20 de Novembro: O novo ponto de partida é o sujeito periférico e preto – IREE

Colunistas

20 de Novembro: O novo ponto de partida é o sujeito periférico e preto

Diego Jandira

Diego Jandira
Violonista e Cientista Social



Com um pouco mais de uma década de sua instituição oficial, a data de “20 de Novembro”, o Dia Nacional da Consciência Negra, não vem apenas manter viva a memória de heróis e heroínas quilombolas mortos em uma batalha colonial. Hoje, mesmo que a pele escura ainda cause surpresa em lugares onde não lhe reservaram nenhuma cadeira, é descartável qualquer hipótese de vislumbrar o desenvolvimento futuro do país sem a sua presença.

O Brasil é a maior reserva humana do mundo, onde possui imensa floresta só conhecida pela palma da mão e sabedoria do povo indígena, e que possui milhares de terras inférteis enquanto latifúndios, mas que podem ser transformadas em moradia, agricultura familiar e trabalho nas mãos do quilombola ou do trabalhador rural. Abrigar uma variedade quase única de culturas dentro do seu próprio território traz o desafio, diante dos olhos e da expectativa de todo o mundo, de criar resoluções em diminuir constantemente a assimetria nos direitos reservados a preservar cada um desses povos.

Atuando em camadas mais profundas da sociedade, a presença política de negros e negras apontando novas soluções para velhos problemas movimentou, nas últimas décadas, engrenagens por muito tempo enferrujadas, que estruturaram a base das relações desiguais que marcam o país até hoje. O efeito que podemos sentir do implemento da política de cotas raciais para a entrada no ensino superior diversificou o currículo, aumentou a produção de pesquisas científicas, e ampliou o número de profissionais habilitados a compor o novo corpo docente das escolas públicas do país.

Anos mais tarde, jovens estudantes secundaristas, em sua maioria alunos e alunas de toda uma geração de professores graduados por intermédio das políticas de cotas raciais, responsáveis pelo implemento da lei 10.639 de ensino da história e cultura afro brasileira, parariam diversas cidades do Brasil em nome do direito básico da escola não ser transformada em uma empresa, e a educação consequentemente não virar uma commodity.

Esses jovens secundaristas cresceram, ingressaram em algumas das mais importantes universidades do país e se tornaram chavosos porta vozes de todo um novo movimento de negros periféricos ingressantes no ensino superior, expressando pontos de conflito e conciliação entre a periferia e o centro, e deslocando o ponto de partida de interpretação da sociedade para o sujeito periférico e preto.

O pensamento político e social das últimas décadas talvez nunca tenha sido tão influenciado pelo debate em torno da figura do negro e os seus  dilemas na vida brasileira. A consagração por parte da sociedade de filósofas e pensadoras negras, escritores, e o crescimento do mercado editorial de literatura tamanho o interesse por novas narrativas, acabou mostrando que “o país que não gosta de ler”, na verdade, não encontrava identificação com o que estava escrito nesses livros. O que a gente quer ver é Conceição Evaristo consagrada imortal pela Academia Brasileira de Cultura. E vimos!

Em outros campos de atuação, o território digital brasileiro talvez seja um dos espaços onde a nova música negra mais se prolifere e prospere, movimentando todo um mercado que envolve imagem, marcas, surgimento de novos artistas e novas casas de show, fazendo o dinheiro e a cultura circular de maneira real nas comunidades e periferias, oferecendo cultura e lazer onde o Estado por muitas vezes “não chega”. Relembrando um certo dever social da música e de toda a arte.

As conquistas da população negra ao longo dos anos são muito significativas para que um único dia, em apenas um mês, seja suficiente para mostrar tudo. Apesar de ser alvo das mais tristes estatísticas nos relatórios desse país, a comunidade não só reage com luta, e muita, mas também mantém com vigor a cultura brasileira, onde a negritude manifesta a sua mais alta patente de majestade.



Os artigos de autoria dos colunistas não representam necessariamente a opinião do IREE.

Diego Jandira

É músico violonista, colunista, cientista social graduado pela Unifesp e pesquisador musical no projeto Violão Negro Brasileiro.

Leia também