A importância da Economia Criativa – IREE

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A importância da Economia Criativa

Ana de Hollanda

Ana de Hollanda
Cantora, compositora e ex-Ministra da Cultura



Em mil novecentos e noventa e poucos, na Austrália, a indústria criativa começou a ser estudada e mensurada pelo seu valor financeiro como produto em si ou pelo valor agregado a outras mercadorias. Foi quando o mundo econômico se deu conta do peso dessa indústria dentro do PIB da nação.

Rapidamente a descoberta chegou à Inglaterra e, em seguida, aos demais países europeus. No entanto, já nessa época, a compreensão de economia X cultura passou a receber outros conceitos como, por exemplo, o do pesquisador e especialista no tema John Howkins, defensor da tese de que é justamente a relação que se dá entre a economia, a criatividade e o campo simbólico que constitui a Economia Criativa.

Já na Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD), a economia criativa foi definida como “um conjunto de atividades econômicas baseadas no conhecimento com uma dimensão de desenvolvimento e ligações transversais a níveis macro e micro à economia global”.

No Brasil, desde o início do século, o assunto vinha sendo citado em repercussão às posições da UNCTAD. No entanto, apesar de nossa reconhecida criatividade e pluralidade cultural, não houve nenhuma iniciativa concreta em estruturar essa área até o fim da primeira década.

Ao ser convidada para assumir o Ministério da Cultura, no mandato inicial da Presidenta Dilma Rousseff, imediatamente foquei o tema como uma prioridade estruturante em termos de sustentabilidade, inovação, inclusão, geração de renda e, claro, desenvolvimento do campo cultural.

Tinha informações de pessoas dedicadas que vinham se especializando no estudo da economia criativa. Depois de algumas sondagens sobre possíveis nomes, e de conversar com a Ministra do Planejamento sobre a reestruturação do MinC, criei a Secretaria da Economia Criativa e convidei a professora Claudia Leitão para assumir essa pasta vital dentro do Ministério e que, com ajuda de uma equipe altamente competente, debruçaram-se sobre o assunto.

Já no primeiro ano, a Secretaria produziu o “Plano da Secretaria da Economia Criativa”, com uma previsão de políticas, diretrizes e ações para os anos de 2011 a 2014. O Plano define os setores criativos como “aqueles cujas atividades produtivas têm como processo principal um ato criativo gerador de um produto, bem, ou serviço, cuja dimensão simbólica é determinante do seu valor, resultando em riqueza cultural, econômica e social”.

Economia criativa também pode ser definida como o conjunto de negócios baseados no capital intelectual e cultural e na criatividade que gera valor econômico. A matéria-prima é o capital intelectual, o insumo, carregado por valores simbólicos.

Além dos benefícios que ela proporciona à cultura em si, a cadeia produtiva da cultura, bem organizada, estimula o mercado, a geração de renda, cria empregos, produz receitas de exportação e, através do design, participa como valor agregado a produtos industriais cuja prioridade não é propriamente a arte.

No escopo dos setores criativos selecionados pelo MinC em 2011 foram distinguidos o patrimônio material, patrimônio imaterial, arquivos, museus, artesanato, culturas populares, culturas indígenas, culturas afro-brasileiras, artes visuais, dança, música, circo, teatro, cinema, vídeo, publicações, mídias impressas, moda, design, arquitetura e arte digital.

Pelo alcance previsto para o projeto, ele não poderia depender só do Ministério da Cultura, mas também do apoio de outras pastas e instituições parceiras que prestam serviço público. Em função disso, numa audiência, apresentei o projeto “Brasil Criativo” à Presidenta Dilma, que imediatamente compreendeu a dimensão dele dentro do Estado. Não só pelo fomento à cultura, mas pela sua importância para a economia, indústria, comércio interno e externo, por inserir uma considerável parcela da população no trabalho formal além de servir como reafirmação da imagem internacionalmente positiva do país, bastante reconhecido, então, por sua criatividade.

O nome e o logotipo “Brasil Criativo” estariam presentes em todos as nossas “commodities culturais”. Para reforçar a inclusão do projeto na pauta de outros ministérios essenciais como Fazenda, Justiça, Desenvolvimento Indústria e Comércio Exterior, Trabalho, Ciência e Tecnologia, Educação, prioritariamente, a Presidenta centralizou a convocação e gerenciamento na Casa Civil, sob orientação do Ministério da Cultura.

