Moradores da Terra Indígena Waiãpi, no Amapá, denunciaram à imprensa no final de julho uma invasão da área e a morte do cacique Emyra Waiãpi. Sem prestar solidariedade à comunidade pela perda do líder, a primeira manifestação do presidente Jair Bolsonaro foi colocar em dúvida o assassinato e defender a exploração econômica de terras indígenas.
“É intenção minha regularizar o garimpo, até mesmo para índio. Mas ONGs e outros países não querem, querem que o índio continue como preso em um zoológico, como se fosse um ser humano pré-histórico”, disse Bolsonaro.
A Terra Indígena Waiãpi tem potencial minerário e integra a Reserva Nacional do Cobre e Associados (Renca). Essa reserva foi criada em 1984, no final da Ditadura Militar, para proteger recursos minerais estratégicos de investidores privados, e serviu para preservar a floresta da região. Em 2017, o presidente Michel Temer tentou extinguir a Renca, e voltou atrás por pressão de indígenas e ambientalistas.
A fala de Bolsonaro expressa uma visão ultrapassada e superada pela legislação brasileira de que as populações originárias seriam uma espécie de categoria social transitória. Segundo essa visão, base do Estatuto do Índio, de 1973, as populações originárias seriam um entrave ao desenvolvimento e deveriam ser integradas ao restante da sociedade.
A Constituição de 1988 rompe com essa visão e garante o direito dos indígenas manterem a sua própria cultura, além de reconhecer o direito à terra como direito originário, ou seja, anterior à criação do próprio Estado.
A lei na prática é outra
Relatório da ONU de 2018 já apontava o Brasil como o país mais perigoso do mundo para os defensores dos direitos humanos dos indígenas, mesmo com garantias legais de proteção às populações originárias.
Para que o Estado garanta a aplicação da lei, a ONU recomenda concluir os processos de demarcação, apoiar as comunidades em suas formas próprias de gestão da terra, e ter políticas públicas coerentes com a legislação.
Em todas estas questões é possível apontar retrocessos a partir da gestão Bolsonaro, o que torna ainda mais grave a situação de vulnerabilidade dos indígenas brasileiros.
Nem mesmo a pauta de preservação do meio ambiente, responsável por dar mais visibilidade mundialmente à luta pelos direitos indígenas, recebe alguma prioridade dentro da atual administração federal.
Primeiras ações do governo
Segundo reportagem do jornal O Globo, o governo federal já tem pronta uma minuta de projeto de lei para regulamentar a mineração em terras indígenas. De acordo com a minuta, os indígenas teriam poder de vetar a exploração em suas terras e receberiam royalties pela extração. Indígenas questionam que poder teriam, na prática, para se opor sem risco de coação.
Não será a primeira ação do governo Bolsonaro a ameaçar os direitos indígenas. O governo já tentou por duas vezes levar a responsabilidade pela demarcação de terras para o Ministério da Agricultura por meio de medidas provisórias. Primeiro foi barrado pelo Congresso. Depois pelo Supremo Tribunal Federal.
Em junho deste ano, o governo obteve uma vitória no Tribunal Regional Federal da 1ª Região em Brasília, que derrubou a exigência do Estado consultar a comunidade Waimiri Atroari para início das obras de uma linha de transmissão de energia de Manaus (AM) a Boa Vista (RR), que passará sobre terras indígenas.
A Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), criada em 2010, foi ameaçada de extinção no começo do ano. Após manifestações dos indígenas, o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, decidiu manter a pasta, mas a população atendida reclama de descaso nos repasses de recursos.
A comunidade indígena também foi afetada pelo fim dos conselhos representativos por decreto da Presidência da República em abril deste ano. Um dos órgão extintos foi o Fórum de Presidentes de Conselhos Distritais de Saúde Indígena, instância em que representantes da sociedade tinham espaço para participar da fiscalização, planejamento e avaliação das políticas públicas.
O histórico de discurso contra os indígenas
É possível repudiar a política de Bolsonaro, mas ele nunca escondeu seu desprezo pela preservação de direitos indígenas.
Quando deputado federal pelo PPB (atual PP) em 1998, ao criticar a política de demarcações na Amazônia, Bolsonaro chamou a cavalaria brasileira de incompetente por não ter dizimado os indígenas como a norte-americana.
Em 2015, ao receber uma homenagem da Polícia Militar em Campo Grande (MS), Bolsonaro, sem partido, afirmou que os indígenas tinham a posse das terras mais ricas do Brasil e eram alheios à sociedade atual. “Índio não fala nossa língua, não tem dinheiro, é um pobre coitado, tem que ser integrado à sociedade, não criado em zoológicos milionários.”
Em 2016, Bolsonaro dizia em vídeo amador no Congresso que em 2019 iria desmarcar a reserva indígena Raposa Serra do Sol. “Vamos dar fuzil e armas a todos os fazendeiros.”
Em 2017, quando seu nome já era cogitado para uma candidatura à Presidência, Bolsonaro, então deputado pelo PSC, chamou o apoio de Jarbas Passarinho à demarcação da reserva Yanomami de crime de lesa-Pátria.
No mesmo ano, em evento no clube Hebraica, Bolsonaro atacou também as comunidades quilombolas, e vaticinou: “Pode ter certeza que se eu chegar lá [Presidência da República] não vai ter dinheiro pra ONG. Não vai ter um centímetro demarcado para reserva indígena ou para quilombola.”
Às vésperas de se tornar candidato à Presidência, Bolsonaro, já no PSL, declarou durante palestra para empresários no Espírito Santo que pretendia extinguir a Funai se fosse eleito.
O posicionamento de Bolsonaro não mudou durante a candidatura e, pelo resultado das eleições, encontrou eco nos apoiadores. A quem ele representa?
As falas do presidente não são meras polêmicas. Analisar os interesses por trás da política anti-indígena é importante para compreender os rumos do país e opinar sobre eles. E para que a população possa votar de forma consciente.
Por Samantha Maia
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