A bomba-relógio social de 2021 – IREE

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A bomba-relógio social de 2021

Guilherme Boulos

Guilherme Boulos
Coordenador do MTST



Mais de 200 mil mortes, milhões de crianças há quase um ano sem aulas presenciais e profissionais da saúde exauridos pelo combate ao coronavírus. O saldo do desgoverno Bolsonaro em 2020 é trágico. Mas poderia ter sido pior. O auxílio emergencial aprovado graças à oposição no Congresso – e, vale frisar, contrariando a vontade do governo – impediu que houvesse uma verdadeira epidemia de miséria em meio à maior crise sanitária da nossa geração.

O impacto da medida foi avassalador. Foram 68 milhões de famílias beneficiadas pelo auxílio. Quase dois terços dessas pessoas eram da população negra. 67% dos desempregados e 43% das mulheres chefes de família do país receberam o benefício, que representou mais da metade da renda familiar de 23 milhões e a única fonte de renda para 9 milhões de brasileiros.

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Dá pra imaginar gente dizendo: “ok, o auxílio ajudou, mas não adianta dar o peixe, tem que ensinar a pescar. Essas pessoas têm que trabalhar.” Trabalhar como? Desde o início da pandemia, pelo menos 4 milhões de postos de trabalho com carteira assinada foram destruídos, além de 3 milhões de empregos informais e mais de 2 milhões de trabalhadores por conta própria que perderam a fonte de renda.

Chegamos a 33 milhões de brasileiros que estão desempregados, que trabalham menos horas do que gostariam (subutilização) ou que desistiram de buscar trabalho por falta de perspectiva (desalento). O Brasil registrou no fim de 2020 número recorde de desempregados da série histórica do IBGE.

Em suma, manter um auxílio para as famílias sem renda garantida era e segue sendo imprescindível. É verdade, no entanto, que o auxílio tem um custo fiscal considerável e será necessário criar fontes de receita para sustentá-lo.

A Bancada de Deputados Federais do PSOL elaborou uma proposta de renda mínima solidária, indicando fontes de tributação progressiva como a regulamentação do Imposto sobre Grandes Fortunas, a tributação sobre lucros e dividendos e o aumento da CSLL dos bancos.

Num momento como o da pandemia é preciso cobrar a conta do andar de cima. Para se ter uma ideia, um estudo da Oxfam mostrou que a fortuna de 42 bilionários brasileiros cresceu R$181 bilhões durante a pandemia. Outros países, a exemplo da Argentina, têm adotado esse caminho para lidar com os custos sociais e de saúde pública do enfrentamento à pandemia.

Impostos que incidem sobre riqueza, como é o caso do Imposto sobre Grandes Fortunas, foram implementados também em países como Estados Unidos e Alemanha no período do pós guerra, quando as desigualdades de renda foram reduzidas a níveis historicamente baixos. Obviamente a melhora nas relações sociais não se deu apenas pela criação do Imposto, mas também porque era o financiador de novas políticas sociais.

É importante lembrar que políticas de transferência de renda como o auxílio emergencial geram efeitos positivos diretos na economia. Os recursos transferidos às famílias de baixa renda voltam a partir de pagamentos de itens básicos e serviços locais, gerando empregos, renda e arrecadação de impostos.

Vamos supor que Rosa, que está desempregada, receba o auxílio emergencial. Com o dinheiro do auxílio ela consegue colocar comida na mesa comprando do mercado de seu bairro, que é de Cláudia. Esta passa a ter uma demanda maior a partir da compra de Rosas, Lúcias e Marias. Cláudia, que vê a sua demanda crescendo, consegue contratar novos funcionários, que passam a receber salário e acessar novos bens e serviços.

Pense que em cada ação desenhada no exemplo houve pagamento de impostos sobre bens e serviços ao Estado, que recupera parte do investimento social a partir do giro da economia. É o que os economistas chamam de “efeito multiplicador”.

A manutenção de uma renda emergencial neste momento tem portanto razões sociais e econômicas. Mas, acima de tudo, humanitárias. Em um país tão desigual e marcado pela exclusão, deixar 68 milhões de famílias abandonadas à própria sorte em nome do controle fiscal é fazer coro com a defesa da morte – pelo vírus ou pela fome – pregada todos os dias pelo desgoverno Bolsonaro.



Os artigos de autoria dos colunistas não representam necessariamente a opinião do IREE.

Guilherme Boulos

É professor, diretor do Instituto Democratize e coordenador do MTST e da Frente Povo Sem Medo.

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