A Propágulo é um espaço de arte com foco na produção artística contemporânea do estado de Pernambuco. Atua em um campo expandido de diálogos e experiências sobre a arte, incluindo a produção de revistas impressas, múltiplos de arte, eventos, exposições, projetos educativos, livros e podcasts.
Desde sua fundação já mapeou a produção de mais de 100 novos artistas e envolveu mais de 150 realizadores em suas ações, se tornando assim, uma importante plataforma de discussão, incentivo e difusão da cadeia produtiva de artes visuais do Nordeste do Brasil.

Revistas Propágulo Nº1, 2, 3, 4 e 5. Foto: Rod Souza Leão.
A colunista do IREE Cultura Laura Barbi, entrevistou um dos seus fundadores, Guilherme Moraes, sobre a trajetória do projeto e a importância de iniciativas independentes como a Propágulo, que se destaca pela sua resistência no campo cultural, legitimação de artistas emergentes e ampliação da rede de colaboradores.
Confira abaixo a entrevista.
Laura Barbi: Como surgiu a Propágulo?
Guilherme Moraes: A Propágulo surgiu em 2017, enquanto iniciativa de cinco discentes da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Não era propriamente um projeto universitário, mas desde seu início esteve atravessada por pesquisas e saberes próprios de cada um daqueles que compunham o coletivo até então: Eu, que vinha da Licenciatura em Artes Visuais, Rod Souza Leão, da Publicidade, Heitor Moreira, do Design, Nathália Sonatti, do Jornalismo e Bruna Lira, da Psicologia. Inicialmente, nosso principal interesse esteve pautado no impresso — e, até hoje, realizar a revista em si corresponde a uma fatia enorme do nosso tempo de trabalho —, mas aos poucos fomos entendendo que éramos movidos pela vontade de estabelecer, sustentar e prolongar diálogos sobre e a partir das artes visuais, sejam quais forem os suportes para que essas conversas aconteçam. Por isso, aos poucos a Propágulo passou a realizar eventos, exposições, podcasts e clubes de leitura, dentre outras publicações e iniciativas, e ser essa revista-espaço que é hoje.

Lançamento da Propágulo Nº4. 2020. Performance de Iara Izidoro e Iury Bruscky. Foto: Marlon Diego.
Laura Barbi: Fale um pouco sobre as 5 edições lançadas e como se deu a evolução entre elas.
Guilherme Moraes: Estar atrelado à produção cultural independente pode ser tanto limitador quanto uma grande libertação. Falo isso pelo fato de que a revista Propágulo se pretende semestral, informação que nem sempre acontece na prática (em alguns anos, lançamos uma única edição e em outros publicamos mais de duas: 2021 vai se encerrar com 3 revistas postas no mundo). Falo isso para enfatizar que só lançamos uma revista quando entendemos que ela está realmente pronta, e termos essa autonomia costurada à nossa lógica de funcionamento nos permite investigar cada mínimo detalhe seu a fundo.
Desde o início a Propágulo foi uma importante forma de pesquisa para nós, justamente por condensar tantas áreas do conhecimento atravessadas pelas artes visuais. Por isso suas edições são o retrato do limite investigativo que conseguimos atingir nesse processo de aprendizado. Inicialmente, trabalhamos com eixos temáticos: nossa primeira edição, lançada em 2017 no Museu de Arte Moderna Aloísio Magalhães (MAMAM), investigava uma ideia expandida das figurações humanas; a edição Nº 2, lançada nas ruas do entorno na ONG Casarão das Artes, buscava trabalhar o turvamento entre linguagens artísticas. A terceira, lançada na Galeria Capibaribe (CAC/UFPE) e no Museu Murillo la Greca (MMLG), trazia enquanto mote a fotografia como suporte/linguagem central.
