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Confira na sequência também a análise semanal sobre Crescimento Econômico, Setor externo e Câmbio. No documento, o Centro de Estudos de Economia do IREE traz uma análise sobre os desafios que a guerra da Rússia contra a Ucrânia impõe à economia global.
Crescimento Econômico, Setor externo e Câmbio
O Boletim que tem como referência o tema da dinâmica da economia brasileira, da análise do setor externo e da situação da taxa de câmbio será dedicado, integralmente, a refletir sobre os impactos econômicos do conflito bélicos recentemente direcionado pela Rússia à Ucrânia, no bojo do processo mais geral de disputa pela hegemonia da região que passa por EUA, seu braço armado, a Otan, e a Rússia.
Guerra na Ucrânia: Quais os desafios do conflito à economia global?
Os impactos econômicos devem ser observados à luz de dois componentes: um de caráter mais estrutural, a saber: a integração célere e sólida das economias centrais, semiperiféricas e periféricas na economia global. Dessa forma, os mecanismos de sanção, exclusão e bloqueios têm impactos e consequências deveras distintos do que alhures, dada a integração atual.
O outro elemento, de caráter mais conjuntural, é que todas as economias estão – de alguma forma – ainda enfrentando desafios relacionados à pandemia, seja no campo da inflação, do emprego, da deterioração fiscal ou, nos casos mais graves, ainda na dimensão sanitária. Portanto, esse não é um conflito que, do ponto de vista econômico, repete a forma tradicional de imposições – especialmente norte-americana e de seus sócios subordinados – às economias rivais, ou pelo menos não sem consequências que atingem os próprios protagonistas de tais medidas.
Parafraseando Ruy Castro em seu célere prólogo da Obra “Metrópole a Beira”, estamos vivendo um “Carnaval da Guerra e da Gripe”, porém, repetindo, em condições econômicas e sanitárias muito distintas das que marcaram o carnaval carioca em 1919, no bojo do fim da primeira guerra e assolado pela gripe Espanhola.
Sanções impostas à Rússia
Primeiramente apresentaremos o conjunto das sanções que já foram impostas contra a Rússia e, posteriormente, apresentaremos pontos para a reflexão com base em elementos mais gerais de geopolítica econômica. A primeira, apregoada como a mais significativa – embora problematizaremos esse ponto na sequência – é o banimento de alguns bancos russos do Swift, que é uma plataforma essencial de comunicação e liquidação de transações globais financeiras no mercado internacional, se constituindo como o sistema dominante de pagamentos interbancários do mundo. A ação parte dos EUA e é seguida pelos seus sócios minoritários como o Japão e os principais países da União Europeia.
Em paralelo, EUA, Reino Unido, Japão, União Europeia e Canadá anunciaram que congelarão ativos do Banco Central Russo, impedindo, com isso, a autoridade monetária russa de converter e utilizar suas reservas internacionais para fazer frente aos desafios econômicos de uma guerra, do lado produtivo e, também, desafios de estabilização que são políticos, mas se processam na dimensão econômica, tais como estrangulamento externo e ataques especulativos contra o Rublo.
O governo suíço, também na esteira das sanções, decidiu por congelar ativos de pessoas físicas e de empresas que figuram na lista de personalidades russas visadas pelos governos do Ocidente na qualidade de “cúmplice” ao ataque aos Ucranianos. Joe Biden também impôs, além das reservas do BCR, sanções que se direcionam aos trilhões de dólares em ativos que a Rússia controla, mas tem como alvo as elites do país e as sus instituições financeiras, tais como o Banco Estatal VTB e o Sberbank. Além disso, não passou incólume a aplicação de sanções – pelo governo norte-americano – contra dívida soberana da Rússia, o que nas palavras de Biden “significa que cortamos o governo da Rússia das finanças do Ocidente”.
Ainda da parte dos norte-americanos, pela relação direta pelos interesses expansivos da Otan na região, o Departamento de Comércio dos EUA adiantou que implementará controles de exportação sobre tecnologia relacionada a setores de defesa, aeroespacial e marítimo para Rússia, além do fato de que semicondutores – hoje em crise de escassez – computadores e lasers também poderão figurar como alvos da medida. No bojo do exercício do seu poder imperial soberano, que é muito seletivo em se tratando de geopolítica, os EUA também estão construindo condições para a limitação a que outros países vendam para a Rússia produtos que disponham de tecnologia americana no seu processo produtivo (projeto e/ou fabricação). Empresas russas também deverão ser excluídas de uma lista que exige que companhias americanas possuam uma licença especial caso desejem vender tecnologia dos EUA. Biden ainda anunciou imposições de sanções contra a empresa que atualmente é responsável pelo gasoduto russo, a Nord Stream 2.
