Confira aqui a análise sobre setores produzida pelo Centro de Estudos Econômicos do IREE, na edição semanal do Boletim de março de 2021!
O destaque é o impacto sobre os empregos provocado pela demora na recuperação do setor de serviços.
A crise provocada pelo coronavírus é, sem dúvidas, uma dura crise para a vida das pessoas. Não só pelos milhares de óbitos diários e pelas mudanças nos padrões de vida e organização social, mas pelo profundo impacto no mercado de trabalho. Setorialmente, uma recuperação descompassada implica em uma recuperação desigual nos empregos e em um aumento da desigualdade. As medidas de renda e contenção da crise garantiram que a queda do PIB em 2020 fosse menos expressiva do que as projeções do primeiro semestre apontavam e mesmo em comparação com outros países – o PIB brasileiro encolheu 4,1% em 2020 frente à queda média de 7,4% para os países da América Latina. Cabe destacar que o FMI chegou a projetar em junho que a retração do PIB brasileiro seria de -9,1%.
Contudo, a partir de uma análise setorial, é possível inferir que o emprego foi mais afetado, também pelo perfil da crise atual que impactou sobremaneira o setor de serviços em comparação com os demais setores da economia. O quarto trimestre de 2020, frente ao mesmo período de 2019 tinha 8,9% a menos da população ocupada, o equivalente a 8,4 milhões de empregos. O Programa de Manutenção de Emprego e Renda (Bem) foi fundamental para que o impacto fosse menor no setor formal, entretanto, não alcançou a grande massa de informais – que cresceu significativamente nos últimos anos – e representava mais de 40% dos trabalhadores brasileiros. Esse grupo, teve como principal amparo o Auxílio Emergencial. O gráfico 1 mostra como a recuperação da atividade foi muito mais veloz que a dos empregos.
O quadro do mercado de trabalho, junto as características da crise do coronavírus, culminou em impactos e retomadas setoriais diversos de outras recessões na história. Estudo realizado pelo IBRE-FGV comparou a queda e a retomada nos setores da economia e apontou que havia um padrão nas últimas nove crise enfrentadas pela economia brasileira de movimentos de baixa e alta puxados, sobretudo, pela atividade industrial. A indústria teria maior demora também em se recuperar, já o setor de serviços cumprira um papel estabilizador – menor queda e mais rápida recuperação. No caso da atual crise, os sinais estão trocados.
O estudo aponta que, apesar da brusca queda, em 7 meses o PIB já havia recuperado 87% das perdas. Setorialmente, a indústria e o comércio já haviam superado o patamar pré-crise, com recuperações de 122% e 112%, respectivamente. Os serviços, por seu turno, haviam recuperado apenas 84%. Em comparação com crises anteriores, a pesquisa aponta que a recuperação vai na contramão de outras crises observadas: o PIB, na mediana das crises anteriores, havia se recuperado apenas 48%, a indústria 22% e o comércio 16%. Os serviços, em contraste, cujo papel geralmente era estabilizador, apresentou mediana de recuperação após o mesmo tempo de 128%. Ou seja, a economia apresentou maior vigor na recuperação, contudo, a composição do combustível para a arrancada foi diferente do que conhecemos.
Como já ressaltado nos últimos boletins, os programas de renda – em especial o auxílio emergencial – foram capazes de manter a demanda aquecida no ano de 2020 – com mais força nos primeiros meses, em que o valor do benefício era de R$600 – sustentando o consumo de itens de sobrevivência, como alimentos, e outros bens como eletrodomésticos, eletrônicos, computadores, celulares, mobiliário, material de construção. Esse movimento foi o principal responsável pelo aquecimento do comércio e da indústria, que conseguiram ter recuperação mais célere. A agropecuária, com menor relação com a demanda doméstica, foi menos afetada e chegou a ter crescimento no ano.
Apesar de retomar o patamar pré-crise quanto à produção, o PIB em todos os setores apresentou queda e os empregos foram duramente impactados. A exceção coube à agropecuária, que registrou expansão de +2,0% e ligeira expansão nas vagas, de +2,7%, equivalente à 227 mil novos empregos. Ou seja, uma vez que a agropecuária é pouco intensiva em trabalho, mesmo o seu soerguimento é deveras insuficiente para conter a perda geral de postos de trabalho. Na indústria, o recuo na atividade foi de -3,5% no ano, e a população ocupada no setor no quarto trimestre era 10,3% inferior quarto trimestre de 2019, o que significa 1,2 milhões de pessoas a menos empregadas. Quanto ao comércio, a queda foi de -3,1%, e o emprego também amargou uma redução de 10,9%, quase 2 milhões a menos de ocupações.
