Nossos Boletins de Política Econômica agora não mais serão publicados mensalmente, mas a cada semana liberaremos um documento específico sobre cada um dos temas que abordamos, isto é, 1. Política Monetária; 2. Política Fiscal; 3. Setores; 4. Crescimento Econômico, Setor externo e Câmbio e 5. Mercado de Trabalho, Desigualdade e Políticas Sociais.
No presente documento, tratamos de alguns pontos que julgamos ser de extrema importância para a discussão sobre a Política Monetária no Brasil. Em primeiro lugar, retomamos nossa discussão quanto ao dilema que se vê atualmente em mãos do COPOM, isto é, a manutenção dos juros baixos devido, por um lado, ao baixo nível de atividade, a manutenção da capacidade ociosa e a deflação no setor de serviços e, por outro lado, o aumento de preços em outros setores da economia, especialmente nos alimentos, que tem puxado o índice de inflação para cima.
O IPCA para janeiro veio em 0.25%, abaixo da mediana das expectativas de 0.32% e com destaque para a deflação na rubrica Habitação de -1.07%, o que reforçou a ideia de que um possível aumento da taxa Selic esperado para a reunião de Março do COPOM seja adiado. Há que se ter em conta, no entanto, que no regime de Metas de Inflação vigente, mais importante do que a inflação pregressa são as expectativas de inflação futuras. Assim, o dilema enfrentado pelo COPOM que apontamos em nosso boletim de Janeiro continua a predominar nas expectativas quanto a definição da taxa básica de juros.
Outrossim, esse dilema tem se materializado entre dois distintos grupos que se formaram entre os membros do COPOM, os “economistas” e os “operadores” – os primeiros, a favor do início mais rápido de um ciclo de alta da taxa básica e o segundo grupo mais preocupado com o efeito deflacionário do baixo nível de atividade. Nesta mesma matéria, levanta-se outra questão importante que tem relação com o debate sobre a autonomia do Banco Central. O COPOM passou a divulgar desde o ano passado com mais detalhes suas discussões e seus membros têm expressado abertamente suas opiniões em eventos com o mercado, inclusive sobre temas da política fiscal. Ou seja, há um movimento de tornar as discussões dentro do comitê mais transparentes. Mas analisaremos essa questão do ponto de vista da lei sobre a autonomia do Banco Central aprovada no Congresso Nacional.
Pelo menos nos últimos 20 anos, os membros do COPOM foram indicados diretamente pelo presidente da República em exercício e cabia a este o poder de demissão sumária, seja do Presidente do BC ou de qualquer um dos diretores. A lei aprovada, no entanto, muda esse regime, garantindo um mandato de 4 anos para os membros do COPOM, isto é, eles só podem ser demitidos com motivo previsto em lei e por maioria absoluta no Senado Federal. Ademais, as indicações passam a ser intercaladas em relação ao mandato do Executivo Federal. O Presidente da República poderá indicar apenas 2 diretores por ano e a indicação para a Presidência do Banco Central se realizará no terceiro ano de mandato presidencial. Ou seja, a proposta de autonomia formal do BC gera uma cisão no ciclo do mandato presidencial e no ciclo do mandato da Autoridade Monetária.
A nova lei também faz uma mudança quanto aos objetivos da Política Monetária. Por decreto presidencial, o objetivo final da condução da política monetária era a perseguição da meta de inflação. Agora, a lei prevê que, sem prejuízo do objetivo principal de estabilidade de preços, o COPOM deve buscar também o pleno emprego e a suavização do ciclo econômico.
Aqui, nos cabe algumas considerações de forma a potencializar o debate. Há uma diferença entre a autonomia e independência. Como tem sido a prática nas últimas décadas, o Banco Central sempre teve autonomia operacional, isto é, uma vez decidida a meta de inflação a ser atingida no âmbito do Conselho Monetário Nacional[1], o COPOM tem total liberdade para lançar mão de todos os instrumentos de política monetária previstos em lei para atingir tal meta. Dessa maneira, a lei aprovada não garante a independência no sentido de decidir qual a meta, mas formaliza a autonomia na perseguição do seu cumprimento, estabelecida pelo CMN.
O argumento por trás da lei é o seguinte: as decisões no âmbito da condução da política monetária são decisões técnicas e, por isso, devem ser isolados da influência política dos governos eleitos, uma vez que, muitas vezes o governo da vez teria um incentivo em sacrificar o controle da inflação no médio-prazo por um aquecimento da atividade econômica no curto-prazo, sobretudo em períodos eleitorais. Assim, a criação de empecilhos, ou melhor, a limitação do poder de discricionariedade no âmbito das indicações do Poder Executivo ao COPOM, conformaria o remédio para tal “ingerência política” nas decisões “técnicas” da condução da Política Monetária. Os defensores da lei argumentam que, dessa forma, a credibilidade da Autoridade Monetária aumentará, o que fará com que os custos em termos de inflação a médio e longo prazos se reduzam.
