Confira aqui a análise sobre políticas fiscal e monetária produzida pelo Centro de Estudos Econômicos do IREE, na edição semanal do Boletim de março de 2021!
O destaque na análise sobre a política fiscal é o abandono da agenda liberal pelo governo Bolsonaro e a insuficiência de sua gestão em trazer respostas à crise econômica e social.
Sobre a política monetária, o Boletim trata da controversa decisão tomada pelo Conselho de Política Monetária (Copom) de aumentar a taxa Selic para 2,75% ao ano.
Confira!
Política Fiscal
A adesão do presidente Jair Bolsonaro ao ideário liberal sempre esteve sob dúvidas. Desde 2018 analistas indicam como sua união com Paulo Guedes deveria ser lida mais como conveniência do que convicção. Ainda assim, foi dado o benefício da dúvida ao novo governante.
Em um primeiro momento chegou a parecer que sairia vitorioso quem tivesse apostado na mudança de postura do ex-deputado federal: foi aprovada a Reforma da Previdência, o governo propôs uma nova rodada de reformas trabalhistas e o agora ministro Paulo Guedes prometia a todo instante novas reformas e privatizações.
Com o tempo essa primeira impressão foi se esvaindo, até que a pandemia tornou a tarefa de colocar o Estado como inimigo do crescimento impossível, afinal, só restava o setor público para coordenar ações e reduzir danos. Assim, os funcionários da ala liberal do governo deixaram seus cargos um a um, por fim, a demissão de Castello-Branco do comando da Petrobras marcou um despertar tardio de parte da imprensa para o abandono da agenda liberal pelo governo.
Contudo, como não é recomendável para qualquer incumbente abandonar a coalizão responsável por sua eleição, é sempre preciso reafirmar os compromissos de campanha. Nesse sentido, a agenda fiscal e o ajuste das contas públicas está no centro do debate do setor empresarial que embarcou com o governo, fosse na esteira de Guedes, ou não.
Acontece que as últimas semanas talvez tenham sido, também, as últimas oportunidades de aprovar reformas substanciais e elas mostraram um executivo bastante atento às bases eleitorais, mas com ouvidos moucos para a pauta do mercado. No caso da Emenda Constitucional 109/21, a PEC Emergencial, a desidratação da proposta original foi generalizada e dentre as várias reformas anunciadas pelo governo, apenas a do RH do Estado ainda tem chances de ver a luz do dia ainda nesse mandato – segundo têm afirmado Arthur Lira (PP-AL). A reforma tributária, por sua vez, parece ter ido para o vinagre com a aproximação do cenário eleitoral.
No caso da PEC Emergencial é interessante notar que sua primeira versão apresentava a parte crucial dos mantras de Paulo Guedes desde que chegou a Brasília. Tratava-se de encaminhar o segundo D da tríade Desindexar-Desvincular-Desobrigar, eliminando o piso de gasto para saúde e educação.
Como a PEC misturava questões de médio e longo prazo como essa, com questões urgentes como a liberação do crédito para pagamento do Auxílio Emergencial de 2021, o Senado rapidamente mostrou oposição à proposta. Buscando negociar, o governo propôs a unificação dos pisos, novamente não teve sucesso e o trecho foi eliminado.
A proposta inicial também incluía um regime diferenciado para momentos de crise orçamentária com a possibilidade de redução da jornada de trabalho e dos salários do funcionalismo e a interrupção da progressão das carreiras. Com ambas as medidas previa-se uma economia da União na ordem de R$ 65,1 bilhões em 10 anos. Nada disso foi aprovado no texto final e a economia de recursos prevista para o mesmo período será 19% desse valor.
Fosse a desobrigação do presidente com a pauta liberal completa, ao menos seria possível traçarmos uma política condizente com o momento pandêmico, dando respostas à crise na magnitude em que ela demanda. Nos Estados Unidos, por exemplo, já está sendo discutido um segundo pacote da gestão Biden com foco na transição energética e no valor de US$ 3 trilhões. Após um ano de déficit primário de 15% do PIB, projeta-se que o país vá incorrer em outro déficit de 10% em 2021, enfim, trata-se de esforços de guerra.
Apesar das mortes, em número seis vezes maior do que na Guerra do Paraguai, nosso governo não parece agir sob emergência, nem tampouco dimensionar o tamanho do buraco. A provisão de recursos para o Auxílio Emergencial de 2021 é limitada a R$ 45 bilhões, incluindo os custos administrativos da verificação de cadastros pelo DataPrev e a gestão dos pagamentos pela Caixa. O montante é equivalente a um sétimo do que foi pago no ano passado, sendo que o benefício atingirá o valor de R$ 375 apenas para 9,6 milhões de famílias, enquanto para a maior parte (20 milhões) o valor será de apenas R$ 150, um quarto do benefício inicial pago em 2020.