Do lado da União Europeia o alvo das sanções foram as exportações de aeronaves e seus partes para a Rússia, bem como os serviços financeiros e de manutenção relacionados. O banimento de exportações também ocorreu no campo de tecnologias específicas na área de refino, afetando um setor sensível para o país e a região uma vez que o objetivo é tornar mais caro, além de difícil, a atualização das refinarias russas. O Reino Unido também fechou portos para navios russos.
Impactos das sanções em escala global
Como já mencionados, o fim do período da Guerra Fria e o findar das experiências de socialismo real no Leste Europeu, seguidos da “doutrina de choque”, aproximaram a região do capitalismo ocidental liderado pelos EUA e a integraram na globalização produtiva e financeira. Essa integração, por sua vez – ainda que subordinada – gera vínculos de interdependência de tal fora que as sanções são ao mesmo tempo dilemas para o Ocidente, uma vez que, segundo Gabriel Galípolo, quanto mais eficazes foram as sanções, mais elas arrastaram consigo as economias ocidentais e, portanto, a dinâmica global.
Dessa forma, tais sanções – em um contexto de grave crise econômica global que teve como epicentro a crise do Novo Coronavírus – são deveras perigosas e contêm elevados riscos econômicos e políticos para quem as adota. Segundo Tatiana Prazeres, deixar de comprar gás de Moscou significa, para a Alemanha, a renúncia da sua principal fonte de suprimento externo. O caso mais significativo nos parece ser, no entanto, que o conjunto de sanções tende a aproximar a Rússia da China, o que aceleraria a integração política e econômica dos dois países com efeitos que podem ser deletérios para a hegemonia inconteste dos EUA e do dólar.
Apenas a título de hipótese: o que aconteceria caso chineses e russos resolvessem liquidar as suas posições em títulos americanos ao mesmo tempo? Isso representaria algo em torno de US$ 1,8 trilhões. Desde 1980, sobretudo com a globalização financeira e produtiva, o dólar tem se mantido hegemonia em uma relação de modificação dos papéis estruturais de “centro” e “periferia” que a despeito de permanecerem nessa condição, agora a segunda é credora líquida da primeira, mediante o acúmulo de reserva que, ao mesmo tempo, é saída líquida de capital que se refugia em títulos da dívida americana. Ou seja, nessa integração financeira em que a China é uma das principais financiadoras do déficit comercial norte-americano, a saída dessa reservas em uma ação coordenada pelos dois países representaria o desabamento do valor dos títulos antes de liquidar tudo e os anteriores trilhões seriam, provavelmente agora, trocados. Essa ação, portanto, aceleraria a transição para formas, já ensejadas, mas ainda como horizonte de longo prazo, de formas alternativas de reserva.
Talvez um exemplo da interdependência seja que, a despeito das dificuldades que o valor da moeda e os bancos russos estão sofrendo com as sanções, o dia seguinte da ocupação da Ucrânia logrou maiores impactos no movimento das bolsas na europeia, especialmente nos bancos alemães e francês, e não no russo. Isso se explica pelo fato de que além da relação comercial existente entre os países – seja de energia ou de commodities agrícolas – há ativos que são transnacionais. Os bancos alemães estavam operando com quedas de 10 a 12%. Mesmo o banimento da Rússia do SWIFT não afeta somente os bancos russos, uma vez que esses mesmos bancos são contrapartes de bancos que estão localizados na Europa e nos EUA.
Ainda do ponto de vista das reservas internacionais e o bloqueio a sua conversão e utilização, esse é – na nossa avaliação – o ponto nevrálgico da questão: os países não acumulam reservas de moedas conversíveis ou mesmo de ouro em cofre, mas em ativos, portanto, ainda que dispondo de um pouco de ouro em espécie, a Rússia praticamente só poderá contar com as reservas tangíveis e as receitas de exportações, o que é particularmente deletério em um cenário de guerra e de ataques que tem como premissa o derretimento do valor da moeda doméstica. Segundo Galípolo, isso retira um grande instrumento de defesa para o controle do câmbio e dificulta a segurança do país para honrar as importações.
Já o bloqueio da Rússia ao Swift nos parece muito mais uma demonstração de força do que uma ação acompanhada de impactos mais efetivos. Em que pese o anúncio de sanções “sem precedentes”, há diversas exceções que também se aplicam ao Swift, que dizem respeito aos negócios envolvendo energia; exploração de combustíveis para a produção; transportes; produtos agrícolas; fertilizantes; certos tipos de dívidas, entre outros.
Obviamente por motivos econômicos e políticos, especialmente o Presidente Joe Biden quer evitar que o petróleo e o gás russos deixem de seguir fluindo e tenham seus preços majorados, o que lograria consequências domésticas, que são altamente comprometedoras da sua própria popularidade, tal como é a inflação.
