Os argentinos vão às urnas no dia 19 de novembro de 2023 para escolher seu novo Presidente em busca de soluções para a grave crise econômica que o país enfrenta. No centro das preocupações estão a inflação, que já passa dos 140% ao ano, e o consequente aumento da pobreza. Para enfrentar esses problemas, os desafios são complexos e passam por reverter a desvalorização acentuada da moeda, recuperar o crescimento do PIB, negociar a dívida externa e equacionar o orçamento público, que hoje apresenta elevado déficit fiscal.
Há fatores conjunturais que impactam o cenário atual, como a grave seca que prejudica a produção de grãos, produtos com peso relevante na pauta de exportações argentina. Além do prejuízo para o crescimento do PIB, a queda das exportações afeta o câmbio.
No entanto, os problemas da economia argentina não são novos. Análises mais aprofundadas da crise a situam em um contexto mais amplo da constituição histórica do país. A dificuldade de controlar a inflação, o déficit fiscal e dependência do dólar norte-americano são questões que desafiam a sociedade argentina há anos e remontam desde as mudanças geopolíticas pós-Segunda Guerra Mundial, a uma série de golpes e regimes militares que debilitaram a institucionalidade do país ao longo de décadas.
Um passado glorioso
Persiste na memória argentina um período de pujança econômica, quando o país já foi chamado de celeiro do mundo, e que garantiu importantes conquistas de desenvolvimento cujo legado é sentido até hoje. De acordo com o Maddison Historical Statistics Project, a Argentina foi o país com o PIB per capita mais alto do planeta entre 1895 e 1896.
Mesmo com a crise, a Economist Intelligence Unit, divisão de pesquisa e análise do grupo da revista The Economist, elegeu este ano Buenos Aires como a melhor cidade para morar na América Latina a partir de critérios como cultura, educação, estabilidade, infraestrutura e sistema de saúde.
Depois de figurar entre as nações mais ricas do mundo no começo do século XX, a Argentina empobreceu, acumulou crises, passou a depender de ajuda internacional, e se tornou um mau pagador. Mas afinal, quando os ventos começaram a mudar para a economia argentina?
As análises sobre as políticas equivocadas de cada governo divergem, mas estudiosos de diferentes linhas ideológicas apontam que as raízes dos problemas da Argentina estão na instabilidade institucional causada por seis golpes de Estado entre 1930 e 1983 que minaram sua atratividade econômica, para além de todo o trauma social gerado pelas violações de direitos humanos. E até hoje o país não conseguiu encontrar um caminho firme.
Problemas históricos
Desde o fim de sua época de ouro, a Argentina continuamente se reencontra com os mesmos desafios. A inflação é um dos maiores deles. Entre 1961 e 2011, a taxa média de inflação no país foi de 192% ao ano, período em que quatro em cada cinco anos a inflação ficou acima de dois dígitos. O ano de 2006 foi o último em que o país registrou uma inflação de um dígito, de 9,8%. Os preços hoje acumulam alta de 143% em 12 meses até outubro.
Segundo um estudo da Universidade de Buenos Aires e do Conicet (Conselho Nacional de Pesquisas Científicas e Técnicas), de 1970 a 2020, a Argentina passou por 12 planos de estabilização econômica. Com esse número, a Argentina é o país que mais teve planos que buscaram a estabilização da economia na América Latina, dos quais sete fracassaram (1976, 2 em 1987, 1988, 1989, 1990 e 2018), quatro tiveram sucessos temporários (1973, 1979, 1985 e 2016) e apenas um obteve um sucesso mais longo, em 1991, o Plano Cavallo.
O Plano Cavallo estabeleceu a paridade fixa entre o peso argentino e o dólar norte-americano. Para isso, o Banco Central garantia cada peso em circulação com um dólar americano. No entanto, choques externos e a falta de mecanismos de saída da paridade levaram à trágica crise de 2001, quando a demanda por dólares superou enormemente a capacidade da Argentina de gerar divisas, e o país passou a depender ainda mais do financiamento externo.
A resposta do governo foi o “corralito”, medida que impôs restrições à retirada de depósitos bancários, desencadeou fortes protestos da população e abriu uma profunda crise política e institucional no país, com aumento da pobreza da população.
Desafios atuais e o debate eleitoral
O cenário de crise atual deve levar a Argentina para um novo plano de estabilização, que está no foco dos debates desta eleição. As consequências do Plano Cavallo faz com que a proposta do candidato de oposição Javier Milei de retomar a paridade cambial seja considerada pouco viável por analistas. O candidato ultraliberal também propõe fechar o Banco Central, cortar gastos públicos para até 10% do PIB, reduzir impostos e privatizar empresas estatais.
O candidato governista Sergio Massa propõe, por sua vez, um plano mais voltado para o fortalecimento das exportações para valorizar a moeda nacional, a renegociação de dívidas e a criação de uma mesa de negociação focada em crescimento, redução da inflação e melhoria dos salários. Pesa contra ele, porém, ser o atual Ministro da Fazenda de um governo mal avaliado na condução da economia.
O clima de tensão desta eleição, com uma disputa acirrada no segundo turno, mostra que, de crises em crises, a estabilidade política e institucional continua a ser um ponto frágil na busca de um caminho de volta para a prosperidade econômica argentina.
Por Samantha Maia
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