2020, no entanto, essa folga ficou menor. As revisões nas séries históricas do balanço de pagamentos – realizadas pelo Ibre/FGV – fizeram com que o déficit em conta corrente encerrasse 2020 em -0,9% do PIB (déficit de US$ 12,5bi).
Por fim, no que tange ao câmbio, o dólar bateu novas altas no mês de janeiro, e o Banco Central já torrou mais de US$ 1,5 bilhões em reservas cambiais, em dois leilões a vista, para segurar o valor da moeda. Ates disso o BC já tinha intervido para segurar a desvalorização do real com um leilão de US$ 1 bilhão em operação de swap cambial, um tipo de negociação que tem resultado equivalente a venda de dólares no tange aos efeitos na taxa de câmbio. Uma vez que o mercado futuro da moeda norte-americana é o mais líquido no Brasil, sempre que negocia swaps, o BC afeta também a cotação de dólar à vista.
Mercado de trabalho, políticas sociais e desigualdades
Do ponto de vista da política social e da problemática da desigualdade, o ano de 2021 pode ser ainda mais calamitoso. Isso porque, com o fim do auxílio emergencial, com a persistência de elevados índices de desemprego e com a queda da massa salarial total, a previsão é que até o final de 2021 a pobreza extrema se eleve entre 0,3 e 1,6% em relação a 2019.
Caso isso se confirme, do ponto de vista numérico estamos falando de algo como 3,4 milhões a mais de pessoas na extrema pobreza (até US$ 1,90) por dia. Se a comparação for com todas as linhas internacionais de pobreza, que perfazem o total de até US$ 5,50 dia, a pobreza pode subir 3,3% até o final de 2021, o que representativa mais de 7 milhões de pessoas nessa situação de vulnerabilidade social.
Em janeiro de 2021, o Brasil já tinha mais pessoas na miséria do que o verificado antes do começo da pandemia. Em geral, os jovens, os sem escolaridade, os nordestinos e os negros foram os mais prejudicados no que tange à contração da renda do trabalho. Não custa lembrar que a redução da pobreza que ocorreu no início dos anos 2000 até a crise de 2015-2016 foi o misto de políticas sociais específicas e crescimento econômico, no qual o segundo teve papel de mais destaque. Segundo estudo da FGV, partindo do patamar de 2019, o PIB per capita precisa crescer mais de 16% para que a pobreza seja organicamente radicada, ou seja, independente de políticas específicas de transferência de renda.
Do ponto de vista do Auxílio Emergencial, a principal política de transferência que o Brasil já experimentou, a sua continuidade está condicionada a diversas contrapartidas, buscando ajustar o prosseguimento da despesa dentro do Teto de Gastos. Muitos economistas têm reforçada a proposta de desindexação dos gastos obrigatórios, em uma tentativa de furar o piso de recursos que financiam setores tais como saúde e educação. Frente a resistência com relação a essa proposta foi aprovada, nos dois turnos do Senado Federal, a PEC 186, que recria um auxílio emergencial que caiba no valor total de 44 bilhões, com essa despesa sendo paga com créditos extraordinários e, portanto, fora do teto de gastos. A duração, a abrangência e o valor das parcelas ficarão a carga de definição pelo Executivo, mas, pelo valor liberado, sabe-se que o programa terá um escopo bastante reduzido em relação ao que foi o auxílio em 2020.
A PEC 186 foi fruto da unificação de duas propostas que já estavam tramitando no Congresso: a PEC emergencial e a PEC da pacto federativo. Em síntese, essas PEC criam novas regras fiscais com o objetivo de comprimir ainda mais o gasto público. A Proposta institui os chamados “gatilhos” mais cortes nos gastos públicos – tais como a proibição de criação de novos gastos, contratação de trabalhadores, reposição salarial pela inflação e promoção de funcionários públicos. Os gatilhos serão acionados sempre que as despesas obrigatórias atingirem 95% das despesas totais. A perspectiva de diversos institutos de pesquisa é que a economia brasileira ainda operará em déficit primário por mais seis ou sete anos. Isso significa que os gatilhos, diferentemente do auxílio emergencial, não são “emergenciais” e tendem a e perpetuar ao logo tempo, uma vez que só haverá aumento dos gastos discricionários – pela redução da participação das despesas obrigatórias nas despesas totais – quando a arrecadação for fiscal for superior ao crescimento das despesas.
Portanto, passaremos a conviver com quatro regras fiscais para contenção de gastos: a regra de ouro, a Lei de Responsabilidade Fiscal, o teto de gastos e os “gatilhos”.
Na esteira de propostas para a solução do problema fiscal e abertura de espaço no orçamento para o financiamento do Auxílio Emergencial, o grupo de pesquisa em Macroeconomia da Desigualdade (MADE/USP) elaborou recentemente um estudo que também contribui com o espectro de alternativas. Para os pesquisadores envolvidos no estudo em questão, políticas de taxação sobre a renda do 1% dos mais ricos poderiam prover políticas de financiamento a programas sociais para os 30% mais pobres. Além dessa medida não ter impacto fiscal, a sua execução ainda contribuiria significativa para a dinâmica de crescimento do PIB, pelo seu efeito multiplicador dada a maior propensão marginal a consumir dos mais pobres. Ou seja, além de não impactar as contas públicas, a medida contribuiria para a redução da relação Dívida Pública/PIB, na medida em que cresce o denominador. Por fim, essa medida também seria moralmente justa, uma vez que o 1% dos mais ricos apropria-se de quase 28% de toda a renda nacional, fenômenos só verificado em país como o Qatar, sem paralelo nas demais economias desenvolvidas.
No que tange ao mercado de trabalho, as condições gerais do seu soerguimento ainda estão longe de se normalizar. A última PNAD, do mês de novembro, registrou uma leve redução da taxa de desemprego, para 13,0%, mas – feitos os ajustes sazonais – a taxa fica em 14,8%. Não só o desemprego não arrefece quanto as novas contratações sugerem uma maior precarização das condições laborais. Metade das vagas formais que foram abertas em 2020 são de trabalhadores que não dispõem nem de salário nem de jornada fixa, o chamado trabalho intermitente. Ainda que o estoque total desse tipo de ocupação seja deveras baixo no mercado de trabalho brasileiro, o movimento expresso no ano de 2020 pode indicar a tendência de seu crescimento.
Por fim, o governo federal estuda um novo programa de proteção ao emprego formal em substituição ao BEm. O Ministério da Economia quer reformular o modelo para amortecer o impacto fiscal, usando recursos do FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador). A proposta é adiantar as cotas do seguro-desemprego a que o trabalhador teria direito para compensar o corte de salários durante a crise. Técnicos do Ministérios asseguram que a antecipação do valor não significa que o trabalhador perderá o direito ao seguro-desemprego, mas – em caso de demissão – o trabalhador somente poderá sacar novamente o auxílio depois de cumprido tempo de carência.
O Boletim de Política Econômica do IREE é produzido pela economista-chefe Juliane Furno e pelos assistentes de pesquisa Daniel Fogo, Lígia Toneto e Matias Rebello Cardomingo.
Leia também

O consumo das famílias como motor do PIB
Continue lendo...
A regulamentação do mercado de carbono no Brasil
Continue lendo...
Live: O PAC e o Projeto de Desenvolvimento
Continue lendo...