Embora sejamos uma equipe pequena, a cada edição chegamos a cerca de 30 colaboradores diretos. Com o passar do tempo, pudemos trabalhar com mais curadores, produtores, jornalistas e críticos e aprender a partir de seus processos e dos dissensos estabelecidos em coletividade. Ganhando um corpo mais aprofundado de pesquisa, lançamos a edição Nº 4. Ela foi importante para nos descolarmos da ideia da temática pré-concebida e aumentarmos nossa porosidade para o que pulsava das entrevistas com artistas e debates de curadores, editores e redatores. Essa edição foi lançada em um galpão-estacionamento tencionado para espaço expositivo por um dia.
No início de 2021, publicamos nossa quinta edição, que traz a artista Clara Moreira enquanto capa, e, em pandemia, essa revista foi lançada inaugurando a nossa assinatura recorrente do Catarse, onde expandimos os conteúdos da revista para uma série de frentes.

Revistas Propágulo Nº 5. Foto: Rod Souza Leão.
Situo onde cada uma foi posta a público pois entendemos esse momento de lançamento enquanto celebração importante entre nós, nossos colaboradores e uma crescente rede de públicos que nos acompanha e apoia. Assim, conforme cada revista se transforma, muda nossa maneira de colocá-la em circulação: em cada lançamento, realizamos uma exposição com quem será, depois, acessado no impresso. A depender das provocações que aparecem na concepção de cada revista, essas mostras acontecem em galerias, museus ou espaços públicos, por exemplo. E isso vem acompanhado de uma programação de performances, shows e situações das mais diversas formas.
Laura Barbi: Como a revista é estruturada?
Guilherme Moraes: Enquanto editor e curador-educador da Propágulo, objetivo desenvolver editoriais responsavelmente abertos. Ainda que isso demande um exercício de atenção diferenciado, vamos ajustando tipologias e tamanhos de texto conforme as demandas processuais de cada revista. Isso se reflete diretamente em nosso projeto gráfico: a Propágulo cria um layout novo para cada matéria publicada. Pode-se dizer que o que se mantém enquanto estrutura é o acompanhamento prolongado que temos com nossas equipes de redação e uma revisão de texto feita de forma minuciosa.
Como falo de um tempo editorial dilatado, acontece por consequência aquele processo de deixar um texto descansar na gaveta: ele reaparece, meses depois, para olhos descansados e de atenção renovada aos seus detalhes e coerências internas. Outro ponto específico no que fazemos é que o entrevistado é o revisor final de seu texto. Obviamente, deixamos explícito que a escrita é um processo autoral próprio de um jornalista/crítico, e que o texto condensa uma série de autorias de nossa equipe até ser oferecido para uma última revisão, mas só publicamos depois das observações finais de quem é entrevistado por nós.
Laura Barbi: Como a revista é financiada?
Guilherme Moraes: Atualmente, contamos com o incentivo do Fundo Pernambucano de Cultura – FUNCULTURA, para a impressão de uma tiragem de mil exemplares das revistas Nº5 e Nº6, Nº7. Também temos, a partir de projetos deste mesmo edital, as edições Nº8 e Nº9 garantidas e já estamos começando a desenhá-las. Mas essa forma de financiamento em questão se limita à feitura do objeto revista. Outras atividades da Propágulo acontecem através do financiamento direto de nossos assinantes do Catarse.

Roda de debate na abertura da Exposição Propágulo: fotografia e identidade no Museu Murillo la Greca. 2019. Foto: Nathália Sonatti
Entendendo a revista enquanto um corpo que concentra interesses de consumidores específicos das artes visuais, a Propágulo Nº6, inclusive, conta também com patrocínio da Garrido Galeria.
Laura Barbi: Como se dá a seleção dos colaboradores e dos artistas em cada edição? Há um edital de seleção ou um conselho curatorial?