Com o pior desempenho, o setor de serviços encolheu -4,5% e ainda não recuperou o patamar pré-pandemia. Apesar da ligeira recuperação no último trimestre, o resultado sobre o emprego, por seu turno, é ainda mais impactante: o quarto trimestre de 2020 foi encerrado com menos 9,3% da população ocupada no setor, equivalente à 4,5 milhões de pessoas. A construção civil, também duramente impactada, teve queda de 7,0% na atividade, e perdeu 11,8% dos empregos, ou 802 mil vagas.
O cenário da atual crise onerou demasiadamente não só o setor de serviços enquanto atividade, mas sua maior fragilidade que são os milhões de trabalhadores informais do país, com pouca segurança trabalhista. Esse efeito pode ser observado pela queda expressiva da população ocupada em “outras atividades de serviços” (que engloba serviços domésticos) – onde há predominância da informalidade e de mulheres – que foi responsável por metade dos empregos perdidos no setor. Em termos de atividade, o tombo do segmento no ano foi de 12,1%. Também foi deveras impactado o setor de alojamento e alimentação – muito dependente das atividades presenciais, com recuo de quase 30% da população ocupada.
Os primeiros indicadores de 2021 não apontam um quadro de aceleração da recuperação. Pelo contrário, apontam um arrefecimento da retomada. Os dados de janeiro apontam que a indústria perdeu fôlego de recuperação e o comércio voltou a patamar inferior à antecedência do choque. Os serviços continuam abaixo do patamar pré-crise. O fim dos programas de manutenção da renda nos dois primeiros meses do ano parece já refletir no desaquecimento da economia. Somado a isso, o agravamento da pandemia com a explosão de casos e óbitos por Covid-19 – que se aproximam a passos largos de somarem 300 mil – e a disseminação de novas cepas do vírus comprometeram a economia e impuseram a necessidade de medidas mais restritivas de isolamento social. Nesse quadro, a lotação dos hospitais em diversos estados do país agravou a emergência sanitária e a incerteza na economia. A ausência de um plano efetivo de vacinação, que ainda não imunizou com duas doses nem 2% da população, contribuiu para o retardamento da retomada e queda das expectativas.
Na semana passada, junto da aprovação da PEC Emergencial – que determina gatilhos para o corte de gastos tanto a nível federal quanto estadual e municipal – foi aprovado orçamento de R$44 bilhões para a renovação do Auxílio Emergencial, sendo que mais de 40% dos beneficiários receberão R$150. O valor aprovado seria o equivalente a um mês apenas do benefício integral de R$600 que vigeu entre abril e setembro de 2020. A medida foi a principal proteção aos trabalhadores informais no ano passado. Com relação aos trabalhadores formais, o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e Renda (BEn), que contemplou 9,8 milhões de trabalhadores em 2020, também tramita para ter novas parcelas aprovadas.
No novo formato, contudo, ao invés da compensação salarial mediante redução de jornada o governo está propondo um “seguro-emprego”, no valor de R$500 por 11 meses, com compensação financeira pela antecipação do “seguro-desemprego”, com recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). Essas medidas devem garantir uma retomada da demanda doméstica, porém com impacto reduzido sobre a atividade em comparação com o efeito observado em 2020 pela redução dos benefícios.
O setor financeiro, que responde muito mais às oscilações na política do que estritamente à atividade econômica, foi parte relevante da pressão sobre o governo e Congresso para que os benefícios fossem reduzidos e que os gatilhos da PEC fossem aprovados em conjunto. O segmento avalia o risco fiscal dos programas como algo prejudicial, mesmo que seja consensual em diversas análises a importância que os programas tiveram em garantir que o tombo da economia brasileira em 2020 não fosse mais drástico.
Em um quadro em que o emprego apresenta maior letargia em se recuperar e que o setor de serviços, maior empregador, é o maior prejudicado pela crise, políticas de renda são fundamentais não só para sustentar a demanda interna como são tão importantes quanto a vacina em garantir a sobrevivência da população. Como apresentado na nota, os serviços, que cumpriram em crises passadas papel estabilizador, atualmente têm puxado a economia para baixo, por sua dificuldade em se recuperar. Entretanto, embora os demais setores tenham mostrado maior resiliência, também não logram garantir maior estabilidade, estando sujeitos à choques, sobretudo pelo desaquecimento da demanda. Diante desse quadro, o papel histórico do governo frente a crises de atuar para a recuperação econômica aparece como ainda mais fundamental.
O Boletim de Política Econômica do IREE é produzido pela economista-chefe Juliane Furno e pelos assistentes de pesquisa Daniel Fogo, Lígia Toneto e Matias Rebello Cardomingo.
Veja também:
Boletim Semanal de Política Econômica – Março de 2021 – Mercado de trabalho
Boletim Mensal de Política Econômica – Fevereiro de 2021
Boletim Mensal de Política Econômica – Janeiro de 2021
Boletim Mensal de Política Econômica – Dezembro de 2020
Boletim Mensal de Política Econômica – Novembro de 2020
Boletim Mensal de Política Econômica – Outubro de 2020
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