Caso concretizada, a vitória da deputada federal Benedita da Silva (PT) nas eleições 2020 para a Prefeitura do Rio de Janeiro significaria muito mais do que somente a conquista de uma cidade importante para o País pela esquerda.
A vitória de Benedita significaria a derrota do bolsonarismo em seu principal reduto nacional, a derrota da direita tradicional representada pelo ex-prefeito Eduardo Paes (DEM), a derrocada da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) e, consequentemente, daqueles que, em nome dos dogmas religiosos conservadores, tentam impor paradigmas retrógrados ao conjunto da sociedade.
Esse triunfo, inesperado por muitos, ainda cairia como uma bomba sobre uma burocracia petista que duvida do óbvio: a possibilidade real, embora enfraquecida por essa incredulidade, de vencer na segunda capital mais importante entre os estados do Brasil. Significa, também, avançar nacionalmente visando a disputa de projetos políticos que se dará no País em 2022.
Benedita talvez seja a encarnação mais sintética do nosso projeto: mulher, negra, favelada, ex-empregada doméstica, mas que também é ex-governadora, ex-senadora e atualmente deputada federal. Um dos maiores quadros políticos do PT, que poderia disputar esse pleito com força, mas que acaba esbarrando em análises partidárias baseadas em interesses pouco nobres e, principalmente, afastados do que dizem as novas sínteses das ruas.
A mesma realidade se abate sobre outras candidaturas petistas, que vivem dificuldades, como a de Marília Arraes, em Recife, e a de Luizianne Lins, em Fortaleza, entre outras. Embora esta última dispute para ganhar, conforme pesquisas recém divulgadas, e a postulação pernambucana não esteja distante também do pelotão da frente, a falta de recursos e de prioridade política atrapalha que os resultados nas capitais do Ceará e de Pernambuco fossem ainda melhores.
Curiosamente, sofrem essa realidade candidaturas femininas, muitas vezes negras, enquanto candidatos homens e brancos inviáveis, que patinam nas pesquisas, seguem sendo priorizados. É assim em São Paulo, onde o PT mostrou sua incapacidade de construir um projeto coletivo ao lançar o nome de Jilmar Tatto ao invés de somar-se à candidatura de Guilherme Boulos e Luiza Erundina para fazer emergir, na cidade mais importante do país, um programa de transformação da vida das pessoas e de consolidação de um projeto nacional de oposição ao bolsonarismo e à direita tradicional.
Mesmo a escolha de Tatto, amarrada sob movimentações internas complexas, que tiraram Alexandre Padilha da disputa, foi questionável à época. Contudo, falando da política que se dá aqui fora do PT, são gritantes os quase R$ 4,5 milhões recebidos por campanhas sem condições de evoluir e sem representatividade para o projeto nacional, como a do PT paulistano. O espanto é ainda maior quando verificam-se os valores recebidos por mulheres negras, que, mesmo com candidaturas competitivas, tiveram direito a um quarto do que Tatto teve.
Apontar tais discrepâncias, que pode parecer uma análise dos miúdos e ruídos internos de um partido, diz respeito, em verdade, a demarcar as contradições do nosso campo político. Estão em análise fatos ligados à agremiação política mais importante da América Latina, mergulhada de cabeça em uma burocracia incapaz de dialogar com a realidade.
Enquanto o povo subalternizado olha para um lado como caminho para vencer o estado de desigualdade e aprofundamento da miséria, as canetas das direções partidárias assinam os papéis olhando para outro, num estrabismo político angustiante daqueles que estão acolchoados em cadeiras confortáveis sobre carpetes bem tratados.
O que nos resta é esperar que a derrota acachapante que se avizinha nas eleições municipais de 2020 para esse campo progressista sirva, quando nada, para reflexão e reposicionamento de caminhos. Precisamos de mais sínteses como Benedita, Luzianne, Marília, Boulos, Erundina e Major Denice. Mas essencial mesmo é que tenhamos menos tradicionalismo, burocracia e arrogância dos e das dirigentes diante das vozes que ecoam inquietantes das ruas.
Para nossa alegria, nossa esperança será regada pela vitória de Boulos e Erundina.
Os artigos de autoria dos colunistas não representam necessariamente a opinião do IREE.
Yuri Silva
É Diretor de Políticas de Combate e Superação do Racismo, no Ministério da Igualdade Racial. Foi Coordenador de Direitos Humanos do IREE. Jornalista formado pelo Centro Universitário Jorge Amado, é coordenador nacional licenciado do Coletivo de Entidades Negras (CEN), editor-chefe do portal Mídia 4P – Carta Capital, e consultor na área de comunicação, política e eleições. Colaborou com veículos como o jornal Estadão, o site The Intercept Brasil, a revista Piauí e jornal A Tarde, de Salvador. Especializou-se na cobertura dos poderes Executivo e Legislativo e em pautas relacionadas à questão racial na sociedade de forma geral e na política. É Membro do Diretório Estadual do PSOL de São Paulo.
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