Não bastasse a insuficiência na resposta, o governo ainda acrescentou à EC uma nova estrutura de regra fiscal, tornando ainda mais complexa a relação com as outras já existentes (Lei de Responsabilidade Fiscal, Regra de Ouro e Teto). Agora a União terá gatilhos automáticos de ajuste da despesa, principalmente sobre a folha de salários, toda vez que a despesa obrigatória atingir 95% da despesa corrente.
É interessante observar que, apesar dos gatilhos serem severos, como no caso do congelamento de salários, a Instituição Fiscal Independente (IFI) projeta que esse limite será atingido apenas em 2025, sem afetar o atual governo. Além disso, também identificam que é provável um rompimento do Teto antes mesmo do gatilho ser acionado, ou seja, provável que funcione como uma regra “para inglês ver”.
Tal como a indefinição do presidente em seu posicionamento sobre vacinas e máscaras, a postura titubeante com relação ao papel do governo nessa crise produz ainda mais prejuízos e incertezas.
Como pode ser visto na Figura 1, o cenário fiscal brasileiro exige cautela, nossos gastos acumulados em 12 meses superam as receitas para um mesmo período desde o final de 2014. Em janeiro desse ano o déficit acumulado em 12 meses somou 10% do PIB e espera-se que esse valor atinja R$ 241 bilhões ao final do ano.
A boca de jacaré ao final do gráfico mostra a magnitude do esforço fiscal feito no enfrentamento à pandemia, mas isso ainda é insuficiente. No dia 23 de março, 64 dias desde que Mônica Calazans recebeu a primeira dose aplicada no Brasil, 12,351 milhões de pessoas haviam sido vacinadas, o que representa um ritmo que exigiria mais 972 dias para vacinar o restante da população. É diante desse cenário que o governo se nega a aumentar o valor do auxílio.
A indefinição do governo se torna ainda mais problemática quando reparamos em seu casuísmo eleitoral para definição de novos gastos. No intervalo de poucos dias vimos o Executivo federal autorizar ao menos três aumentos de gastos, com apenas um deles definindo novas receitas.
O primeiro foi a isenção do PIS/Cofins sobre óleo diesel e gás de cozinha, dois temas sensíveis ao governo, que acarretaram em um custo fiscal próximo de R$ 3,6 bilhões. Nesse caso houve compensação na mesma medida provisória (MP nº 1034) com aumento da Contribuição Social sobre Lucros Líquidos para instituições financeiras até o fim do ano.
A segunda medida consistiu no perdão de dívidas tributárias de igrejas no valor de R$ 1,4 bilhões em três anos, algo aprovado através da derrubada de um veto presidencial pelo Congresso com o aval do Presidente – novamente, um veto para alguém ver, não o Orçamento. Por fim, houve também a aprovação do reconhecimento como deficiente físico pessoas monoculares – cegas de um único olho – conforme projeto defendido por Michelle Bolsonaro ao custo de R$ 5 bilhões ao ano. Tudo isso sem contar a pressão crescente por mais um Refis, que guardaria a marca de 41ª renegociação desde o ano 2000.
Diante desse cenário de indeterminação por parte do Executivo, nem a esperança liberal de início de mandato, muito menos a resposta à pandemia podem ser satisfeitas. Um momento no qual a ação do governo federal era a única capaz de promover a coordenação dos entes subnacionais e prover recursos em montante suficiente para enfrentar a crise, assistimos a um governo errático em projeto e firme em beneficiar seus aliados mais próximos.
Tamanha indefinição é e continuará sendo insuficiente para propor saídas aos nossos problemas, sejam eles a necessária transição energética, ou até mesmo a trajetória de nossa dívida que deve atingir 92,7% do PIB ao final do ano.
Política Monetária
Nosso boletim de Política Monetária de Março/21 trata tanto da controversa decisão tomada no dia 17 de Março pelo Conselho de Política Monetária (Copom) de aumentar a taxa Selic de 2.00% para 2.75% ao ano, bem como sinalizar a perspectiva de que se inicia um período de alta na taxa básica, fato esse que não ocorria desde 2016. Ademais, discutiremos os motivos apresentados pelo Copom para tal decisão e os principais argumentos daqueles que pressionavam por essa alta. Por outro lado, também analisamos os principais argumentos daqueles que têm criticado sistematicamente essa elevação, sobretudo num momento de grande catatonia da atividade econômica.
