Entre os dias 31 de outubro e 13 de novembro aconteceu, na simpática cidade escocesa de Glasgow, a 26ª edição da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP-26). Após o adiamento do evento em 2020 em razão da pandemia de coronavírus, havia enorme expectativa em relação às decisões do evento realizado no Reino Unido.
Acompanhei a Cúpula dos Povos, evento da sociedade civil que ocorre em paralelo à COP e onde são articuladas iniciativas que buscam pressionar as partes que participam da Conferência da ONU. Esse, aliás, não é o único espaço que ocorre simultaneamente às negociações feitas entre representantes dos governos. Também há espaços dedicados a negócios, uma espécie de free trade area dentro da COP, onde empresas e governos podem firmar “parcerias”. Tudo em nome do meio ambiente, claro.
A grande expectativa em relação à COP-26 girava em torno da conclusão do chamado “Livro de Regras” do acordo de Paris, firmado em 2015. O acordo, construído durante a COP-21 na capital francesa, estabeleceu a meta de impedir que o aquecimento global supere neste século a marca de +1,5°C em relação ao período pré-industrial, controlando totalmente as emissões de CO² até o ano de 2050. Para tanto foram criados uma série de mecanismos para aferir a contribuição de cada país para a redução de gases de efeito estufa, os chamados NDC (Contribuição Nacional Determinada, na sigla em inglês).
O “Livro de Regras” determina como as metas estabelecidas pelo acordo de Paris deverão ser cumpridas. E é aí que a coisa começa a complicar. Se por um lado, há um reconhecimento geral de que os países não têm as mesmas responsabilidades no combate ao aquecimento global – países industrializados já “queimaram” sua cota de contribuição à crise climática – por outro, é difícil definir mecanismos consensuais que permitam uma transição de modelo para países que ainda não viveram sua revolução industrial.
Por isso, o acordo de Paris prevê responsabilidades dos países ricos em relação aos países pobres para financiar a transição energética destes. Também prevê que as metas de redução de CO² sejam verificadas periodicamente, criando marcos temporais para avaliar se os compromissos estabelecidos por cada país estão sendo devidamente cumpridos. O Livro de Regras define, ainda, como este complexo mecanismo vai funcionar. Como afirmou um ativista ambiental, “os acordos de Paris são um plano para a formação de um plano”. O livro de regras é sua efetivação.
Quais as pendências restavam desde os acordos de Paris? Primeiro: como funcionará o sistema de compensação dos países ricos aos países pobres, garantindo que sua transição energética não represente ainda mais atraso e desigualdade (se falava em um fundo de $ 100 bilhões de dólares anuais para essa finalidade); segundo: quais os prazos (time frame) para que os países prestem contas de suas metas (NDC); terceiro: a possibilidade de flexibilizar as metas para redução de emissões via Mercados de Carbono, que representam na prática uma licença para poluir e para transferir responsabilidades, bem como outros mecanismos como as chamadas “Soluções Baseadas na Natureza”; quarto: como garantir transparência e participação ativa da sociedade civil das discussões, já que se nota uma crescente participação do setor privado nas discussões e uma presença cada vez menor da sociedade.
Muitas propostas foram apresentadas para enfrentar as lacunas do acordo de Paris, dentre elas a criação de prazos para o fim do uso da energia termoelétrica, a promoção de políticas de desmatamento zero, metas para a produção de 100% de automóveis zero carbono, redução de outros gases que agravam o efeito estufa (como o metano, 80 vezes mais prejudicial ao aquecimento que o CO²), dentre outras.
Numa COP onde o setor financeiro foi um dos protagonistas, não é difícil imaginar os limites do que foi produzido. Esse será tema do próximo artigo, que abordará os resultados da COP-26 e o papel do Brasil para o cumprimento das metas do acordo de Paris. Considerando que as próximas duas edições da conferência ocorrerão no Egito e nos Emirados Árabes Unidos, países onde a participação da sociedade civil está inviabilizada pelo caráter altamente repressivo daqueles regimes políticos, a COP-26 pode ter sido a última conferência do clima realmente existente. Daqui para frente, com o caminho aberto para uma “transição” energética a serviço do capital, não há razões para imaginar que as próximas edições possam apresentar qualquer avanço concreto para um novo pacto verde.
Os artigos de autoria dos colunistas não representam necessariamente a opinião do IREE.
Juliano Medeiros
Historiador, mestre em História e doutor em Ciência Política pela Universidade de Brasília. Foi Diretor-Presidente da Fundação Lauro Campos (2016/2017) e desde 2018 é Presidente nacional do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL). É autor e co-organizador dos livros "Um partido necessário: 10 anos do PSOL" (FLC, 2015) e "Cinco Mil Dias: o Brasil na era do lulismo (Boitempo, 2017).
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