A cratera aberta em plena Marginal Tietê, avenida mais movimentada do Brasil, revela uma história que não começou no dia do acidente: a farsa da gestão tucana no estado de São Paulo. O PSDB estabeleceu em seus sucessivos governos – com Covas, Serra, Alckmin e Doria – a diretriz de privatizar e terceirizar tudo o que for possível, inclusive responsabilidades.
O acidente na Linha 6 do metrô poderia ter sido evitado, segundo o especialista do IEA/USP Ivan Maglio, se houvesse mais rigor no projeto e fiscalização adequada da obra. Mas o governo estadual eximiu-se dessas funções quando transformou a obra de mobilidade numa PPP e permitiu que as empresas privadas conduzissem todo o processo, pautadas unicamente pela redução de custos e aumento da sua lucratividade.
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Mas esse está longe de ser um episódio isolado de fracasso de gestão. A obra do Rodoanel, que se iniciou em 1998, não foi concluída até hoje e já tem custo 70% maior do que o orçamento inicial. Apenas o trecho Norte, inconcluso, já ultrapassou R$10 bilhões ante uma previsão total de R$5,6 bilhões. O monotrilho do aeroporto de Congonhas era para ser entregue na Copa de 2014. Oito anos depois, é ainda um esqueleto de concreto na Marginal Pinheiros.
Segundo o Tribunal de Contas do Estado, o governo paulista tem hoje 641 obras paradas, no valor total de R$11,3 bilhões. Neste cenário, é uma verdadeira proeza que a jogada de marketing tucana ainda funcione. Conseguem vender para a opinião pública um histórico de fracassos de gestão como modelo de governos gestores, transformando magicamente vício em virtude. A grande mídia, frequentemente, dá sua contribuição com o tratamento amistoso aos tucanos paulistas.
Na sanha privatista, Doria extinguiu em 2020 a Emplasa, empresa pública de planejamento regional e, no lugar, passou a contratar consultorias da Fipe e FGV a valores maiores do que seria o custo via empresa pública. Quase todas as áreas de serviço público estão deficitárias de profissionais de carreira, sem que o governo abra concursos. Na segurança, por exemplo, um escrivão da Polícia Civil chega a cuidar de mais de mil inquéritos. Como esperar eficiência na solução de crimes?
Enquanto isso, o governo mantém em sua máquina 26 mil cargos comissionados, contratados por indicação política, sem necessidade de capacitação técnica na área de atuação. Quem se filiou ao PSDB paulista em 1995 tem mais estabilidade no emprego do que qualquer servidor concursado. É um acinte.
Durante os 27 anos de governos tucanos, São Paulo parou no tempo. Já fomos a terra das oportunidades, acolhendo gente do país e do mundo. Hoje vivemos uma desindustrialização crônica, sem qualquer política consistente do governo. Visitei os trabalhadores da Ford de Taubaté, que acamparam em frente à fábrica após o anúncio do fechamento. Um deles me disse que seu avô trabalhou lá, seu pai também e ele, desde jovem. Agora acabou. O desemprego no estado está 1% acima da taxa nacional, já bastante elevada.
Enfim, a história por trás da cratera da Marginal é o abandono de gestão, terceirização de responsabilidades e o esgotamento dos governos do PSDB em São Paulo. Até aqui, mantiveram-se no poder por uma combinação de marketing eficaz com uso sem pudores da máquina pública para garantir apoio de prefeituras do interior do estado em ano eleitoral. Esperamos que neste 2022 a história seja diferente.
Os artigos de autoria dos colunistas não representam necessariamente a opinião do IREE.
Guilherme Boulos
É professor, diretor do Instituto Democratize e coordenador do MTST e da Frente Povo Sem Medo.
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