O movimento estudantil sempre soube que o governo de Jair Bolsonaro traria retrocessos e ataques às instituições democráticas. Em 2018, às vésperas do segundo turno das eleições presidenciais, estudantes de todo o país organizaram mobilizações pela democracia, deixando evidente que não iríamos nos curvar frente ao projeto de governo autoritário que ele representa.
Com sua vitória, Bolsonaro sistematicamente promoveu a desvalorização da educação. Seu governo realizou cortes no financiamento de pesquisas, impedindo que estudantes – notadamente aqueles com maior vulnerabilidade social – pudessem se dedicar a fazer ciência. Além disso, feriu a autonomia universitária ao buscar intervir sobre universidades e institutos federais, interferindo na escolha de reitores pela comunidade acadêmica.
Entretanto, combater Bolsonaro e seu projeto de país nunca foi tão crucial quanto é agora. Em 2020, Bolsonaro promoveu uma crise institucional em meio a uma das maiores pandemias da história. Incentivou manifestações contra o Legislativo e o Judiciário, minimizou as consequências do coronavírus e se omitiu diante da necessidade de firmar acordos para garantir doses suficientes de vacinas para um país de dimensões continentais.
Ainda, o governo federal permitiu a realização do ENEM em meio a um cenário de aumento de casos de COVID-19 em todo o país, expondo milhares de estudantes ao risco de contaminação. Se não fosse só isso, diversas pessoas foram impedidas de realizar a prova devido à lotação das salas. Alunos de escolas públicas, que em 2020 tiveram que encarar a dificuldade de prestar vestibular estudando em casa por contra própria, viram seus sonhos barrados na porta.
Este cenário demonstra que Bolsonaro é um irresponsável em tudo o que faz. Seus únicos êxitos têm sido naquilo que interessa a si próprio e à sua família, utilizando-se da administração pública para fins escusos. Exemplo disso são as denúncias de que a Agência Brasileira de Inteligência (ABIN), dirigida por Alexandre Ramagem (amigo da família Bolsonaro), teria produzido relatórios que auxiliaram diretamente a defesa de Flávio Bolsonaro no caso das rachadinhas.
É com base nessa conjuntura que o Centro Acadêmico XI de Agosto, instituição a qual presido, protocolou uma denúncia por crime de responsabilidade em face de Jair Bolsonaro. Auxiliados pelo escritório Ricomini Piccelli, trabalhamos na escrita de uma peça de impeachment que contou com mais de 1000 assinaturas de pessoas físicas e a adesão de dezenas de entidades estudantis.
Dentro da Faculdade de Direito da USP, instituição a qual estamos vinculados, diversas entidades e extensões também assinaram o documento. Mesmo coletivos de oposição à nossa gestão também foram signatários, o que demonstra que, apesar de todas as divergências, nossa posição é unânime: é preciso tirar Bolsonaro para salvar o país.
Este foi o primeiro pedido de impeachment protocolado com o apoio massivo de entidades estudantis e escrito pelas nossas próprias mãos. Foi um trabalho coletivo, que exigiu de nós a pesquisa acerca dos crimes de responsabilidade cometidos por Jair Bolsonaro e sobre sua sistematização no papel.
Frise-se que tudo isso foi produzido por uma gestão do XI de Agosto que é construída pelas mãos de estudantes da primeira turma de cotistas étnico-raciais da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco. Nós, estudantes negras e negros, promovemos transformações não apenas na universidade, como também em nosso país.
Sabemos, contudo, que ainda há um grande caminho a percorrer para que um processo de impeachment seja instaurado no Congresso Nacional. É preciso lutar pela derrota de Bolsonaro não apenas juridicamente, como também nas ruas. Para isso, a presença e a mobilização do movimento estudantil será crucial.
Se em 2018 e 2019 fomos os responsáveis por levar milhares de estudantes às ruas na defesa da educação, devemos estar atentos à tarefa de fazer o mesmo por nosso país, assim que o controle da pandemia tornar isso possível. Devemos estar, hoje e sempre, na luta pela democracia.
Os artigos de autoria dos colunistas não representam necessariamente a opinião do IREE.
Letícia Chagas
Graduanda em Direito na USP, foi a primeira presidente negra do Centro Acadêmico XI de Agosto (2020-2021) e pesquisadora do Programa de Educação Tutorial (PET) Sociologia Jurídica. Atualmente, é coordenadora de pesquisa do Grupo de Pesquisa e Estudos de Inclusão na Academia (GPEIA).
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