Por Guilherme Boulos
Este dezembro de 2017 ficará marcado na história por um dos episódios mais escandalosos de espoliação nacional. No dia 6, a Câmara dos Deputados aprovou a Medida Provisória 759, de Michel Temer, que alterou o regime de isenções fiscais para a exploração do pré sal por empresas petroleiras. Pouco antes, Temer prorrogou pelo Decreto 9128/17 o Repetro até 2040. O resultado final poderá significar uma perda de R$1 trilhão em arrecadação nos próximos 25 anos, segundo estudo técnico da consultoria da própria Câmara.
Coincidência ou não, a principal beneficiada por esta extravagante bondade natalina será a Shell, cujo lobby junto ao governo Temer, que teria contado com a participação do Ministro do Comércio do Reino Unido, foi denunciado pelo jornal The Guardian. Não é demais lembrar que, logo após o golpe que o conduziu ao poder, Temer indicou Pedro Parente para a presidência da Petrobras, que, por sua vez, indicou como consultor senior de estratégia ninguém menos que Nelson Luiz Costa Silva, quadro da Shell. Chamar o diretor de uma das principais concorrentes para pensar sua estratégia não parece algo movido por interesses republicanos.
O cinismo do argumento para defender a MP do Trilhão ofende a lógica. O objetivo declarado teria sido tornar “mais atrativo” o mais recente leilão de campos do pré sal. Como aquela “maquiagem” que se dá num carro antes de vend6e-lo, para obter um preço melhor. Muito bem. O problema é se a maquiagem fica três vezes mais cara que o preço do carro. Pois foi o que fez o governo Temer, com o agravante de não se tratar de um carro, mas dos recursos naturais do país. A isenção prevista apenas para 2018 será de R$162 bilhões, quase três vezes o que se arrecadou nos leilões de 6 campos.
Isso faz lembrar a privataria de FHC nos anos 90, quando o BNDES financiava as empresas estrangeiras para comprarem as estatais, que eram vendidas ainda a preços subvalorizados. Mas tanto num caso quanto noutro a falta de lógica é apenas aparente.
A lógica é a desnacionalização da economia para atender aos interesses de grupos internacionais. Trata-se de destruir a capacidade de investimento do Estado brasileiro, limitando sua intervenção na economia e seu potencial de arrecadação. Em outra palavras, é rapinagem grosseira.
Como se não bastasse, a MP amplia o desmonte da politica de conteúdo nacional, isentando impostos para importação de máquinas e equipamentos. De acordo com a Abimaq, a medida poderá levar à perda de quase 1 milhão de empregos na indústria naval brasileira.
Ou seja, o Brasil perde em empregos e arrecadação pública, sem falar na soberania sobre os recursos naturais. A Shell ganha em lucros e isenções fiscais. Aprofunda-se a regressividade do sistema tributário nacional e, em nome dos interesses da Shell, abre-se mão de recursos em tempos de ajuste fiscal e cortes generalizados nas áreas sociais. Já houve na história quem foi julgado por crime de lesa pátria por bem menos do que isso.
Guilherme Boulos é coordenador do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto)
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