A Modernidade Líquida e o Feijão com Strogonoff – IREE

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A Modernidade Líquida e o Feijão com Strogonoff

Ricardo Dias

Ricardo Dias
É luthier, escritor e músico



A gente é o que a gente é quando não tem ninguém olhando. Seja lavando as mãos ao sair do banheiro morando sozinho, seja o padre que o Fernando Sabino flagrou rezando uma missa sem ninguém na Igreja, seja o eleitor votando em quem de fato disse que votou.

-Ah, Ricardo, eu votei no Amoedo!

Claro, claro, não temos por que duvidar, embora a quantidade de votos declarada ao rei dos sapatênis o teria eleito no primeiro turno.

Honestidade é o tema da quinzena. Estamos num momento da história em que fica cada vez mais difícil acreditar em quem quer que seja. A CPI nos faz idolatrar políticos que até ontem estávamos xingando – e certamente xingaremos de novo amanhã. Se temos a Modernidade Líquida de Bauman, temos a Moralidade Líquida da CPI. E se La Donna È Mobile, nossos queridos políticos são mais. O inflamado – quase que literalmente – senador Bezerra, que hoje defende com galhardia o seu dele governo, já foi ministro de Dilma; o bravo Renan Calheiros também já distribuiu seus favores por diversos governos. Então é bom pensar um pouquinho antes de tatuar o sorriso de seu político favorito do momento no antebraço ou no cofrinho.

Mas que isso não se confunda com legitimamente mudar de ideia. Eu me submeto à execração pública, pois num primeiro momento acreditei em Moro, num primeiro momento apoiei o impeachment de Dilma, então nunca acreditem no meu primeiro momento; meu QI, aparentemente, só pega no tranco (toda coluna que publico é sempre a terceira ou a quarta versão, podem ler tranquilos).

Aliás, essa é uma das funções deste sítio: oferecer a maior variedade de pensamentos para que cada um decida o seu. Aqui é uma espécie de buffet de ideologias, cada um monta seu prato da mesma forma com que alguns montam numa comida a quilo: feijão com strogonoff, coberto com sashimis e pedacinhos de coentro. E sim, é mais ou menos esse o resultado de nossas combinações políticas. Mas o risco de reduzir os deputados e senadores a um “é tudo safado” é eleger quem se diz contra isso, mesmo sendo parte da gororoba. Temos um exemplo vigente, aliás. Resultado: mais de 500 mil mortos.

A entrada de trapalhões no governo implica em amadorismo até na esculhambação. Senão, vejamos: um deputado vai com o irmão à CPI e nos informa que o presidente prevaricou, foi alertado sobre corrupção e nada fez. E insinua ter provas.

O presidente, após um bom tempo, nos diz que não, que tomou providências, mas que não tem tempo de prestar atenção em tudo.

Aí o irmão diz que não tem gravação nenhuma e que vendeu o celular, não tendo mais nada nem prova nenhuma.

Em seguida, o governo – que, lembrem, admitiu ter tomado providências sobre a denúncia – quer processar o deputado que disse que o alertou por este ter mentido, não houve denúncia alguma.

Sim, o parágrafo ficou confuso, mas não tenho culpa, a realidade é essa, não votei nesse pessoal. Mas a coisa segue!

Não ando frequentando bares, mas sempre tivemos modinhas: nos anos 80 apareciam vendedores de poesia alternativa, nos anos 90, vendedores de incenso, nos anos 20 vendedores de vacina. E nas repartições, tradicionalmente, entram vendedores de salgados, cafezinho, por que não vacinas? É tudo uma questão de lei da oferta e da procura.

-O amigo não quer comprar uma vacina? Tá fresquinha!

-Hoje não, obrigado, mas quem sabe o ministro não quer? É no andar de cima, pode ir entrando, ele recebe qualquer pessoa. Ele está com uns coronéis, mas te atende sem problema.

Ou seja: na prática, corremos o risco de ter uma CoronéVac.

Ai.

Desculpem, não faço mais.



Os artigos de autoria dos colunistas não representam necessariamente a opinião do IREE.

Ricardo Dias

Tem formação de Violonista Clássico e é luthier há mais de 30 anos, além de ser escritor, compositor e músico. É moderador do maior fórum de violão clássico em língua portuguesa (violao.org), um dos maiores do mundo no tema e também autor do livro “Sérgio Abreu – uma biografia”.

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