Já estamos cansados com os noticiários mostrando todos os dias a quantidade de pessoas mortas em razão da Covid-19. São mais de 410 mil brasileiras e brasileiros que perderam a vida para a doença até o começo de maio de 2021.
Faz mais de um ano que o vírus SARS-COV-2 aterroriza o mundo, deixando todos e todas angustiados com os rumos que o mundo vai tomar. Além da crise sanitária que assola o Brasil, temos uma crise política e uma crise social instauradas. E, apesar de ainda termos esperança, cada vez parece mais difícil sairmos do lugar de onde estamos.
Sabemos, contudo, que a Covid-19 tem afetado as pessoas de formas diferentes. Em razão das desigualdades sociais, raciais e econômicas que estruturam nossa sociedade, é evidente que algumas pessoas podem se proteger do vírus e outras não, seja porque não têm condições de fazer home office, seja porque precisam trabalhar fora de casa nos assim chamados serviços essenciais.
Um dos casos de serviços essenciais é o policiamento. Os agentes da ponta da segurança pública nunca fizeram home office, nunca deixaram de circular pela cidade e de fazer o trabalho a que são, constitucionalmente, destinados a fazer. E eles morreram. E morreram muito.
De acordo com os dados publicados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em parceria com o Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo e com o G1, somente em 2020, 465 (quatrocentos e sessenta e cinco) policiais morreram em razão da Covid-19.
Policiais morrem muito no Brasil – e sabemos que eles também matam muito. Apenas a título exemplificativo, no ano de 2019, 172 policiais morreram em confronto e 6.357 pessoas foram mortas em confronto com a polícia. São números estarrecedores. Mas o número de policiais mortos pela Covid-19 em 2020 no Brasil foi mais que o dobro do número de agentes assassinados nas ruas do país, que foi de 198.
Os dados divulgados apontam que todos esses policiais (civis e militares) estavam na ativa – inclusive fiscalizando o cumprimento das medidas de isolamento social. Além disso, mostram que esses homens e essas mulheres morreram mais no Rio de Janeiro, com 65 casos, seguido pelo Amazonas, com 50 casos e, por fim, no Pará, com 49 casos.
Isso sem contar os mais de 120 mil policiais (civis e militares) que foram afastados de suas funções, em algum momento do ano passado, em razão da doença. De acordo com os dados, isso representa quase 25% dos policiais na ativa do Brasil. O estado do Tocantins lidera esse ranking, com o maior percentual de afastamentos (38%) pela doença.
Não há possibilidade de vivermos em uma sociedade sem um poder de polícia. É claro, também, que devemos discutir que tipo e organização de policiamento queremos. Já passou da hora, mais de 30 anos após a abertura democrática, de fazermos isso de forma séria no Congresso Nacional.
Mas enquanto não nos debruçamos sobre essa discussão, o cuidado com os agentes de segurança pública deve ser prioritário em nosso país. Evidentemente que priorizá-los na vacinação é um caminho para mudar essa realidade, agora.
Se antes da pandemia não cuidávamos dos/as policiais civis e militares (o que vemos pelos números de letalidade), continuamos sem fazê-lo durante a pandemia. O Brasil é famoso por ter a polícia que mais morre e a polícia que mais mata no mundo. Agora, vamos conquistar mais um título vergonhoso com as mortes desses e dessas agentes de segurança pública em decorrência da Covid-19.
Os artigos de autoria dos colunistas não representam necessariamente a opinião do IREE.
Mariana Chies
É socióloga e advogada. Pesquisadora de pós-doutorado do Núcleo de Estudos de Violência da Universidade de São Paulo (NEV-USP), é coordenadora-chefe do Departamento de Infância e Juventude do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM).
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