As pesquisas eleitorais da última semana confirmaram uma ligeira recuperação da imagem do governo e das intenções de voto em Jair Bolsonaro. Esse processo, já antecipado por pesquisas anteriores e analistas políticos mais atentos, traz consigo uma série de consequências para o processo eleitoral, que tentarei explorar neste breve artigo.
Em primeiro lugar, a recuperação de Bolsonaro decorre principalmente das medidas fiscais e parafiscais de sustentação da atividade econômica adotadas neste ano eleitoral. O pagamento do “Auxílio Brasil”, por exemplo, atinge 17 milhões de famílias, que até o ano passado recebiam um auxílio emergencial em um valor inferior aos R$ 400 pagos pelo novo benefício. Além disso, o governo anunciou um conjunto de medidas fiscais e parafiscais: a renegociação de dívidas do FIES, a antecipação do 13° salário e a liberação do saque de R$ 1000 do FGTS são bons exemplos de medidas voltadas para a recuperação da renda do trabalhador e da popularidade do governo.
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Apesar do impacto político dessas medidas, seu impacto econômico deve ser residual, dado o cenário de elevado desemprego e carestia prolongada. Com o investimento público permanecendo nos menores patamares da história, a taxa de juros subindo rapidamente para combater a inflação e o preço dos combustíveis em elevação devido a política de preços adotada pela Petrobras, a possibilidade de recuperação vigorosa do crescimento e do emprego está virtualmente descartada.
Em segundo lugar, a recuperação de Bolsonaro parece ser mais intensa no que podemos chamar de “classe média”, entre pessoas que ganham entre 2 e 10 salários mínimos. Nas classes de baixa renda, a rejeição ao governo ainda beira os 60%.
A característica que mais chama atenção nas pesquisas é que aparentemente a recuperação na popularidade de Bolsonaro e seu governo se concentra entre aqueles que votaram no capitão em 2018, mas posteriormente mostravam algum grau de arrependimento, especialmente devido a deterioração de sua situação econômica.
Isso significa que Bolsonaro tem recuperado parte de sua base política desgarrada, eleitores que compartilham seus valores e ideias, mas que haviam se afastado de seu governo graças as dificuldades financeiras. Eles nunca haviam deixado de ser “bolsonaristas”, mas estavam decepcionados com o desempenho do governo de seu líder. Com o alívio nas condições materiais e a aproximação do enfrentamento eleitoral (quando se alimenta um discurso de medo e antiesquerdismo), esses votos tendem a retornar para Bolsonaro.
Esse fato possui um forte impacto na disputa eleitoral. Apesar da pesquisa Datafolha sinalizar uma queda na intenção de votos de Lula, isso não se observa nas demais pesquisas. Na realidade, o Datafolha de dezembro mostrava uma realidade não captada pelo conjunto dos outros levantamentos, além de ter sido realizado em um momento de extrema fragilidade do governo Bolsonaro, antes da adoção das medidas econômicas que viriam a marcar o ano eleitoral. Como o instituto ficou três meses sem fazer novas pesquisas, restou a aparência de que Lula teria perdido votos para Bolsonaro neste período.
A leitura mais correta do conjunto das pesquisas, no entanto, é que a intenção de voto em Lula flutua entre 40% e 45%, com alta consolidação da votação espontânea e a manutenção de baixos índices de rejeição, apesar do aumento dos ataques de adversários contra sua candidatura. Esse cenário demonstra que a recuperação de Bolsonaro, apesar de retirar uma pequena parte dos potenciais votos ao petista, não altera significativamente a estratégia de campanha de Lula, focada em fortalecer sua base, apresentar um programa mais ousado e ampliar seu arco de alianças políticas até o centro direita, disputando parte dos votos da chamada terceira via.
Por outro lado, Bolsonaro mostra que sua estratégia é manter um discurso sectário e uma postura de constante enfrentamento com a base petista, o que o impede de afetar significativamente a base de eleitores lulista. Com a “caneta na mão”, ele tem se mostrado capaz de distribuir benesses para sua base mais fiel, consolidando (e aumentando) sua votação espontânea e recuperando uma pequena parcela dos desgarrados, o que deve fazer com que se reaproxime do patamar de 30% dos votos no primeiro turno.
Quem resta fragilizado neste processo é a chamada terceira via. Somando o conjunto das principais candidaturas deste campo (com destaque para Ciro, Moro, Dória e Tebet), a intenção de votos da “terceira via” não alcança o patamar de 20%. Para piorar, parte relevante dos eleitores destes candidatos admite a possibilidade de votar em algum dos candidatos líderes ainda no primeiro turno, visando impedir a vitória do outro que rejeitam mais fortemente. Ou seja, a consolidação dos votos destes candidatos é baixa, refletindo no baixíssimo índice de menções espontâneas aos seus nomes.
Algumas questões emergem deste cenário. A primeira é saber até que ponto Bolsonaro será capaz de reconquistar parte de sua base perdida, o que implica identificar qual o tamanho máximo do que podemos chamar de “bolsonarismo”. A segunda e mais complexa é descobrir até onde as candidaturas alternativas da chamada terceira via se sustentarão politicamente, dado o desempenho sofrível nas recentes pesquisas. Mesmo que se mantenham, há o risco de transferência de votos na reta final, através do fenômeno do voto útil.
Para Lula, o grande desafio é preservar sua base e herdar uma parcela dos votos da terceira, algo plenamente factível segundo os dados das pesquisas mais recente. Para Bolsonaro, o desafio é consolidar “a volta dos que não foram” e encontrar alguma outra fonte de eleitores além da mera herança de parcela dos votos da terceira, uma tarefa certamente mais difícil mesmo tendo a caneta e o fuzil na mão.
Os artigos de autoria dos colunistas não representam necessariamente a opinião do IREE.
Guilherme Mello
É economista e sociólogo, com mestrado em Economia Política pela PUC-SP e doutorado em Ciências Econômicas pela Unicamp. É professor do Instituto de Economia da UNICAMP e diretor do Centro de Estudos de Conjuntura do IE/UNICAMP. Foi assessor econômico para a campanha de Fernando Haddad à Presidência da República em 2018.
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