Bem, o sol deu mais uma volta sobre o mundo, cruzando o domo que nos protege. Não me julguem, afinal mesmo depois que NINGUÉM previu uma pandemia que matou mais de 600 mil brasileiros, continuam perguntando a astrólogos como será 2022; a Maricleide quer saber se encontrará o amor, o Jonas quer saber se terá sucesso financeiro, e assim vai. As pessoas acreditam que as luzes vindas de dezenas, centenas, até milhares de anos atrás, agrupadas de forma aleatória, vão determinar se você vai ficar careca ou quem será o próximo presidente. Imaginemos que você seja um vaidoso leonino: você é assim porque algumas estrelas aparecem no céu mais ou menos juntas, formando uma maçaroca que alguém resolveu que se parece com um leão. O problema é que cada um dos pontos que formam essa imagem está a distâncias diferentes. A luz de um deles saiu de lá quando jesus ainda trabalhava com o pai na carpintaria, 2000 anos-luz atrás; a do o rabo do Leão, quando D Pedro I estava começando a se aborrecer com Portugal; a da juba, quando o Brasil perdeu de 7 x 1. Pelos mesmos motivos sagitarianos são infiéis, virginianos são neuróticos, taurinos são teimosos e e arianos são maravilhosos, inteligentes, divertidos, sensuais, brilhantes, animados, bons partidos, intuitivos, bonitos, vigorosos, fortes, sensíveis, humildes, capacitados… A soma dessas luzinhas sem dúvida alguma vai determinar seu destino. E querem debochar dos terraplanistas…
Sim, eles estão errados. Mas o que dizer de pessoas que acreditam num Deus bondoso, criador do Céu e da Terra, que só lhes dará dinheiro se se vestirem de amarelo no réveillon? Ou amor se usarem uma calcinha vermelha?
Ou as que no fim do ano resolvem acreditar em divindades de origem africana que lhes darão prosperidade se elas pularem 7 ondas comendo 7 caroços de romã? Essas pessoas, pelo menos, merecem uma menção honrosa pela coordenação motora.
Não se trata de combater a fé de ninguém, mas supor que Iemanjá vai ficar feliz com pessoas poluindo seus domínios com barquinhos mal feitos, com espelhinhos e perfumes vagabundos é forçar demais a barra. Que tal a pessoa parar em frente ao mar, meditar sobre a grandeza daquilo, se sentir grata pela vida e força que emana dali, fazer uma oração e dar o dinheiro que iria gastar para alguém que precise? Comer romã, sim, que faz muito bem, e comer outras coisas saudáveis, evitar processados e cuidar do corpo, que é o templo que lhe foi dado por Deus, por Jeová, pela natureza ou pelo acaso? Que tal, ao invés de gritar e explodir fogos, respeitar o direito ao silêncio dos vizinhos e dos animais? Que tal fazer resoluções de ano novo que incluam ajudar o próximo (e o distante), respeitar a coletividade, expurgar o indigitado que ora nos governa e coisas úteis?
Vejamos: aprendemos na escola que a Terra gira em torno do sol por 365 dias e 6 horas. A cada 4 anos, fevereiro ganha seu dia 29. Então não deveríamos comemorar à meia noite todo ano! 2020 foi bissexto, então sim, meia-noite; esse ano que passou deveríamos ter comemorado às 6 da manhã e agora ao meio-dia! Ano que vem às 6 da tarde e no outro, novamente bissexto, à meia-noite! Nada mais lógico, pretendo iniciar uma tradição familiar. Espero muitas e muitas adesões.
Mas não posso iniciar um novo ano sem parabenizar os responsáveis pelos últimos 3 anos. Somos menos de 3% da população mundial e temos perto de 11% dos mortos na pandemia. A cada dia, temos novidades, sejam os gastos com passeios de moto, seja desvio de verba da luta contra a covid para fazer churrasco, seja o presidente passeando de jet ski em solidariedade aos nossos irmãos baianos morrendo alagados. Sem contar a resistência em vacinar crianças. A pré candidata Simone Tebet, uma das mais bem cotadas à tal terceira via, disse que não podia imaginar que o presidente agiria dessa forma. Talvez, quem sabe, se tivesse feito um mapa astral ela poderia ter adivinhado, já que Bolsonaro não deu NENHUMA indicação nos seus 30 anos de vida pública que seria uma nulidade ou um vetor de destruição e disseminação de ódio.
Sim, eu sei, espera-se que numa crônica de ano-novo haja esperança no porvir. Lamento, mas não tenho. Enquanto acharem que virá de cima (virtual e real) a solução de nossos problemas, nada acontecerá. Então, que façamos do ano novo um ano bom, mesmo quando ele for velho.
Feliz vida!
Os artigos de autoria dos colunistas não representam necessariamente a opinião do IREE.
Ricardo Dias
Tem formação de Violonista Clássico e é luthier há mais de 30 anos, além de ser escritor, compositor e músico. É moderador do maior fórum de violão clássico em língua portuguesa (violao.org), um dos maiores do mundo no tema e também autor do livro “Sérgio Abreu – uma biografia”.
Leia também

Diálogos Possíveis, Deus e Porcarias
Continue lendo...
A reconstrução das políticas culturais brasileiras
Continue lendo...
A Velhinha, o Crochê e o Zap
Continue lendo...