No começo de março, o mercado financeiro norte-americano entrou em inesperado stress com a queda rápida e surpreendente do Sillicon Valley Bank (SVB). O banco regional contava com 17 agências físicas e havia se tornado conhecido pelos seus suntuosos clientes, as grandes empresas techs do Vale do Silício.
Durante o período de bonança de crédito para venture capital, quando o cenário de juros baixos e estáveis nos Estados Unidos tornavam o investimento em capital de risco uma opção sólida, o SVB decidiu comprar volumosas quantias de títulos do tesouro norte-americano para proteger seu capital, diminuindo, em contrapartida, a proporção de reserva de caixa disponível.
Como parte dos gestores de capital de risco estavam mais preocupados em ser o próximo a encontrar um unicórnio, o aporte em t-bonds soava como algo absolutamente seguro para a instituição. Mas o mercado mudou, a taxa de juros norte-americana subiu para conter a inflação e o valor dos títulos despencaram, forçando o SVB a vender USD 21 bilhões de seus títulos, registrando perda de USD 1,8 bilhão.
Esse evento, somado à consequente redução da disponibilidade de capital para startups, afetou os humores e colocou muitos clientes do banco sob pressão, resultando em saques generalizados. Apesar de ser a maior falência de banco norte-americano desde 2008, a instituição não era tão grande, dado que possuía aproximadamente USD 209 bilhões em ativos.
Finalmente o SVB encontrou um comprador com o objetivo de reestabelecer o cenário de normalidade e credibilidade. O negócio envolve a venda de USD 72 bilhões em ativos para o First Citizens Bank, com um desconto de UDS 16,5 bilhões na transação e outros USD 90 bilhões em títulos do banco permanecendo com o Federal Deposit Insurance Corporation (FDIC), um fundo de garantia de crédito financiado pelo próprio setor bancário norte-americano. No total, o FDIC afirma que a falência do SVB acarretará num prejuízo superior a USD 20 bilhões para o fundo.
Dado o cenário, os investidores diminuíram o volume alocado em capital de risco, visto que para assegurar determinado target de retorno para seus acionistas devem agora optar por investimentos com menor exposição a risco e volatilidade.
Mas isso foi só o começo da história. Dias depois do SVB, o gigante Credit Suisse mostrou enorme vulnerabilidade, acabando por ser resgatado por uma operação do tesouro suíço que levou o UBS a adquiri-lo em condições típicas de crise financeira. Hoje é o Deutsche Bank que parece estar em terreno pantanoso. Ou seja, quando se pensou que havia alguma coisa relacionada a financiamento de startups, o que se viu foi um ensaio de crise financeira de dimensões ainda obscuras. De qualquer forma, por mais que a crise do SVB não tenha surgido de fraqueza do setor de venture capital, o fato é que o cenário para as startups é de enorme seca de crédito.
Há ainda fatores geopolíticos que alimentam o constrangimento do crédito. A disputa pela hegemonia tecnológica entre USA e China, a crise de suprimentos pós-pandemia, a guerra na Ucrânia, a elevada inflação generalizada na Europa devido à forte dependência energética da Rússia e a restrição na cesta de consumo impactada pela inflação americana formam um contexto de grande aversão a risco, levando os detentores de capital a optar por maior segurança e, consequentemente, o capital de risco deixa de ser tão excitante, uma vez que o foco passa a ser a proteção conservadora dos recursos financeiros.
Parece que o momento de grande atratividade de capital para as startups passou, e os investidores estão menos pacientes na obtenção do retorno de seus investimentos, na medida em que grande parte das companhias deste setor não são geradoras de caixa positivo. Antes, a abundância de recursos aplicados no desenvolvimento tecnológico, em contratações estratégicas, na compra da base de clientes ou em transações de fusões e aquisições para consolidação setorial deram lugar a um momento pouco ou nada romântico.
As notícias têm dado ênfase a um momento de contração setorial, no qual os grandes players têm enxugado o tamanho de suas máquinas visando a saúde das companhias durante este momento de turbulência. Só no primeiro mês de 2023, empresas como Amazon, Alphabet (Google) e Meta (Facebook, Instagram e Whatsapp) anunciaram mais de 40 mil demissões. Muitos analistas acreditam que, após um período de enorme crescimento nas seguidas quarentenas exigidas pela pandemia, o setor do e-commerce superestimou suas projeções para o período de abertura. Em outras palavras, o novo normal não parece ser tão tech como previsto no calor da pandemia.
O mercado ainda acredita em cases de sucesso com potencial para trilhar um caminho de crescimento, como no caso das empresas de inteligência artificial, anunciadas como a nova sensação do momento. Mas a verdade é que, após as falências recentes no setor bancário, os investidores estão em compasso de espera.
Muita coisa mudou durante o período pré e pós-pandemia. A alta na inflação que presenciamos foi impulsionada pela injeção de capital pelos governos atrelado a juros baixos para incentivar o consumo. O cenário econômico mundial tem presenciado batalhas que não parecem superáveis no curto prazo. Isso afeta o suprimento dos mercados, altera os preços pela simples regra da oferta e da demanda, como também dificulta e torna mais complexa a realidade da globalização.
O aumento dos preços tem assombrado as economias desenvolvidas e emergentes, impactando negativamente na cesta de consumo e forçando os gestores de capital a se protegerem do risco. E o venture capital é claramente um dos primeiros a sofrerem o impacto dessas mudanças. O cenário para as startups, enfim, nunca esteve tão preocupante.
Os artigos de autoria dos colunistas não representam necessariamente a opinião do IREE.
Yasser Hatia
Empresário, graduado em administração de empresas pela FGV e aluno no curso de mestrado profissional em gestão com foco em varejo pela FGV. Iniciou sua carreira no mercado financeiro atuando na área de fusões e aquisições. Atualmente exerce atividade profissional no segmento de varejo e serviço.
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