Confira aqui a análise sobre Política Monetária e Política Fiscal produzida pelo Centro de Estudos de Economia do IREE, na edição semanal do Boletim Econômico de dezembro de 2021!
Mais uma vez, em sua 243ª Reunião, o Comitê de Política Monetária elevou a taxa básica de juros, levando-a ao patamar de 9,25% ao ano. Ademais e tudo o mais constante, já se contratou um novo aumento de mesma magnitude para a próxima reunião a ser realizada no início de 2022. A bem da verdade, nos últimos anos, a taxa de juro real no Brasil atingiu mínimas históricas, no entanto, com a grande elevação da taxa básica nominal que estamos vivendo e com a elevação, por conseguinte, da taxa real, buscamos, neste Boletim, apresentar explicações alternativas ao que comumente é apontado por analistas de mercado tanto para os elevados níveis da taxa de juros real, quanto pela amplitude dos movimentos que toma a taxa nominal pelo menos desde meados dos anos 1990.
Gráfico 1 – Taxa de Juro Real – construído a partir da Taxa Selic Over, descontadas as expectativas de mercado do IPCA acumulado para os 12 meses seguintes.
Fonte: BCB. Elaboração CEE/IREE
Não é difícil encontrar opiniões fatalistas quanto a justeza da rápida e ampla elevação da taxa básica que temos experimentado. Como temos argumentado em nossos últimos boletins, a natureza da inflação atual se deve a choques de custos. Com a renda das famílias há muito combalida, em razão da alta taxa de desemprego que tem nos acompanhado nos últimos anos e que se agravou com a pandemia, ou mesmo mais recentemente pelos próprios efeitos da inflação sobre a renda daqueles que dela não conseguem se proteger, a elevação da taxa básica tem sido racionalizada pela grande maioria dos economistas como necessária frente a “desancoragem” das expectativas de inflação para 2022 e 2023, seja esse fenômeno oriundo da própria surpresa causada pelos choques de custos com que os analistas de mercado foram tomados sobretudo a partir de março de 2021, seja pela incerteza fiscal gerada pela gestão desastrosa do Ministro da Economia.
André Lara Resende, em evento recente no TCU, questionou a suficiência do arcabouço teórico que guia as decisões dos formuladores da política monetária. Segundo ele, esta insuficiência teórica decorreria do fato de que as decisões são tomadas com base em variáveis não observáveis como o produto potencial, a taxa de juro neutra e as expectativas de inflação. Ao observarmos a recorrente utilização do argumento fundado na “desancoragem” das expectativas, bem como a lógica autorreferenciada prevalecente no debate, isto é, a justificativa do modelo com base na lógica interna do próprio modelo, evidencia-se o alto poder explicativo advindo da literatura econômica que trata sobre a formação de convenções entre agentes de mercado de forma a enfrentar um futuro incerto.
Chernavsky (2007) cita Keynes “[…] pois o seu valor observado depende sobremaneira do valor futuro que se lhe prevê. Qualquer taxa de juros aceita com suficiente convicção como provavelmente duradoura será duradoura; […]” (Keynes, 1983, pp.144) e aponta que o sentido de tal afirmação está no fato de que o valor da taxa de juro não estaria fundamentado na observação de outras variáveis econômicas que explicariam seu nível, mas sim “por ser a taxa definida a partir de uma convenção em que os participantes do mercado a elegeram como válida”. O autor segue ao apontar que a lógica descrita por Keynes é denominada como auto-referencial, isto é, uma lógica em que os “agentes não procuram identificar o valor intrinsicamente ‘correto’ de uma variável (racionalidade fundamentalista), nem tampouco buscam prever o valor que outros agentes possam considerar como sendo o correto (racionalidade estratégica), mas o valor que todos os agentes consideram como sendo a opinião majoritária do grupo[…]”.
Nesse caso, não seria difícil aventar a hipótese de que, ao se formarem convenções, forma-se também um determinado tipo de “solidariedade” entre os agentes que partilham daquela convenção. Assim, pode-se pensar em uma atuação corporativa dos agentes credores, aos quais interessa diretamente a elevação dos juros em uma economia cujo instituto da indexação financeira permanece. Dessa forma, segundo essa visão, o alto nível da taxa de juros real que prevaleceu no Brasil nos últimos 25 anos, com períodos excepcionais, seria resultado de uma convenção formada pelos agentes de mercado acerca desse assunto, justificadas a partir de um modelo que se pauta em variáveis não observáveis.
Por outro lado, Nakano (2005) e Terra e Dornelas (2021) apontam para a fusão do mercado de reservas bancárias ao mercado de dívida pública como uma característica da institucionalidade brasileira responsável pelos altos níveis de juro real. Este fenômeno, a fusão do mercado de reservas e do mercado de dívida pública, gera uma serie de anomalias, dentre as quais citamos a existência de uma relação de substituição quase-perfeita entre títulos públicos federais pós-fixados e as reservas bancarias, o encurtamento dos prazos médios da dívida pública federal e a alta remuneração para as reservas bancarias, o que determina um alto custo de oportunidade para o emprestador.
Em relação a grande amplitude das elevações da taxa básica nominal que são necessárias para levar a inflação à meta fixada, uma boa hipótese pode ser encontrada em Oreiro e Paula (2021). Os autores apontam para uma redução da eficácia da política monetária a partir de uma inoperância do “efeito riqueza”, fato oriundo do grande peso que títulos pós-fixados possuem na composição do estoque da dívida pública mobiliaria federal. Diferentemente do que ocorre em outros países onde o estoque da dívida pública constitui-se de títulos pré-fixados, quando se eleva a taxa de juro básica no Brasil, há uma valorização patrimonial para os detentores de títulos pós-fixados, o que enfraquece o efeito total de redução da demanda agregada objetivado por elevações da taxa básica. Neste caso, com a reduzida eficiência da política monetária devido a esse fenômeno, são necessárias elevações amplas da taxa básica nominal de forma a controlar a inflação, o que acaba por determinar um grande sacrifício em termos de atividade econômica.
Por fim, vale dizer, longe de querer questionar de forma intempestiva o modelo de metas de inflação e encontrar respostas definitivas, o texto, aqui apresentado, busca suscitar o debate acerca de desarranjos do modelo atual que podem ser corrigidos. Vale também frisar que seria indispensável aos ajustes na institucionalidade brasileira um contexto de incertezas fiscais e políticas reduzidas.
Referências:
NAKANO, Y. O Regime Monetário, a Dívida Pública e a Alta Taxa de Juros. Conjuntura Econômica, vol. 59, no 11, p.: 10-12, novembro, 2005
CHERNAVSKY, E. Sobre a construção da política econômica: uma discussão dos determinantes da taxa real de juros no Brasil. 2007. Dissertação (Mestrado em Teoria Econômica) – Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2007.
TERRA, F, H, B; DORNELAS, L, N, D. SELIC: O mercado de dívida pública. Campinas: Alínea, 2021
OREIRO, J. L; PAULA, L. F. de. MACROECONOMIA da estagnação brasileira. Alta Books, Rio de Janeiro, 2021
KEYNES, J.K. Teoria Geral do Emprego, do Juro e do Dinheiro. São Paulo, Abril
Cultural, 1983
O Boletim de Política Econômica do IREE é produzido pela economista-chefe Juliane Furno e pelos assistentes de pesquisa Daniel Fogo e Lígia Toneto.
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