Por outro lado, sugere-se que os “técnicos” indicados a conduzir a política monetário não fazem política. Destacamos aqui, por exemplo, o papel que o atual Presidente do BC tem cumprido na articulação política para a aprovação de legislação nova junto ao Congresso Nacional. De forma semelhante e com singular faro político, o mesmo Campos Neto apontou que, talvez em resposta a críticas, o Banco Central não faz política fiscal, mas busca aclarar o debate. Assim, indicamos que sob o argumento “técnico” podem estar subsumidos interesses, uma vez que a “neutralidade” é deveras questionável, em qualquer área que envolva assuntos da política.
Mais além, recentemente foi também aprovado na Câmara do Deputados e enviado ao Senado Federal o chamado PL do Câmbio que visa constituir um novo marco legal do mercado de câmbio no Brasil. De maneira geral, tem-se apontado tal projeto de lei como uma antessala da permissão de abertura de contas em moeda estrangeira por pessoas físicas em território nacional. Neste ponto o projeto é reticente e atribui a competência de definir requisitos e regulamentar a abertura de contas em moeda estrangeira no país ao Banco Central, ou seja, relega-se decisão de capital importância a mera regulamentação infra-legal.
Em artigo publicado no Valor Econômico, Daniela Prates, Nathalie Marins e Pedro Rossi apontam para os riscos de se permitir a abertura de contas em dólar em território nacional. Por um lado, a medida pode de fato aumentar a eficiência de negócios relacionados principalmente ao comércio exterior, mas as possibilidades de problemas que podem surgir da medida podem não compensar tais ganhos. É reconhecida a histórica vulnerabilidade da economia brasileira a choques externos, característica essa que tem sido dirimida pelo acúmulo de reservas internacionais pelo Banco Central. O projeto proposto, então, pode nos colocar novamente à mercê das flutuações externas, causando grande prejuízo a estabilidade da economia brasileira e a diminuição da efetividade da política econômica nacional.
Se tomados em conjunto, pode-se observar um movimento de fundo presente nesses projetos de lei no sentido de retirar atribuições dos poderes legislativo e executivo da república em favor do Banco Central. O problema fica mais claro quando analisamos as diversas críticas que têm sido feitas ao projeto de autonomia do Banco Central. Muitos analistas de mercado têm apontado o projeto como um avanço institucional, mas tem subestimado – e de forma semelhante também nada se menciona na nova lei – o risco de captura do regulador pelo regulado, isto é, da perniciosa influência que corporações privadas, no caso agentes do mercado financeiro, tem sobre o órgão que deveria justamente regulamentá-los, o Banco Central.
É de conhecimento público que os indicados para o COPOM são profissionais quase sempre oriundos de instituições financeiras privadas e, uma vez saídos do órgão, retornam ao setor privado depois de exíguo período de quarentena, o que ficou conhecido como “porta giratória”. Aqui destacamos também a falta de transparência tanto no âmbito do COPOM como na esfera operacional do Banco Central. A jurista Élida Graziane destaca em artigo de 2018 no Conjur diversos aspectos dessa falta de transparência, inclusive no que se refere a compilação das estatísticas fiscais que mal discriminam os impactos fiscais das operações do Banco Central.
Cabe ressaltar que a política monetária afeta todos os brasileiros, e suas decisões impactam diretamente o conflito distributivo. Se de um lado os defensores da autonomia do Banco Central alegam melhoras no controle inflacionário por uma instituição autônoma, pode-se argumentar, de outro lado, que existem estudos que apontam uma piora na desigualdade como um reflexo da autonomia. Uma mudança desse tamanho passou no Congresso sem que houvesse um debate de maior densidade junto à sociedade.
Nesse sentido, é possível questionar a prioridade e urgência que foi dada para ambos os projetos de leis discutidos no boletim. Em meio à profunda crise que passamos, ambos os projetos foram aprovados à toque de caixa, enquanto o Auxílio Emergencial – responsável por sustentar a demanda ao longo de 2020 inteiro – e a própria compra de insumos para vacinas parecem não ter tido a mesma prioridade na pauta do governo.
[1] Formado pelo ministro da Economia, presidente do Bacen e o Secretário Especial do ministério da Economia
* Boletim produzido pela economista-chefe do IREE Juliane Furno e os assistentes de pesquisa Daniel Fogo, Lígia Toneto e Matias Rebello Cardomingo.
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