Em seu comunicado oficial sobre a 237ª Reunião, o Copom aponta para alguns fatores que atualizam seu cenário base. Em primeiro lugar, o comitê acredita que os estímulos monetários e fiscais nas economias centrais tendem a persistir.
Sobre a economia brasileira, aponta-se que os números de atividade do 4º trimestre de 2020 expressam uma retomada consistente, embora não reflitam a nova situação da pandemia no Brasil, o que indica ainda um nível de incerteza “acima do usual” quanto ao crescimento brasileiro. Ainda, o comitê reafirma o que já vinha apontando em publicações anteriores, isto é, embora os choques altistas nos preços das commodities que têm elevado as projeções de inflação tem se mostrado mais persistentes do que o inicialmente interpretado, acredita-se que este seja um fator temporário.
Nesse sentido, o comunicado afirma também que “as medidas de inflação subjacentes apresentam-se acima do intervalo compatível com o cumprimento da meta para a inflação”. Não obstante, o Copom sublinha que em seu cenário básico permanecem fatores que apontam para as duas direções – a alta e a baixa. Ou seja, o agravamento da pandemia pode atrasar o processo de recuperação econômica e, portanto, permitir um arrefecimento da inflação, ao mesmo tempo em que a possibilidade de deterioração das contas públicas dada a continuidade de estímulos fiscais, pode sinalizar no balanço de riscos para uma necessidade de alta da taxa básica. Assim, o comitê avalia que esses fatores refletem um cenário de “maior variância para a inflação prospectiva”. O comitê optou, dessa forma, por iniciar “um processo de normalização parcial, reduzindo o grau extraordinário do estímulo monetário”.
Como argumenta o economista José Júlio Senna em publicação no Blog do IBRE, a justificativa para uma elevação da taxa básica passa por uma análise dos indicadores de preços. Ao se observar os dados do IPA (Índice de Preços ao Produtor Amplo) por estágios de processamento, é perceptível a dificuldade de repasse ao longo da cadeia produtiva do aumento de custos aos preços de bens finais, o que pode indicar uma acomodação futura que pressiona os índices de inflação. O Relatório de Março do IGP-M, nos traz que em relação ao IPA a taxa de crescimento dos preços acumulada em 12 meses de Bens Finais, Intermediários e Matérias-Primas Brutas é respectivamente de 20.64%, 35.70% e de 73.10%.
O IGP-M referente ao 2º Decêndio de Março registrou aumento de 2.98% frente a 2.29% no mês anterior. Como principais influências positivas no índice, o relatório aponta para o aumento nos preços de combustíveis como a gasolina, o óleo diesel e o etanol, bem como de commodities minerais, tanto através do IPA (Índice ao Produtor Amplo) pelo Minério de Ferro, como pelo aumento de preços de produtos que são constituídos por minerais pelo lado dos custos em outros componentes do índice – por exemplo, o preço de tubos e conexões de ferro e aço no INCC (Índice Nacional da Construção Civil).
Assim, dadas as perspectivas inflacionárias, muitos economistas de distintas matrizes teóricas desde antes da reunião do Copom têm defendido a necessidade de aumento da taxa básica de juros, entretanto neste grupo, além de diferentes justificativas apresentadas, não há consenso quanto à velocidade de subida da taxa básica. Não obstante, há ainda aqueles que preocupados com a depressão econômica, advogaram pela manutenção do nível de 2.00% a.a..
Entre os que defendem a necessidade de subida da taxa básica, o argumento principal é citado: o de que as expectativas de inflação se elevaram, fazendo com que o cumprimento da meta de inflação esteja em risco. Como vimos acima, a inflação de fato é um problema a ser contido, ainda mais quando sua incidência corrói sobretudo a renda daqueles que vivem pela refeição seguinte.
O aumento de juros afeta a inflação por dois mecanismos. Por um lado, ao se aumentar os juros, se reduz a demanda agregada da economia. Por outro, a subida dos juros aqui aumenta o diferencial entre os juros internos e os juros internacionais, o que atrai capitais de curto-prazo que, mesmo altamente voláteis, acabam por liderar um movimento de apreciação da moeda brasileira, o que por sua vez, faz com que os preços em reais de tradables – incluídos aqui as commodities – caiam. O primeiro mecanismo apontado por si só não seria capaz de reduzir os principais preços responsáveis pela inflação, pois a elevação do preço das commodities é um fator que tem atuado pelo lado dos custos. Já o segundo fator certamente tem a possibilidade de impedir uma desvalorização mais drástica do câmbio. Nesse campo, o debate se concentra sobretudo na velocidade de ajuste altista da taxa básica.