Guilherme Moraes: Realizamos convocatórias para todas as nossas edições. Assim, descobrimos novos artistas através de um volume sempre crescente de inscritos. Em 2019, realizamos uma chamada para interessados em compor a nossa equipe de redação. O retorno foi tão grande que, até hoje, consultamos os nomes inscritos antes de fechar a equipe de cada revista. Isso não impede, contudo, que façamos convites para participantes. Acredito que o convite quebra barreiras estabelecidas pela, ainda que breve, burocracia envolvida na ideia de uma convocatória. Administrando essas duas estratégias, buscamos criar uma revista que traga um mapeamento coeso de poéticas visuais e investigações escritas sobre arte.
O conselho editorial é uma novidade em nossas últimas revistas. Neste ano, contamos com Ariana Nuala, Chico Ludermir, Moacir dos Anjos e Valkíria Dias, nomes importantes para a cadeia artística nacional. Convidamos pessoas que admiramos para, quando possível, literalmente pedirmos suas impressões e conselhos sobre o que estamos fazendo. A curadoria em si, contudo, acontece dentro da nossa redação. Coordeno esse processo, que se estabelece de maneira diagonal com os outros integrantes da Propágulo. Normalmente, são co-curadores da edição Heitor Moreira, Rod Souza Leão e Marianna Melo (expógrafa sempre presente no processo de transição de uma revista impressa para uma mostra em um espaço).
Laura Barbi: Além da revista impressa, quais outras ações são realizadas por vocês?
Guilherme Moraes: Somos movidos pela vontade de nos conectarmos com quem está interessado em conversar sobre arte. Por isso, para além da revista Propágulo, hoje reunimos algumas frentes recorrentes mantidas pela nossa assinatura do Catarse. A partir de alguns planos de assinatura, realizamos os Múltiplos de Arte, em que desenvolvemos obras de arte impressa com a rede de artistas que acompanhamos. Já comissionamos obras em litogravura, serigrafia, gravura em metal, risografia e cianotipia, sempre buscando conversar com a poética de quem está criando conosco. Enviamos uma obra assinada e numerada para nossos assinantes a cada dois meses.
Fora isso, na Propágulo eu conduzo o Clube de Leitura e Debate, um encontro virtual mensal em que criamos módulos de leitura a partir de interesses que o próprio grupo tem. Invariavelmente, os debates que acontecem nesses encontros escoam para nossas publicações.
Produzimos o zine bimestral Desdobra, um spin-off da revista Propágulo, em que publicamos entrevistas transcritas na íntegra e outros materiais complementares ao que os leitores podem acessar na revista. Nela, fazemos questão de explorar o formato artesanal característico do fanzine.

Revistas Propágulo Nº 5. Artista: Clara Moreira. Foto: Rod Souza Leão.
O Podcast AFTA é outra frente que vem ganhando corpo. Editorialmente, estamos focados em apresentar para o público um debate pautado na cadeia produtiva das artes visuais. Assim, buscamos conversar sobre pesquisas teóricas, poéticas e práticas que atravessam pessoas gestoras, educadoras, curadoras e expógrafas, insistindo na densidade que compõe esse vasto panorama de atuação.
Laura Barbi: Vocês publicaram dois livros: Outras Gramáticas (2021) e Entre Curadoria e Mediação Cultural, fale um pouco sobre eles.
Guilherme Moraes: O livro Outras Gramáticas foi a nossa maior empreitada editorial no que se diz respeito ao seu alcance. Enquanto nossa revista busca trazer pessoas atravessadas por Pernambuco, essa publicação trouxe textos escritos e imagens de todo o território nacional. Assim, foi a partir do que selecionamos na convocatória que começamos a criar um percurso de diálogos entre os materiais que recebemos. Por ser um e-book, o limite de páginas não era um problema, como se apresenta numa revista impressa, por isso pudemos criar três largos núcleos de textos: 1 – amizades/coletividades/afetos; 2 – corpos/invenções/deslimites; 3 – arquivos/ruídos/memórias.
