Nas sociedades capitalistas, no Estado está o núcleo da política. E, na materialidade imediata, este se apresenta por meio de suas instituições, que lhe dão o rosto e a operacionalidade. Os governantes, seus ministérios e secretarias, os agentes públicos, os órgãos de administração direta e indireta, as empresas estatais, os legislativos, os judiciários, os militares, as polícias, os cárceres, todos estes são agentes e instituições concretos da política estatal.
Leituras idealistas, liberais e juspositivistas consideram que o Estado se estabelece pela soma das instituições políticas já dadas ou que racionalmente deveriam sempre se dar. É preciso, no entanto, ultrapassar esses horizontes que enxergam nas instituições uma racionalidade ou uma finalidade de bem-comum e alcançar a materialidade e a historicidade das relações sociais.
A sociedade capitalista se organiza pela forma mercadoria; as relações de exploração são contratuais; os agentes da produção se relacionam em termos de equivalência no vínculo entre suas vontades (subjetividade jurídica). Em havendo esse complexo de relações, abre-se inexoravelmente uma forma relacional no campo político: um poder terceiro aos capitalistas e trabalhadores garante os capitais do capitalistas e a submissão aos contratos por parte de todos. Assim, a expansão das relações baseadas na forma mercadoria é também a expansão desse poder relacional terceiro aos agentes. Suas instituições, por um processo material, daí derivam. O que ocorre, então, é que relações sociais acabam por erigir instituições políticas reclamadas por uma forma política terceira. O Estado, assim, não é o resultado de instituições políticas; é sim uma forma derivada da forma mercadoria, que erige instituições correspondentes a tal forma determinante.
A forma política estatal, surgindo nas sociedades capitalistas, aproveita, reconfigura, rechaça, cria e retifica uma série de instituições sociais. Muitas vezes, os nomes, os ritos, os símbolos, os edifícios e algumas práticas de velhas instituições pré-capitalistas – escravistas, feudais, absolutistas ou religiosas e, portanto, não-estatais – são aproveitados para novas instituições, estas sim especificamente jungidas a uma forma política estatal. Mas não é a nomenclatura ou a simbologia do passado que faz uma instituição ser a mesma desde então até hoje. Quando se toma o exemplo da figura do Senado romano em comparação com as casas legislativas contemporâneas de mesmo nome, vê-se que suas dimensões políticas são estruturalmente distintas: na Roma antiga, o Senado era um clube dos senhores e poderosos econômicos, mas nas sociedades capitalistas é uma casa do poder legislativo, não se confundindo diretamente com os burgueses e com os detentores do poderio capitalista.
Há uma materialidade determinante na relação entre forma mercadoria, forma valor, acumulação e instituições estatais: o Estado se afirma socialmente como uma positividade, criando e operando condições para a reprodução do capital. No entanto, disso não ocorre uma funcionalidade plena das instituições políticas, como se estas fossem capazes de prever e realizar a máxima eficiência da acumulação. As instituições do Estado são múltiplas, atravessadas por interesses, concorrências, competições, disputas, antagonismos, conflitos, lutas de classe, frações e grupos e crises. Daí, muitas vezes, embora algum grau de coesão geral, há disfuncionalidades no conjunto das instituições políticas estatais. Governantes e agentes públicos não necessariamente operam em favor de uma pretensa lógica geral de reprodução do capitalismo, mas pelo interesse de grupos específicos, que podem até colidir com dinâmicas sociais mais amplas.
Em Estado e forma política (Boitempo Editorial), especifico as variadas sistematizações a respeito das instituições políticas. Estas podem ser tomadas geograficamente (federais; estaduais; municipais; internacionais); pelas funções de poder autoatribuídas (poderes executivo, legislativo e judiciário); pela divisão de seus órgãos (governamentais e administrativos no que tange ao poder decisório e à discricionariedade; civil e militar no que tange às funções propositivas e repressivas); pela tipicidade estatal e pela paraestatalidade (governo e administração de um lado e partidos, sindicatos, associações, meios de comunicação etc. de outro).
Além disso, proponho em Estado e forma política que por aparato político seja identificado o agrupamento das instituições políticas e estatais (estabelecendo então um conjunto de suas instituições pela soma). Por aparelhos costumam ser chamados condensações de unidades institucionais (como Althusser chama por aparelhos ideológicos a família, a escola, a religião e os meios de comunicação). Pode-se ainda chamar por instância o vasto conjunto das instituições e relações políticas. Se aparato é a soma das instituições, partindo da unidade e alcançando sua expansão máxima, instância é uma divisão do todo, partindo do geral para separar suas grandes regiões: ao buscar distinguir as questões econômicas das políticas, diz-se então de uma instância econômica e de uma instância política.
Pensar as instituições estatais é alcançar o grau da articulação das formas sociais forjando materialidades institucionais para a reprodução da exploração capitalista. O clamor de respeito às instituições políticas e estatais é a petição por defender a reprodução do atual modo de produção. A superação do capitalismo será o surgimento de novas formas de relação social e, portanto, de novas instituições de organização política.
Os artigos de autoria dos colunistas não representam necessariamente a opinião do IREE.
Alysson Leandro Mascaro
Jurista e filósofo. Professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Doutor e Livre-Docente em Filosofia e Teoria Geral do Direito pela USP. Implantador e Professor Emérito de várias instituições de ensino superior pelo Brasil. Autor, dentre outros livros, de “Estado e forma política” (Boitempo) e “Filosofia do Direito” (GEN-Atlas).
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