A resistência ao direito do aborto – IREE

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A resistência ao direito do aborto

Danielle Zulques

Danielle Zulques
Diretora de política e sociedade do IREE



Como bem sabemos, o Supremo Tribunal Federal (STF) é a última instância judicial que lida com a ampla gama de questões legais relacionadas aos direitos das mulheres. Porém, nas últimas semanas temos percebido uma certa resistência da Corte em dar celeridade ao julgamento de pautas tão relevantes como a descriminalização do aborto até a 12 semana de gravidez.

Após o voto favorável da ministra Rosa Weber, o ministro Luis Roberto Barroso travou o julgamento pedindo vistas do processo e, aparentemente, não terá muita pressa em dar continuidade ao julgamento, já que a tendência era de que a maioria dos ministros mantivessem o cenário como é hoje, ou seja, permitindo a interrupção da gravidez apenas em casos de risco à vida da mulher, de gestação resultante de estupro e de anencefalia.

Segundo a Pesquisa Nacional de Aborto (PNA) de 2021, uma em cada sete mulheres com idade próxima de 40 anos já realizou pelo menos um aborto, sendo que 43% delas tiveram que ser hospitalizadas para finalizar o procedimento. É certo que a atual ilegalidade do procedimento leva as mulheres a buscarem procedimentos clandestinos e inseguros, colocando em risco suas vidas. Dessa forma a descriminalização do aborto é vista como uma medida para garantir que todas tenham acesso a serviços seguros e supervisionados por profissionais de saúde.

Vale lembrar que o princípio da autonomia do próprio corpo é uma ideia fundamental nos debates sobre direitos humanos e ética. Especialmente no contexto dos direitos reprodutivos, pois é certo que toda pessoa tem o direito de tomar decisões autônomas sobre o seu próprio corpo, saúde e bem-estar, sem interferência indevida de terceiros, incluindo o governo ou instituições religiosas e isso inclui obviamente o direito de decidir se e quando ter filhos, escolher métodos de contracepção, acessar serviços de planejamento familiar e, em alguns casos, decidir sobre a interrupção da gravidez. A autonomia reprodutiva significa que a pessoa tem o poder de tomar decisões sobre sua própria fertilidade. Assim ninguém deve ser forçado a continuar uma gravidez contra sua vontade, ainda mais por argumentos religiosos.

A importância de se discutir, pautar e julgar, com celeridade o aborto no Brasil visa ainda salvar vidas, pois já foi fartamente comprovado que a criminalização afasta as mulheres dos serviços de saúde, pois temem serem discriminadas e até mesmo presas. É uma questão gravíssima de saúde pública, não podemos admitir que mulheres morram ou que mulheres sejam presas por uma decisão que diz respeito exclusivamente a sua vida.

Volto aqui (como já dito em meu artigo: Cadê a diversidade no STF?) sobre a necessidade de se diversificar a composição do STF, precisamos de uma perspectiva feminina para que temas feministas não sofram mais tanta resistência na Corte. O STF já teve 168 homens e apenas três mulheres como ministros em toda a história, será que não é chegada a hora do Presidente fazer escolhas mais democráticas e que representem melhor a diversidade do país? Faz parte da democracia que todos e todas, os atores e as atrizes, da sociedade decidam.

Infelizmente o mais provável é que Rosa Weber seja substituída por um homem. Se a tendência se confirmar, será de Cármen Lúcia a única cadeira feminina no STF.

Em nome de “pautas mais urgentes” nossos direitos seguem sendo “deixados para depois”



Os artigos de autoria dos colunistas não representam necessariamente a opinião do IREE.

Danielle Zulques

É Diretora para assuntos de política e sociedade do IREE. Advogada formada pela FAAP e pós-graduada em Ciências Políticas pela FESPSP. É Coordenadora da CAUSA - rede que conecta advogadas a mães em busca de suporte legal.

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