Assim, existem aqueles que advogam por uma subida mais célere e aqueles que olham com mais preocupação para as perdas em termos de atividade econômica. Para o primeiro grupo, um rápido ajuste e uma sinalização mais dura do Copom são importantes de forma a ancorar as expectativas inflacionárias. Quando os detentores da dívida pública brasileira olham para o futuro e enxergam que os juros pagos não cobrem a inflação, ou seja, que há um processo de redução patrimonial, pode-se desencadear uma corrida para outros ativos, seja para ativos fora do país ou para ativos reais. Para o segundo grupo, o argumento passa – basicamente – pela ideia de que a demanda está ainda muito fraca, o que pode se agravar com uma rápida alta da taxa básica. Nesse sentido, para estes, o melhor seria ter cautela e subir lentamente a taxa básica.
Assim, como aponta José Júlio Senna, embora a Autoridade Monetária deva ser independente não só de governos, mas também do mercado, nem sempre é sábio contrariar frontalmente este último. Outrossim, o jornalista Alex Ribeiro em matéria no Valor Econômico nos apresenta uma interessante diferenciação entre as duas visões, apontando que uma subida mais lenta dos juros reflete uma visão de maior cuidado que o Copom deve ter, pois diferentemente de operadores de mercado que defendem uma subida mais rápida, o BC não pode simplesmente contornar um erro fechando uma posição.
Entre aqueles que defendiam, por enquanto, uma manutenção dos juros a 2.00%, o argumento principal passa, para além da perspectiva de recessão, pela ideia de que uma subida dos juros agora pouco ou nada influirá na inflação, uma vez que essa advém pelo lado dos custos. Para além disso, a forte inclinação da curva de juros, para estes, é mais resultado de uma inação do Banco Central, do que do chamado “risco fiscal”.
Nesse sentido, a decisão do Copom em elevar a taxa básica em 0.75 pontos percentuais e sinalizar já novo aumento de 0.75 na próxima reunião expressa esse dilema entre acalmar ânimos do mercado e, assim, “ancorar” as expectativas de inflação, bem como tentar garantir o menor custo possível em termos de desaquecimento da atividade econômica no futuro.
A bem da verdade, o cenário atual da pandemia implementa um fator de incerteza que contamina qualquer previsão de tendência. Porém, ao contrário do que muitos têm apontado como um choque de custos temporário, nós acreditamos que há grande possibilidade de maiores elevações nos preços internacionais de commodities a médio e longo prazos a partir de dois mecanismos: por um lado, se se confirmarem os temores quanto a uma aceleração da inflação nos EUA, é possível que haja um redirecionamento de recursos de fundos indexados para commodities de forma a se proteger da inflação. Por outro, como argumentam analistas do Goldman Sachs, pode-se desenhar um cenário de reconversão industrial baseada em matrizes energéticas limpas que, por consequência, poderá afetar o nível dos preços de commodities. Ademais, é sabido que no Brasil o período entressafra, Soja e Milho são bons exemplos, é acompanhado por elevações sazonais de preços, o que poderá pressionar ainda mais o preço dos alimentos. Ou seja, à medida em que os países desenvolvidos se recuperarem economicamente, poderemos ver o dilema entre inflação e atividade econômica derrubada ainda mais forte.
A economia brasileira é muito grande para que se aceite ficar à mercê de preços internacionais que muitas vezes nada tem a ver com as condições internas. Nesse sentido, é importante rediscutir a política de preços de combustíveis e a retomada de estoques reguladores no setor de alimentos. Um exemplo claro e que altera de forma significativa um fator consensualmente importante para o crescimento econômico como a maior previsibilidade e estabilidade econômica, política e social é a questão da soberania alimentar. Muitas vezes, seguir cegamente o preceito de que os mercados são eficientes e todo e qualquer preço deve ser livre pode prejudicar e muito o país. A construção de uma economia nacional mais sólida passa indelevelmente por encontrar um equilíbrio entre o espaço de atuação do Estado e do mercado.
O Boletim de Política Econômica do IREE é produzido pela economista-chefe Juliane Furno e pelos assistentes de pesquisa Daniel Fogo, Lígia Toneto e Matias Rebello Cardomingo.
Veja também:
Boletim Semanal de Política Econômica – Março de 2021 – Setores
Boletim Semanal de Política Econômica – Março de 2021 – Mercado de trabalho
Boletim Mensal de Política Econômica – Fevereiro de 2021
Boletim Mensal de Política Econômica – Janeiro de 2021
Boletim Mensal de Política Econômica – Dezembro de 2020
Boletim Mensal de Política Econômica – Novembro de 2020
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