Ao MinC caberia, também, estabelecer parcerias com demais instituições como o Sebrae, Universidades, centros de pesquisas, entre tantas. Mas a ação mais revolucionária em termos culturais seria a plataforma a ser criada, ligada à página virtual do Ministério da Cultura, onde estaria presente uma rede contendo toda a cadeia produtiva existente nas cinco regiões geográficas do país com informações culturais precisas, incluindo localizações, contatos, imagens, áudios, dados técnicos, releases e o que mais coubesse informar sobre o funcionamento do mundo cultural e artístico.

Assim, por exemplo, um grupo teatral do Sudeste que pretendesse realizar uma turnê pelo Norte e Nordeste, saberia de antemão quais os teatros disponíveis, equipamentos para alugar, técnicos, artistas, músicos, divulgadores etc. Para se adquirir as famosas cerâmicas do Vale do Jequitinhonha, os contatos dos artesãos, seus representantes, ou cooperativas estariam expostos. O mesmo se daria com as rendeiras e bordadeiras.

Dessa forma o mercado de artes, artesanato, produtores, técnicos, gráficas, espaços e eventos culturais estariam disponíveis a qualquer interessado no Brasil ou no exterior. Sem grandes investimentos do governo, esse mapeamento na plataforma digital fomentaria o mercado da cultura e permitiria autonomia e sustentabilidade aos criadores que, por enquanto, com boa parte sem contratação formal, contam apenas com a intermediação parcial de alguns empresários.

No fim de 2012, no início da implantação do projeto, fui substituída por outra ministra que não demonstrou grande interesse pelo assunto e, em 2015 o ministro que assumiu a pasta – por motivos políticos – resolveu extinguir a pasta e o projeto “Brasil Criativo”. Uma nova SEC só foi recriada a partir do governo Temer, porém com uma visão bem mais mercantilista do que cultural.

Mas é importante ressaltar que a partir desse primeiro passo institucional, várias secretarias de estado da cultura criaram departamentos de economia criativa e, mais tarde, ampliaram seus nomes para “Secretaria de Cultura e Economia Criativa”.

Outros institutos também se dedicaram a estudar a economia criativa como o Sebrae, inicialmente convidado como parceiro do MinC e, mais tarde, em outras parcerias, desenvolvendo, entre tantas atividades, incubadoras com a finalidade de orientar o empreendedorismo cultural.

A Firjan, com seu foco naturalmente voltado para a indústria, vem promovendo e publicando pesquisas minuciosas sobre o tema, apresentando números de empregos formais no setor e o percentual que a indústria criativa ocupa no PIB brasileiro. Em relação à esta, em 2017, com a economia já em queda – refletindo a crise de toda produção industrial brasileira – e bem antes da pandemia, o Brasil contava com 837,2 mil profissionais, ou o equivalente a 1,8% dos trabalhadores formalmente contratados. Quanto ao percentual do PIB, a participação girava em torno de 2,62% até 2017.

Porém, o que me chama atenção é que, apesar da recriação da Secretaria, a pasta infelizmente não recuperou a visão legítima que o MinC desenvolveu de economia criativa, como valorização da produção cultural brasileira em toda sua capilaridade, estimulando o fomento automático do mercado da cultura e garantindo-lhe uma sustentabilidade que as leis de incentivo, prêmios e editais jamais alcançarão.

Enfim, o inovador projeto da Secretaria de Economia Criativa, desenvolvido na gestão da Presidenta Dilma, nada tem a ver com a orientação essencialmente economicista que mantém a produção cultural refém do velho mecenato pessoal e político.



Os artigos de autoria dos colunistas não representam necessariamente a opinião do IREE.

Ana de Hollanda

É cantora, compositora e ex-Ministra da Cultura. Além do trabalho na música, com cinco discos gravados, Ana estudou artes cênicas, foi atriz, dramaturga e produtora cultural. Foi Coordenadora de Música do Centro Cultural São Paulo, Secretária de Cultura do Município de Osasco, Diretora do Centro de Música da Funarte e vice-Presidente do Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro.

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