O livro Outras Gramáticas, que neste ano será lançado também impresso na Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas, é resultado de uma pesquisa que realizei, com orientação da Profª. Dra. Maria Betânia e Silva, sobre os processos curatoriais e educativos que atravessaram a exposição “Propágulo: fotografia e identidade”, decorrente do lançamento da nossa terceira revista. Pessoalmente, um dos meus focos de pesquisa, tanto na Propágulo quanto na Academia, está nas fricções entre curadoria e mediação cultural. Esse livro inaugura o que espero ser uma futura coleção pautada na produção de conhecimento decorrente das pesquisas de participantes da Propágulo.
Laura Barbi: Quando será lançada a próxima edição?
Guilherme Moraes: A Propágulo Nº 6-7 será lançada já em outubro! Transformamos um único editorial em duas revistas complementares que serão lançadas simultaneamente, ou seja: duas capas, dois objetos, o dobro de matérias, de participantes e de páginas.
Laura Barbi: Qual a importância de iniciativas independentes como a Propágulo na divulgação de artistas emergentes?
Guilherme Moraes: Existindo desde 2017, já é possível perceber contribuições na trajetória de artistas que passamos a acompanhar. Ainda que nosso compromisso seja com o diálogo sobre arte, acabamos nos tornando uma força legitimadora através de nosso mapeamento, e percebemos esse impacto na cadeia. Falo isso após já ter ouvido algumas vezes que artistas passaram a ser representados por galerias recifenses e de outras cidades do país por terem sido vistos pela primeira vez na Propágulo. De forma semelhante, colecionamos alguns relatos de contratações de colaboradores que, em seleções, tiveram enquanto diferencial a participação formativa em nossa revista.
Contudo, para além dessa influência, acredito que a Propágulo seja sintoma positivo de uma cadeia que, apesar das tantas camadas de sucateamento, teima em existir. Nesse sentido que eu sublinho a importância de coletivos emergentes, autônomos e independentes que, ao se qualificarem como tais, podem contribuir de forma consistente no adensamento da produção artística que os circunda. Além disso, pelo menos em Recife, percebo uma vasta colaboração entre pares presentes em setores independentes, instituições públicas e instituições privadas que, através de parcerias e esforços multilaterais, vêm novamente situando a cidade como um dos pontos mais expressivos nas artes visuais do país.
Sobre o entrevistado
Guilherme Moraes é graduado em Artes Visuais pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e investiga o curatorial enquanto forma de aprendizado e as relações entre os campos da curadoria e da mediação cultural. É curador-educador e editor da revista-espaço Propágulo. Enquanto curador independente, realizou, em 2021, exposições como “Desculpas Pelas Quais”, com os artistas Heitor Dutra e Marcela dias, na Garrido Galeria, juntamente a Steve Coimbra, e compôs a equipe de curadores da exposição “Inquietudes Vagalume” a partir do acervo do Museu de Arte Moderna Aloisio Magalhães (MAMAM).
Os artigos de autoria dos colunistas não representam necessariamente a opinião do IREE.
Laura Barbi
É curadora, produtora executiva, arquiteta e designer gráfica. Pesquisadora em arte contemporânea, identidade cultural, diplomacia cultural e mercado das artes. Laura curou e produziu exposições e eventos culturais no Reino Unido e no Brasil. Entre 2008 e 2015, trabalhou como gerente de projetos/produtora executiva na Embaixada do Brasil em Londres. Possui mestrado em design gráfico (University of Arts London) e é doutoranda em artes visuais (EAU-UFMG). É cofundadora da CULCO - Cultural Constellation, uma rede global que reúne 32 trabalhadores da cultura presente em 15 países. Laura é editora de artes visuais do Jornal Letras. Em outubro de 2017, fundou a GAL Arte e Pesquisa, projeto de arte contemporânea que visa proporcionar novos contextos de fruição, participação, criação, crítica e consumo de arte, ocupando espaços vazios dentro das cidades com exposições temporárias e acontecimentos gratuitos.
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