Este artigo foi publicado no dia 18 de junho de 2021.
O Brasil chegará nos próximos dias à trágica marca de 500 mil vidas perdidas na pandemia de Covid-19. Isso sem considerar os casos não notificados, especialmente no início da pandemia, além das vítimas da fome e do desemprego. Impossível não lembrar de entrevistas do presidente da República afirmando que a pandemia causaria menos de 800 mortes, em referência às vítimas de H1N1 em 2019.
Hoje somos o país onde mais se morre por Covid-19 no mundo. Isso porque convivemos com uma explosiva mistura de negacionismo, incompetência e crueldade. Ao rejeitar dezenas de ofertas de vacina; ao combater as políticas de distanciamento social; ao fazer de Manaus uma criminosa experiência para a tal “imunização de rebanho” em janeiro deste ano; ao promover um ajuste fiscal em meio à pandemia, privando os mais pobres de condições mínimas de sobrevivência após o corte do Auxílio Emergencial, o governo Bolsonaro fez do Brasil uma vitrine mundial de como um governo não deve agir.
Diante de um país que morre um pouco mais a cada dia – sufocado ou de fome – o presidente busca sobreviver politicamente. Enquanto vê seus índices de aprovação despencarem, Bolsonaro recorre às armas de sempre: ameaças golpistas, teorias conspiratórias, fake news, ataques à oposição…
Depois do dia 29 de maio, quando os movimentos sociais voltaram às ruas com força em todo o país, Bolsonaro convocou seu séquito de seguidores para manifestações sobre duas rodas no Rio de Janeiro e São Paulo, mobilizou seus apoiadores para questionarem a lisura das eleições e voltou à narrativa negacionista atacando o uso de máscaras e difundido mentiras em torno de um suposto relatório do TCU sobre mortes por Covid-19.
Como interpretar esse fenômeno? Há quem acredite que, contrariando todos os sinais, Bolsonaro não está enfraquecido. Na verdade, ele estaria preparando o terreno para um golpe, em caso de derrota nas eleições de 2022, ou para um fechamento do regime político, em caso de vitória. A saída seria a construção – daqui até 2022 – de uma frente amplíssima para as eleições. Nessa tese, todos os sinais de isolamento de Bolsonaro apenas serviriam para nos iludir e nada deveria ser feito para despertar a ira do tirano até que possamos dar uma saída eleitoral à crise.
Por outro lado, há quem leve a sério os diferentes sinais de enfraquecimento do presidente. Não bastasse a demissão conjunta dos comandantes das Forças Armadas – um evidente sinal de perda de autoridade junto aos militares – as pesquisas de opinião mostram um governo isolado. A CPI da pandemia, em curso no Senado Federal, acendeu os alertas no governo e a retomada dos direitos políticos de Lula parece ter deixado Bolsonaro em surto. Seu enfraquecimento não é mera ilusão de ótica. Por isso, é hora de pisar no acelerador, não no freio.
As mobilizações do último dia 29 de maio introduziram um elemento que estava ausente na guerra que travamos contra a extrema-direita: o povo na rua. O que bloqueia o impeachment de Bolsonaro é sua aliança com os partidos do chamado “Centrão”. Essa aliança só pode ser rompida pelo crescente isolamento do governo, para o qual o papel dos movimentos de rua é fundamental. Quem defende que devemos esperar até as eleições de 2022 não tem empatia com os milhões que sofrem com o governo da morte.
Por isso, os protestos convocados para o próximo dia 19 de junho são decisivos. Caso eles sejam menores e menos representativos do que aqueles realizados no mês passado, a tendência é persistir uma situação de “empate” até as eleições de 2022. Sabe-se lá quantas vidas serão perdidas caso isso ocorra. No entanto, se as manifestações apontarem para um crescente na mobilização popular, podemos ainda sonhar com a derrubada de Bolsonaro nos próximos meses.
A mobilização de motociclistas convocada por Bolsonaro em São Paulo foi um vexame nacional. Enquanto os organizadores esperavam centenas de milhares de apoiadores, o evento – com a presença do próprio Bolsonaro – reuniu entre 10 e 12 mil pessoas. Que presidente está fortalecido, como analisam alguns, se não consegue demonstrar força publicamente? Por isso, dia 19 os setores democráticos e populares precisam mostrar que não estão dispostos a esperar para depositar toda a sua indignação nas urnas, daqui um ano e meio. O Brasil precisa de nós hoje. A hora é agora.
Os artigos de autoria dos colunistas não representam necessariamente a opinião do IREE.
Juliano Medeiros
Historiador, mestre em História e doutor em Ciência Política pela Universidade de Brasília. Foi Diretor-Presidente da Fundação Lauro Campos (2016/2017) e desde 2018 é Presidente nacional do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL). É autor e co-organizador dos livros "Um partido necessário: 10 anos do PSOL" (FLC, 2015) e "Cinco Mil Dias: o Brasil na era do lulismo (Boitempo, 2017).
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