Além disso, o Swift não é o único sistema de comunicação bancário e a Rússia desde 2014, no bojo da Guerra da Crimeia, já se preparava para esse tipo de sanção. Dessa forma, o país já tem o System for Transfer Financial Messagens (SPFS) no qual bancos alemães e também suíços são partícipes. Já no ano de 2021, a Rússia afirmou estar pronta para deixar de integrar o Swift. Juntamente com o sistema Russo há o sistema chinês, o Cross-Broder Interbanck Payment System (CIPS). Embora pequeno para as proporções chinesas, esse sistema já abriga a integração dos dois no que toca aos negócios relacionados a nova rota da seda asiática.
Impactos para o Brasil
Do ponto de vista do que já se processou na economia russa e dos impactos que a crise pode lograr na economia brasileira destacamos a queda expressiva do valor do rublo em relação ao dólar, que chegou a 28% na manhã de segunda-feira dia 28 de fevereiro, e a consequente subida da taxa de juros nominal russa que passou do patamar de 9,5% para 20% na tentativa de conter a corrida bancária e aumentar o prêmio para aqueles agentes que continuarem segurando suas posições em Rublo. Há medidas em curso, também, para restringir as remessas em divisas internacionais para outros países, em uma espécie de centralização do câmbio para conter o movimento de desvalorização. A Rússia vai obrigar os exportadores a vender 80% da sua receita de moeda “forte”, especialmente dólar e euro.
O impacto da guerra já se faz sentir no preço das commodities. Na terça-feira dia 01 de março, o trigo teve alta de mais de 6% no pré-mercado de Chicago, enquanto o milho apresentou elevação de 4%. É bom ressaltar que os dois países – Rússia e Ucrânia, respondem por quase 30% das exportações globais do trigo, 20% dos embarques de milho e 80% das vendas externas de óleo de girassol. Se por um lado, esse movimento pode seguir sendo benéfico em termos de preço ao agronegócio no Brasil, por outro, as sanções contra a Rússia podem impactar no preço dos insumos, uma vez que a Rússia é um dos países que mais exporta adubos e o Brasil é um dos seus principais compradores. A despeito das relações comerciais poderem não ser diretas entre os dois países, como a precificação é internacional e tratam-se de produtos dolarizados, preço e câmbio concorrem para determinar o cenário futuro.
Para a indústria de aves e suínos, a tendência que se apresenta é a de redução das margens, que já estão negativas em alguns polos por conta do aumento da pressão por reajustes nas carnes no varejo. Dessa forma, o preço dos grãos é ao mesmo tempo receita de exportação, mais custo para a pecuária. No caso dos fertilizantes, não somente há uma possibilidade de comprometimento do suprimento, a depender a dinâmica do enfraquecimento da cadeia de oferta, quanto uma elevação ainda mais do preço caso de opte por fontes alternativas como os insumos do Canadá, que tendem a ser mais caros.
A importação de fertilizantes está na base da relação comercial entre Brasil e Rússia. As importações brasileiras de cloreto de potássio russo, por exemplo, alcançaram 3,6 milhões de toneladas, ou mais de US$ 1,3 bilhão. Outros US$ 1,2 bilhão foram gastos na compra de ureia (1,3 milhão de toneladas), nitrato de amônio (1,4 milhão), nitrogênio, fósforo e potássio (967 mil), de acordo com dados do ComexStat, do Ministério da Economia.
Outro ponto dramático dá-se pela alta de mais de 4% que já se visualiza no preço do barril de petróleo Brent, e que deve passar os US$ 100 nos próprios dias. O Goldman Sachs elevou a projeção do preço do Brent para o curto prazo para US$ 115 por barril, diante da escalada do conflito e das sanções.
Não somente o preço do barril de petróleo mas o próprio movimento dos dólar. O impacto da guerra impacta o preço dos ativos e leva a movimentos de busca por resguardo. Nesse sentido é comum as bolsas operarem em baixa e haver corrida para o dólar. Assim, o movimento tímido mas que estava em curso de apreciação do real já está com os dias contados. O resultado de real desvalorizado; preços elevados dos derivados de petróleo e política de preços da Petrobrás é um: inflação de custos.
Infelizmente ainda temos uma âncora cambial no Brasil. A despeito de falarmos em âncora fiscal e em metas de inflação, a inflação brasileira é muito mais sensível a câmbio do que a demanda agregada, ainda que sigamos fazendo uso quase unicamente do expediente da taxa de juro.
Portanto as expectativas para a economia brasileira são mais inflação, mais desorganização das cadeias de suprimento e, se seguir na mesma toada de política monetária, mais choque de juros e um horizonte de retorno ao crescimento que fica, cada vez mais, num longínquo longo e distante prazo.
O Boletim de Política Econômica do IREE é produzido pela economista-chefe Juliane Furno e pelos assistentes de pesquisa Daniel Fogo e Lígia Toneto.
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