Instaurada no dia 04 de maio de 2021 no Senado Federal, a CPI da Covid iniciou os trabalhos de investigações e oitivas sobre a (má) gestão da pandemia pelo Planalto envolta em desconfianças e descrença sobre sua efetividade. Ainda naquela ocasião argumentei que os efeitos indiretos dos primeiros depoimentos eram perceptíveis e já desenhavam um princípio de crise no front do executivo. Isso porque, após um breve período de ponderação do presidente – no que diz respeito aos frequentes ataques às instituições –, começava um novo ciclo de ameaças à democracia.
Até o momento é possível dividir os rumos da CPI da Covid em duas fases. A primeira, em que o principal foco da comissão era discutir e investigar as temáticas relativas ao negacionismo do Planalto. Foi possível identificar com clareza que diversas medidas adotadas sem fundamento científico, como a imunidade de rebanho e o incentivo ao tratamento precoce através do perigoso uso da hidroxicloroquina, eram orquestradas em um “gabinete paralelo”, formado por alguns especialistas ligados ao Planalto e por pessoas sem nenhum preparo técnico.
O principal resultado dessa fase foi escancarar, e recolher provas, de que havia um direcionamento anticiência e contrário às recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) dentro do Governo Federal. Ainda nessa primeira fase, a atitude de descaso perante a crise do oxigênio no estado do Amazonas pode ser enquadrada como o maior exemplo do resultado da gestão do General Eduardo Pazuello à frente do Ministério da Saúde em um momento que pensávamos se tratar de consequências de escolhas ideológicas (ainda que criminosas).
Contudo, a etapa 2.0 da CPI da Covid veio com força e mostrou que não era “somente” o negacionismo que guiava o Planalto. A não aquisição de milhões de vacinas oferecidas repetidamente pela farmacêutica Pfizer ao governo Federal, fato revelado na primeira fase da CPI, ganha outra dimensão quando se observa que contratos controversos com empresas de menor reconhecimento e credibilidade passaram na frente da norteamericana, gigante da indústria.
Os principais elementos de investigação da nova fase envolvem a contratação da vacina indiana, a Covaxin, em que há nitidamente um grave caso de corrupção envolvendo integrantes do Ministério da Saúde, com possivelmente o conhecimento do presidente Bolsonaro, além da existência de “vendedores intermediários” – no mínimo suspeitos para a comercialização das vacinas – operando junto ao referido Ministério. Os casos envolvem ainda o líder do governo na Câmara, o deputado federal Ricardo Barros (PP), importante articulador do Centrão e figura aliada ao presidente.
A fase 2.0 da comissão trouxe também para o centro das investigações o nome de diversos membros das Forças Amadas, alguns da reserva, outros ainda na ativa, e promete testar a resistência dos senadores diretamente envolvidos na CPI. De modo desnecessário, a nota encaminhada pelo Ministério da Defesa após a crítica do presidente da comissão, Omar Aziz (PSD), de que há “membros do lado podre das Forças Armadas envolvidos com falcatrua dentro do governo”, e que os “bons” das Forças Armadas devem estar “muito envergonhados”, subiu o tom de animosidade.
Prestes a entrar em sua etapa final (07 de agosto), tudo indica que a CPI deverá prosseguir, particularmente devido ao volume de documentos que precisarão passar por investigação e pelas novas oitivas que virão. A CPI vem cumprindo um papel fundamental nesse momento de crise e precisa continuar. As ameaças das Forças Armadas dirigidas aos representantes democraticamente eleitos não devem ser admitidas, mas sim repudiadas.
Os artigos de autoria dos colunistas não representam necessariamente a opinião do IREE.
Carolina de Paula
É doutora em Ciência Política pelo IESP/UERJ, Diretora Executiva do DataIESP e consultora da UNESCO. Coordenou o "Iesp nas Eleições", plataforma multimídia de acompanhamento das eleições de 2018. Foi coordenadora da área qualitativa em instituto de pesquisa de opinião e big data, atuando em diversas campanhas eleitorais e pesquisas de mercado. Escreve mensalmente para o IREE.
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