Novos cortes orçamentários atingem fortemente as instituições de pesquisa, com risco de, em pouco tempo, a ciência nacional ficar totalmente inviabilizada.
No início de agosto, a Câmara dos Deputados aprovou o texto da Reforma da Previdência em uma votação bastante confortável no que tange à margem de votos necessários. Foram 370 deputados federais favoráveis e 124 contrários, ultrapassando com folga o mínimo de 308 votos necessários para o texto seguir para o Senado.
O placar da votação surpreendeu diversos analistas, que esperavam uma votação mais apertada. O resultado fortaleceu o presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ). O deputado venceu o jogo de morde e assopra junto ao Planalto, que delegou a ele os custos da negociação do tema dentro da Câmara.
Contudo, tal placar só foi possível com a liberação das emendas orçamentárias e com a aceleração do empenho das emendas ordinárias.
Um dia antes da primeira votação, o governo empenhou 1,3 bilhões de reais em emendas parlamentares ao Orçamento da União. Porém, se considerarmos os empenhos efetivados desde o início de março, quando o texto começou a ser debatido, esse valor passa de 4 bilhões de reais.
A liberação de emendas vinculada a votações fundamentais é o mais clássico exemplo de “toma lá, dá cá” condenado veementemente pelo presidente Jair Bolsonaro em inúmeras ocasiões.
Para além das inconsistências (e inverdades) do discurso de Bolsonaro, o que quero destacar são os efeitos concretos dessa prática em um ano de duros cortes orçamentários em pastas centrais para o desenvolvimento do país.
O “toma lá, dá cá” da Reforma da Previdência revela que não há diferença nas relações entre os poderes Executivo e Legislativo vis-à-vis governos anteriores. Mas existe uma diferença fundamental que diz respeito ao propósito: um ataque direto à Educação e à Ciência, fundamentais para a construção do futuro do país.
No Ministério da Educação, o novo corte de 348 milhões de reais – ou bloqueio, como o governo prefere rotular – atingiu em cheio a educação básica (que supostamente seria poupada), que terá a produção e distribuição de livros didáticos suspensa. As escolas já se preocupam com o recebimento a médio prazo do material. Para o ano que vem, a preocupação é ainda maior.
Já o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações responsável pela manutenção da pesquisa científica nacional – que é feita em sua quase totalidade nas universidades públicas do país –, foi atingido de maneira catastrófica. O maior risco hoje é o fechamento do CNPq, órgão de fomento central da nossa pesquisa de ponta.
A partir do mês que vem há dúvida sobre a manutenção do pagamento das bolsas dos estudantes e pesquisadores. Editais já foram suspensos e bolsas não foram renovadas. Vale lembrar que os laboratórios de pesquisa são mantidos essencialmente pelo pagamento de bolsistas altamente capacitados, que recebem módicos valores, sem qualquer direito trabalhista.
Os coordenadores dos principais Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia assinaram um manifesto em defesa da Ciência, Tecnologia e Inovação e das Agências Federais de Fomento à Pesquisa Científica e Tecnológica. Eles pedem uma posição da Presidência da República.
Porém, enquanto o Planalto tratar a Educação e a Ciência como um custo e não como um investimento, ou ainda pior, criar uma narrativa ideológica junto à opinião pública sobre o perfil “esquerdista” da academia e da pesquisa, em pouco tempo a ciência nacional ficará totalmente inviabilizada.
Sem pesquisa não há desenvolvimento, nem inovação, e muito menos crescimento econômico.
Os artigos de autoria dos colunistas não representam necessariamente a opinião do IREE.
Carolina de Paula
É doutora em Ciência Política pelo IESP/UERJ, Diretora Executiva do DataIESP e consultora da UNESCO. Coordenou o "Iesp nas Eleições", plataforma multimídia de acompanhamento das eleições de 2018. Foi coordenadora da área qualitativa em instituto de pesquisa de opinião e big data, atuando em diversas campanhas eleitorais e pesquisas de mercado. Escreve mensalmente para o IREE.
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