Confira aqui a análise sobre mercado de trabalho, desigualdades e políticas sociais produzida pelo Centro de Estudos Econômicos do IREE, na edição semanal do Boletim de março de 2021!
A taxa de desemprego, uma medida usualmente utilizada para mensurar o grau de deterioração do mercado de trabalho, precisa ser repensada nesse momento. Isso porque só é considerado desempregado – seguindo a metodologia internacional – aqueles trabalhadores que não exerceram atividades remuneradas na semana de referência da pesquisa nem procuraram trabalho. Em momentos de pandemia, como o atual – com restrições legais e/ou voluntárias a mobilidade social – a procura por trabalho arrefece, embora cresça a proporção de pessoas que deixaram a força de trabalho.
Dessa forma, em função das restrições à interação social e a própria dinâmica deteriorada do atual mercado de trabalho, a procura por trabalho deixa de ser o melhor indicador. Nível de ocupação e pessoas fora da força de trabalho oferecerem melhores pistas para uma avaliação mais global do fenômeno em questão.
Em que pese o desemprego estar em quase 14% no último trimestre móvel analisado, o nível ocupação – ou seja, o total de pessoas efetivamente ocupadas – é de menos da metade, perfazendo 48,9% da força de trabalho. Já o nível de pessoas fora da força de trabalho é bastante elevado, chegando a 43,2%. Ou seja, esse percentual faz referência àquelas pessoas que nem estão ocupadas, nem estão procurando emprego.
O percentual de mulheres fora da força de trabalho foi bastante expressivo como decorrência da pandemia. Houve uma variação negativa de 14% no total de mulheres que estavam na força de trabalho no último trimestre de 2019 em relação ao terceiro trimestre de 2020.
Esse fenômeno liga-se à estrutura própria do mercado de trabalho, mas reflete desigualdades estruturais de gênero, com as mulheres tendo maior responsabilidade pelo cuidado da casa e dos filhos.
Estudo recentemente divulgado pelo IBGE aponta que as mulheres no Brasil[1] gastam em média 21,4 horas semanais com tarefas domésticas e de cuidado, aproximadamente o dobro que os homens. Quando perguntadas, 26% delas responderam, no terceiro trimestre de 2020, que não procuraram trabalho em função da necessidade de prover as tarefas reprodutivas do lar e de cuidado com os filhos, idosos e/ou enfermos.
O impacto majorado no emprego das mulheres é uma realidade internacional, principalmente em relação a mulheres com filhos (ADAMS-PRESSL et al., 2020). Estudo do FED mostra que, de forma geral, mulheres – e com filhos – tiveram a maior saída e o menor reingresso na força de trabalho.
As mulheres estão sub-representadas nas ocupações com maior capacidade de exercício do trabalho a distância e nas ocupações críticas ligadas a postos informais (ALON et al., 2020) e sobre-representadas nas ocupações que exigem presença física no local de trabalho (MONGEY et al., 2020).
Voltando aos aspectos mais gerais do mercado de trabalho no Brasil, no que tange aos rendimentos assiste-se à situação em que cresce – ainda que com pouca significância estatística – o rendimento médio efetivo do trabalho principal, mas cai a massa total de rendimento real.
Ou seja, a renda média se elevou no período mais crítico da pandemia, mas como decorrência da destruição muito maior dos empregos menos protegidos (geralmente, de menor remuneração) do que dos empregos mais protegidos (comumente melhor remunerados).
Isso elevou a média, muito mais por um efeito de retirar da amostra os valores inferiores do que por uma efetiva elevação dos salários. Como consequência, a massa de rendimentos (que é a soma dos rendimentos) registrou queda mais expressiva no trimestre em questão por conta de menor parte da população estar ocupada.
As atuais tendências do mercado – envoltos em uma economia em crise e/ou semi estagnação e com insuficientes políticas compensatórias – levam à exacerbação das desigualdades já manifestas na sociedade brasileira. O desemprego foi maior para a população preta e parda. Na média, a taxa de desemprego entre 2019 e 2020, foi de 14,7% para 17,3% para pretos e de 13,7% para 15,4% para a população autodeclarada como parda.
Isso porque pela natureza específica dessa crise, envolta no seu aspecto sanitário, os empregos informais foram os mais rapidamente destruídos, onde a população negra é a maioria. As crises anteriores, como exemplo da de 2015/2016, o emprego formal foi o primeiramente atingido, empurrando os trabalhadores para a informalidade. Dessa vez foram os informais, em primeiro lugar, sendo empurrados para uma situação de desemprego ou saída da força de trabalho.
A recuperação da economia no último trimestre de 2020 tem reincorporado esses trabalhadores mais precarizados, elevando – mais uma vez – a informalidade, que havia se retraído em função do desemprego.
REFERÊNCIAS:
FED, Federal Reserve Banl of San Francisco. WORKING PAPER SERIES. Fev/2021. Disponível em: https://www.frbsf.org/economic-research/publications/working-papers/2021/04/
ADAMS-PRASSL, Abi, TEODORA Boneva, MARTA GOLIN, and CHRISTOPHER Rauh, “Inequality in the impact of the coronavirus shock: Evidence from real time surveys,” Journal of Public Economics, 2020, 189, 104245.
MONGEY, Simon, Laura PILOSSOPH, and Alex WEINBERG, “Which Workers Bear the Burden of Social Distancing Policies?,” Working Paper 27085, National Bureau of Economic Research May 2020.
ALON, Titan, MATTHIAS DOEPKE, JAN Olmstead-Rumsey, and MICH`ELE Tertilt, “The Impact of COVID-19 on Gender Equality,” Covid Economics: Vetted and Real-Time Papers, 2020.
[1] Dados de 2019
O Boletim de Política Econômica do IREE é produzido pela economista-chefe Juliane Furno e pelos assistentes de pesquisa Daniel Fogo, Lígia Toneto e Matias Rebello Cardomingo.
Veja também:
Boletim Mensal de Política Econômica – Fevereiro de 2021
Boletim Mensal de Política Econômica – Janeiro de 2021
Boletim Mensal de Política Econômica – Dezembro de 2020
Boletim Mensal de Política Econômica – Novembro de 2020
Boletim Mensal de Política Econômica – Outubro de 2020
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